Os Direitos Individuais Homogêneos e a Conciliação no Judiciário do Trabalho - Possibilidade - Hipóteses

AutorAdriana Camp os de Souza Freire Pimenta
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho, Titular da 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte; Juíza Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Páginas247-257

Page 247

O processo coletivo tutela o interesse transindividual ou metaindividual, numa perspectiva de solução conjunta de conflitos que interessam à socie-dade como um todo, a uma determinada categoria ou a um número expressivo de indivíduos, conforme se trate de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo1.

Conforme já tivemos a oportunidade de discorrer2, o processo coletivo ganha importância na nossa sociedade, onde as ofensas aos interesses atingem um número cada vez maior de indivíduos, gerando várias ações praticamente idênticas e em que o Judiciário, em paralelo - no nosso caso, o Judiciário do Trabalho -, não consegue dar uma resposta rápida e efetiva aos jurisdicionados e, via de consequência, atender ao paradigma constitucional da duração razoável do processo3.

Nesse contexto, é extremamente útil a análise da eficácia social - ou efetividade - das Normas Constitucionais, na busca de uma interpretação que aproxime, o mais possível, o direito de ação e a fruição imediata do bem da vida assegurado na norma jurídica.

Page 248

Sobre o tema, Luís Roberto Barroso afirma4:

"É bem de ver que o próprio reconhecimento de força normativa das normas constitucionais é conquista relativamente recente no constitucionalismo do mundo romano-germânico. No Brasil, ela se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido como doutrina brasileira da efetividade. Tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmáticas da normatividade constitucional, mas também superar algumas das crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação ideológica e na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento. A essência da doutrina da efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. Como consequência, sempre que violado um mandamento constitucional, a ordem jurídica deve prover mecanismos adequados de tutela - por meio da ação e da jurisdição -, disciplinando os remédios jurídicos próprios e a atuação efetiva de juízes e tribunais."

O processo coletivo, que atrai a aplicação da lei que regulamenta a ação civil pública (Lei n. 7.347/85) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e tem escopo absolutamente distinto do processo individual, faz isso muito bem, buscando concretizar os direitos fundamentais sociais violados de forma metaindividual, e não caso a caso, representando, desta forma, um aliado na efetividade da Norma Constitucional.

Não trazemos aqui novidade alguma: demissões em massa sem os acertos resilitórios correspondentes, ambientes insalubres e perigosos atingindo número grande de empregados, acidentes, jornadas exaustivas, trabalho escravo, trabalho infantil, além de outros, são hipóteses presentes nas lides trabalhistas e, embora muitas vezes comuns numa determinada região econômica, são solucionadas em ações individuais, geralmente tratadas como obrigações de dar, com a mera conversão em dinheiro, o que é, sabidamente, insuficiente para assegurar a eficácia dos direitos fundamentais sociais garantidos aos trabalhadores brasileiros pelo art. 6º, caput, da Constituição Federal de 19885, quer em razão da demora na prestação jurisdicional, por causa do grande número de processos ou pelo baixo índice de conciliação ou, ainda, pela possibilidade de decisões conflitantes.

Tratando do mesmo tema e ponderando sobre as "razões para a valorização das ações coletivas", a Professora Wania Guimarães Rebêllo de Almeida demonstra como as mesmas têm maior possibilidade de atingir o paradigma constitucional da celeridade processual associado à efetividade dos direitos fundamentais sociais6:

a ação coletiva, que constitui meio de provocação da atividade jurisdicional, contribui para a melhor e mais completa concretização dos direitos. Esse papel das ações coletivas ganha relevância quando de sua propositura para a defesa de direitos fundamentais, isto é, de direitos voltados à promoção e defesa da dignidade humana. Quando vise à defesa desses direitos, a ação coletiva constitui instrumento de tutela da dignidade humana.

A atuação processual será dos entes legitimados para tanto: na esfera trabalhista, além dos sindicatos, conforme art. 8º, III, da Constituição Federal, o Minis-tério Público, por força dos arts. 127 e 129 da CF/88, 82, I do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) e 83, III, da Lei Complementar n. 75/937.

Page 249

Falamos em mudança de paradigma, porque aqui se vai além do direito individual de ação, destacamos uma vez mais.

Há a possibilidade de se garantir, de forma coletiva, a fruição de um direito fundamental social e sem a ameaça da perda do emprego (ameaça esta real, ante a inexistência, até a presente data, de regulamentação para o art. 7º, I da CF/888), na medida em que a atuação sindical ou do Ministério Público se dá nos moldes da substituição processual.

