Indução das decisões empresariais: exaltação e limites

AutorAntonio Bazilio Floriani Neto
Ocupação do AutorPós-graduado em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR. Professor de pós-graduação lato sensu. Advogado
Páginas109-125

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O Estado contemplado na Carta de 1988 não é neutro1: "o constituinte revelou-se inconformado com a ordem econômica e social que encontrara, enumerando uma série de valores sobre os quais se deveria firmar o Estado, o qual, ao mesmo tempo, se dotaria de ferramentas hábeis a concretizar a ordem desejada".

Por conta disso, preconizou uma realidade social distinta, ainda inexistente, "[...] cuja realização e concretização, por meio de medidas legais, passa a ser interesse público"2.

Não por acaso, portanto, a CF de 1988 estabeleceu, em seu artigo 3°, que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos.

E um dos meios, senão o principal, para "[...] viabilizar a consecução dos fins constitucionalmente previstos"3, são os tributos. Luís Eduardo Schoueri4, nesse contexto, ensina que seriam três as funções de um tributo: (i) a fiscal,

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arrecadadora, que se destina a levar dinheiro para o Estado; (ii) a simplificadora, "[...] uma função das normas tributárias regida pelo princípio da praticabilidade, autorizando o aplicador da lei a adotar medidas globais, generalizantes, com a finalidade de simplificar o sistema tributário"5, como, por exemplo, ocorre com a sistemática do lucro presumido no Imposto de Renda e, por fim, a (iii) função extrafiscal, dividida em extrafiscal em sentido estrito e de políticas públicas, sendo que ambas vão além da mera arrecadação.

Extrafiscalidade em sentido estrito tem como função precípua induzir comportamentos, "[...] objetivam influenciar na tomada de decisão dos cidadãos, direcionar os comportamentos socioeconômicos, estimulando-os ou de-sestimulando-os, ao torná-los, por meio da exação, mais ou menos custosos"6. Já as normas tributárias de política públicas visam assegurar um tratamento diferenciados em situações imprevistas, tal como o desemprego, "trata-se, sem dúvida, de caso de inspiração social, mas cujo único efeito é a melhora da situação do beneficiário, sem por isso constituir um incentivo a que a situação desafortunada permaneça"7.

É através da extrafiscalidade, portanto, que condutas são incentivadas ou comportamentos desestimulados, a depender da vontade do Estado.8 E exemplos práticos de extrafiscalidade não faltam: de modo a combater a crise econômica de 2009, o governo reduziu o IPI para os veículos9. Para estimular a ocupação da região amazônica, forneceu incentivos fiscais para empresas, como a isenção do IPI para mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus10.

No caso das contribuições sociais, a situação não é diferente: "[...] nada impede que venham, por opção legislativa ou mesmo constituinte, a estimular determinadas ações, de interesse da coletividade"11.

Conforme demonstrado no capítulo anterior, o Estado brasileiro formou um arcabouço legal, pautado no instrumento tributário, para reduzir os acidentes

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laborativos, com a clara mensagem: cuide do seu trabalhador, invista na promoção do seu meio ambiente laborativo, não adoeça seu empregado.

Diz-se isso porque o SAT, antes do advento da Lei n. 10.666/2003, possuía uma função precipuamente fiscal, arrecadadora: visava tão somente captar dinheiro para o Estado. Já por meio do FAP a exação ganhou novos contornos, podendo servir como um instrumento do Estado na busca de um objetivo socialmente desejável, reduzir acidentes, proteger o trabalhador e diminuir os gastos da Previdência Social com a concessão de prestações decorrentes de infortúnios do trabalho.

Aqui, fala-se em extrafiscalidade, a qual possui um nobre propósito, culminando em manifestações de sua exaltação12. Ato contínuo, esse sentimento geral de exaltação da extrafiscalidade acaba "[...] por incentivar o crescente emprego de medidas tributárias para a conformação de condutas, como se o uso de tributos para propósitos não arrecadatórios representasse um excelente ou, quiçá, o melhor dos instrumentos para a consecução das finalidades constitucionais"13.

Desse modo, a função extrafiscal traz consigo, também, um problema, qual seja: quais seriam os seus limites?

5. 1 Limites à tributação extrafiscal

Ao estarmos diante de um tributo com finalidade fiscal, isto é, cujo fim preponderante é obter receitas dos particulares, o art. 145, § 1°, da CF de 198814 prevê a capacidade contributiva como uma medida de diferenciação entre os contribuintes.

No caso tratado pelo aludido dispositivo, houve a eleição de uma espécie tributária específica: o imposto. Assim sendo, em um tributo de finalidade precipuamente fiscal, como o mencionado, Ávila15 destaca que a igualdade pode ser

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aplicada com base no exame da capacidade contributiva dos cidadãos. Nesse caso, verifica-se que o critério diferenciador é o próprio contribuinte e o fim da tributação é uma distribuição equitativa da carga tributária.

No entanto, o princípio da capacidade contributiva não possui idêntica aplicabilidade nos tributos com função extrafiscal16. Quando nos deparamos com essa função tributária, devemos buscar outras finalidades aspiradas pelo Estado, tais como a preservação da ordem social (arts. 193 a 231 da Constituição de 1988), a proteção ao meio ambiente (art. 225) de modo que a medida de comparação "[...] deverá corresponder a um elemento ou propriedade que mantenha relação de pertinência, fundada e conjugada, com a finalidade eleita"17. Assim sendo, se no tributo com finalidade precípua fiscal a distinção era realizada com fundamento no próprio contribuinte, ao analisarmos o tributo extrafiscal, os critérios se alteram.

Nesse caso, os elementos de diferenciação não estão nos contribuintes, mas em elementos estranhos a eles. Tampouco há que se falar na finalidade igualitária de distribuição da carga tributária18.

A tributação extrafiscal faz a separação de contribuintes em classes: em uma, estão aqueles que não realizaram ou não realizam a conduta, não sendo afetados; em outra, ficam os que realizaram a conduta e, portanto, sofrerão os efeitos estimulantes ou desestimulantes19. No entanto, há casos raros em que inexiste a distinção: todos serão destinatários da tributação extrafiscal20. O caso FAP enquadra-se neste último21: não que seja aplicado a todos, há empresas que

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não têm o dever legal de recolher o SAT, conforme visto no capítulo 3. De outro giro, todas aquelas que o fazem, sofrem a aplicação do mencionado multiplicador. Não se trata de um ato deliberado, portanto, do sujeito passivo de escolher realizar a conduta e recolher a exação. Pelo contrário, trata-se de uma imposição legal.

Assentadas essas premissas, tem-se que a tributação extrafiscal atua como um meio para obtenção de um fim constitucional, ficando a cargo da legislação infraconstitucional institui-lo. Imprescindível, contudo, é demonstrar uma relação de pertinência entre meio-fim, pois os meios adotados podem restringir outros princípios constitucionais22.

E mais, há uma escassez de obras em âmbito pátrio destinadas ao exame da extrafiscalidade23. Isso é temerário, pois se cabe à doutrina conceituar, explicar conceitos próprios de direito, o Judiciário somente pode agir com aquilo que lhe foi apresentado24.

Logo, passa-se ao exame do controle da extrafiscalidade no SAT e de seu multiplicador, o FAP, momento em que se fala da proporcionalidade: uma me-tanorma hábil a estruturar a sua aplicação25.

5.1. 1 O postulado da proporcionalidade

A proporcionalidade não consiste em um princípio, mas sim em um "postulado normativo aplicativo"26. Essa proposição decorre da impossibilidade de ser induzido ou deduzido da lei ou da Constituição, eis que resulta "[...] da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela Constituição brasileira e da própria atributividade do direito, que estabelece proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis"27.

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Sua origem, de acordo com Ávila, advém do emprego da palavra "proporção", cuja ideia é bastante recorrente na Ciência do Direito, sendo utilizada nas mais variadas searas: do direito penal (v. g. proporção entre a conduta praticada e a pena atribuída) ao direito processual (v.g. proporção entre o ato processual e os ônus decorrentes da interposição de um recurso), dentre outras.

Ocorre que o postulado da proporcionalidade não deve ser confundido com as mencionadas acepções do vocábulo, eis que se distingue da ideia de proporção.

Jaime Cárdenas Gracia28 expõe que a proporcionalidade não busca encontrar certezas plenas, mas sim alcançar uma racionalidade quando há colisões de princípios constitucionais. Além disso, o autor destaca que outra contribuição deste postulado é a sua aptidão para determinar decisões corretas, não tendo a pretensão de ser a única resposta certa, mas sim aquela possível de ser em-basada jurídica e democraticamente em sociedades pluralistas e democráticas.

Nesse contexto, a proporcionalidade assume um papel de método inter-pretativo, chamado por alguns de ponderação e, por aqueles com formação anglo-saxônica, de "balancing"29.

Tendo estas premissas em mente, Gracia30 assim a define:

[...] en qué consiste el principio de proporcionalidad. En ser un método para interpretar y argumentar principios constitucionales cuando ante si-tuaciones jurídicas se encuertran em colisón y se hace necessário determinar cuál de los princípios constitucionales em conflicto debe prevalecer. Lato sensu comprende tres subprincipios: idoneidad, necesidad y proporcionalidad en sentido estricto.

O desenvolvimento desse postulado teve início no período pós-Segunda Guerra Mundial e influenciou diversas democracias liberais, especialmente pela sua habilidade em ponderar o balanceamento de resolução de conflitos...

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