Indústria farmacêutica e psiquiatria no quadro da Sociologia Econômica: uma agenda de pesquisa

AutorMarcia da Silva Mazon
CargoDoutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis, SC, Brasil) é professora associada do Departamento de Sociologia e Ciência Política na mesma Universidade, do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Ciência Política e coordena o Núcleo de Sociologia Econômica (Nusec)
Páginas136-161
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n43p136
136136 – 161
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Indústria farmacêutica epsiquiatria
no quadro da Sociologia Econômica.
Uma agenda de pesquisa
Marcia Mazon1
Resumo
Neste artigo, interessou-nos analisar a relação entre indústria farmacêutica e psiquiatria assim como
novos contornos desta relação a partir da década de 1990 no Brasil. Argumentamos, a partir do
enfoque da Sociologia Econômica, a qual entende os mercados como construções sociais, que este
processo ganha um desenho particular no país. O intuito do artigo é abrir uma agenda de pesquisa na
área da saúde e indústria farmacêutica a partir deste referencial. A metodologia mobilizada foi revisão
bibliográca e análise documental. Quando falamos da psiquiatria brasileira, na década de 1940 este
setor lutava pelo reconhecimento prossional com o discurso da prevenção da doença,enquanto o
hospital psiquiátrico buscava seu espaço. No cerne das transformações recentes da reforma da psi-
quiatriae dos processos de medicalização – em particular a partir da publicação do Manual Diagnósti-
co e Estatístico de Transtornos Mentais DSM na sua quinta versão –,argumentamos que a psiquiatria
se reinventa como especialidade e mobiliza o discurso da prevenção. Porém, agora é a prevenção
medicalizada da infância; o hospital perde espaço para a indústria farmacêutica.
Palavras-chave: Estado. Indústria farmacêutica. Mercado. Medicalização. Psiquiatria
1 Introdução
Nas últimas décadas, intensicam-se as críticas ao modo de aproxi-
mação entre indústria farmacêutica e psiquiatria na produção do que os
1 Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Florianópolis, SC, Brasil) é
professora associada do Departamento de Sociologia e Ciência Política na mesma Universidade, do Programa
de Pós Graduação em Sociologia e Ciência Política e coordena o Núcleo de Sociologia Econômica (Nusec). A
primeira versão deste artigo foi apresentada no 2º. Simposio CAPES COFECUB em 2019. Agradeço a CAPES o
apoio através do projeto do convênio internacional CAPES COFECUB: A disseminação dos saberes espertos no
domínio da Infância, no qual se integra a presente pesquisa. Contato: marciadasilvamazon@yahoo.com.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 43 - Set./Dez. de 2019
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especialistas chamam de epidemia dos diagnósticos de transtornos da in-
fância. Entre os críticos estão Whitaker (2016), autor que denuncia a in-
tensicação de diagnósticos tão bem comoo crescente aumento da ven-
da de neurolépticos2 destinados à infância. Isto, em particular, a partir da
publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM)na sua quinta versão3. Este modelo de diagnóstico se intensica
nos EUA e se difunde para outros países em poucos anos (WHITAKER,
2016). Igualmente Sandra Caponi (2014) critica a tendência da psiquia-
tria em tratar como transtornos as reações e emoções humanas naturais.
Francesdenuncia igualmente o excesso de diagnósticos psiquiátricos equi-
vocados. Esta autora aponta abusos da indústria farmacêutica e o prejuízo
a milhões de indivíduos sadios diagnosticados (os falso-positivos) submeti-
dos a tratamentos desnecessários em reposta a emoções e comportamentos
que são parte da experiência humana4.
Neste artigo,dedicamo-nos ao fenômeno de aproximação entre a
indústria farmacêutica e a classe médica psiquiátrica na emergência dos
transtornos da infância a partir da perspectiva da Sociologia dos Mercados.
Interessa-nos responder a questão: qual o contexto de aproximação mais
recente entre a indústria e a psiquiatria no Brasil? Argumentamos que as
mudanças promovidas pelas reformas liberalizantes na década de 1990 e o
momento de reforma manicomial no que toca à ação da psiquiatria pode
nos fornecer pistas. O intuito deste artigo é abrir uma agenda de pesquisa
para o estudo do tema.
A indústria farmacêutica ganhounovos contornos no Brasil a partir da
aprovação da Lei de Patentesem 1996 e da criação da Política Nacional de
2 Neurolépticos (que se iniciam com a clorpromazina) são drogas com a capacidade de disciplinar e acalmar os
pacientes (CAPONI, 2019, p. 133-134).
3 O DSM aumentou o número de diagnósticos, desde sua primeira versão em 1952, de pouco mais de 100 diag-
nósticos do DSM I para mais de 300 na última versão, o DSM 5 (BRZOZOWSKI, 2016). Para Caponi (2019),
essa nova versão do DSM se constitui como um dispositivo de segurança, no sentido de Foucault, centrado na
lógica da prevenção e da antecipação dos riscos.
4 O principal diagnóstico é o Transtorno de Décit de Atenção (TDAH), considerado o transtorno mais fre-
quente na infância. O seu diagnóstico no DSM se baseia no comportamento de desatenção, hiperatividade
e impulsividade. As pesquisas na área procuram descrever as bases biológicas do TDAH para usá-las com
ns diagnósticos, mas não só: igualmente como marcadores de risco, fenômeno que inaugura a prevenção
medicalizada da infância (MARTINHAGO; CAPONI, 2019). Martinhago e Caponi (2019) denunciam as sim-
plicações e omissões das pesquisas as quais pretendem vincular o TDAH aos marcadores genéticos.

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