Neste sentido, o Ministro José Roberto Freire Pimenta pondera:

"Em primeiro lugar, as lesões essencialmente metaindividuais (ou seja, verdadeiramente transindividuais, por atingirem direitos difusos ou coletivos em sentido estrito) que, por seu caráter indivisível, não são compatíveis com a atomização dos inúmeros processos individuais (que poderiam gerar decisões judiciais contraditórias) e que, na prática, sequer podem ser objeto de ações estritamente individuais em virtude da indeterminabilidade de seus titulares, poderão ser adequadamente enfrentadas por uma parte ideológica devidamente aparelhada para tanto e tão logo tenham sido cometidas ou estejam prestes a sê-lo (sem necessidade, portanto, de se aguardar o término dos contratos de trabalho dos trabalhadores atingidos) e através de provimentos judiciais que deem tratamento uniforme à controvérsia e que tenham natureza inibitória e mandamental, assegurando a tutela específica dos direitos e interesses em jogo e evitando a perpetuação da prática do ilícito. Por esse caminho, as lesões reiteradas e massivas a direitos fundamentais sociais de grande relevância social, que hoje não podem ser eficazmente combatidas pela tradicional via processual individualista e de cunho meramente ressarcitório, passarão a ser efetivamente coibidas pela pronta e adequada intervenção do Poder Judiciário trabalhista, assim concretizando, no decisivo plano da realidade empírica, o direito de todos os trabalhadores brasileiros a uma ordem jurídica justa."9

Na substituição processual, conforme se encontra regulamentado no art. 6º do Código de Processo Civil (CPC), a pessoa que não se afirma sujeito da relação substancial em litígio, afirma-se titular da relação deduzida em juízo10 ou, noutras palavras, meio através do qual o autor da ação pede, em nome próprio, direito alheio.

A substituição processual é exceção, numa concepção individualista como aquela em que se publicou o Código de Processo Civil, e as hipóteses possíveis são apenas as legais, por força do art. 6º do CPC, já mencionado11.

Não deixou de ser, contudo, uma inovação, na medida em que o substituto, que é parte, sofre os efeitos da sentença, embora seja terceiro na relação de direito material, alterando os limites subjetivos da coisa julgada12.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 8º, III, assegurou a substituição processual aos sindicatos e no art. 129, III, ao Ministério Público, como já mencionamos.

Essa leitura ampliativa dos dispositivos supra permitiu o cancelamento da Súmula n. 310 do TST, evidenciando a evolução e o espaço alcançado pelas ações coletivas, quer em sede de substituição

Page 250

processual sindical, quer quando se trata de ação civil pública, em que ao Ministério Público se garante a legitimidade para discutir diversos temas pertinentes à sociedade brasileira, inclusive políticas públicas13.

Nesse sentido, em relação, especificamente, à substituição processual sindical, a interpretação do Supremo Tribunal Federal foi bastante ampliativa, no julgamento do RE 210.029, publicado em 16.11.2005, tendo como Relator o Ministro Carlos Mário Velloso e Relator final o Ministro Joaquim Barbosa, indo ao encontro da efetividade dos direitos fundamentais sociais, já mencionada:

PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O art. 8º, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam.

Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores.

Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos.

Recurso conhecido e provido.

Da mesma forma, referidas ações permitem manejar instrumentos processuais assecuratórios

Page 251

da efetividade dos direitos fundamentais sociais de forma metaindividual.

Assim, são comuns, por exemplo, quando se defende em juízo, por intermédio do instituto da substituição processual, direitos difusos e coletivos o pedido de tutelas inibitórias, ou seja, aquelas em que se procura fazer cessar o ato ilícito, se ele já ocorreu ou, preventivamente, impedir que ocorra14.

Isso porque há situações em que a mera sentença declaratória é insuficiente (declarar simplesmente que não pode fazer ou que pode fazer), ao mesmo tempo, aqui não estamos tratando de ressarcimento e, sim, de impedir a prática de um ato, o que resulta também na insuficiência da sentença condenatória.

A concessão da tutela inibitória vai além da mera proibição: proíbe a prática do ilícito e utiliza das medidas legais para garantir a eficácia dessa proibição.

As tutelas inibitórias são de utilidade inconteste, na medida em que proporcionam ao lesado - no nosso caso, ao trabalhador - o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT