A Indisponibilidade de Bens e Direitos Prevista no Artigo 185-A do Código Tributário Nacional

AutorAldemario Araujo Castro
CargoProcurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília e da Faculdade Projeção. Mestrando em Direito na Universidade Católica de Brasília
Páginas14-18

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I Introdução

A Lei Complementar nº 118, de 2005, introduziu novo artigo no Código Tributário Nacional, no qual fixa que , na hipótese do devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal, e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e às entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis, e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

A indisponibilidade em questão limita-se ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem o referido limite. Já os órgãos e as entidades aos quais se fizer a comunicação enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido1.

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II A indisponibilidade do art. 185-A do Código Tributário Nacional
II 1. O instituto da indisponibilidade de bens e direitos na ordem jurídica brasileira

A indisponibilidade veiculada pela Lei Complementar nº 118, de 2005, incorporada ao Código Tributário Nacional como o art. 185-A, não é uma novidade na ordem jurídica brasileira. Em inúmeros diplomas legais constatamos a presença do referido instituto.

Realizado um apanhado, não exaustivo, da presença da indisponibilidade de bens e direitos no direito brasileiro, encontramos o instituto nos seguintes diplomas legais:

  1. arts. 36 a 38 da Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras2 ;

  2. art. 4º da Lei nº 8.137, de 6 de janeiro de 1992, que disciplina a medida cautelar fiscal3 .

  3. art. 7º da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que fixa as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício das funções4 ;

  4. art. 10 da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que regula a qualificação de entidades como organizações sociais5 ;

  5. arts. 59 e 60 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que trata do regime de previdência complementar6 ;

Constatamos, ainda, a ausência de regramento processual geral para a figura da indisponibilidade. Assim, não existe "a indisponibilidade de bens e direitos" no direito brasileiro. Existem, à toda evidência, "as indisponibilidades de bens e direitos", conforme o regramento aplicável em cada uma das situações antes alinhadas7 .

Consumado o esforço de buscar os contornos comuns das várias indisponibilidades presentes na ordem jurídica brasileira, podemos afirmar que, em geral, a indisponibilidade de bens e direitos consiste na proibição do proprietário de bem ou direito aliená-lo (transferir para outra pessoa) ou onerá-lo (dar em garantia, como nas hipóteses de hipoteca ou penhor). Subsiste, no entanto, para o proprietário, a utilização ou posse8 do bem ou direito e a percepção dos frutos dele advindos.

Normalmente, a indisponibilidade de bens e direitos funciona como medida cautelar voltada para a eficácia de atos futuros de constrição patrimonial9 .

II 2. A constitucionalidade do art. 185-A do Código Tributário Nacional

A constitucionalidade da presente definição legislativa tem sido impugnada ao argumento de certa abusividade encontrada no instituto. Faz-se, inclusive, um paralelo entre a cautelar fiscal, onde a medida liminar seria "de obrigatória concessão, sempre que requerida pelo fisco"10 , e a imposição ao juiz, por parte do legislador, de providenciar, de ofício, o "decreto de indisponibilidade universal de bens e direitos".

Assim como não vingou a pecha de inconstitucionalidade da medida cautelar fiscal, certamente não logrará êxito a irresignação em relação à indisponibilidade de bens e direitos agora inscrita no Código Tributário Nacional. É que, nos dois casos, teremos decisão a ser proferida por um juiz de direito, não um mero carimbador de toda e qualquer pretensão ou pleito formulado pela Fazenda exeqüente. Com certeza, o magistrado, diante de qualquer pedido da Fazenda exeqüente, verificará a presença dos requisitos legais para o deferimento e a pertinência da medida no caso concreto, aspectos abordados adiante, notadamente tratando-se de medida cautelar que atinge, de forma particularmente drástica, o patrimônio individual ou empresarial.

Também não prospera a resistência fundada em suposta violação ao princípio constitucional do devido processo legal. Com efeito, proíbe o Texto Maior que alguém seja privado de seus bens. Com a indisponibilidade em tela não ocorre a privação dos bens de quem quer que seja. Continuam tais bens com a mesma propriedade anterior, a posse permanece inalterada e possibilidade de auferir os frutos de sua exploração é plena.

A interpretação extremada da garantia constitucional do devido processo legal significa, por via transversa, anular outra garantia constitucional: a tutela das ameaças de lesão a direito (art. 5º, inciso XXXV da CF). Restariam, assim, irremediavelmente afastadas todas as medidas assecuratórias de direitos, ou seja, das cautelares. É evidente que se fosse preciso um prolongado e penoso procedimento anterior à efetivação das cautelares estas perderiam seu sentido. Ocorreria exatamente o vaticínio do art. 798 do CPC ("... o juiz determinará as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação").

A "novidade" também não ofende o princípio constitucional da ampla defesa. Afinal, todos os recursos e meios de defesa podem ser utilizados pelo executado. Poderá, o executado, depois da citação e antes da decretação da indisponibilidade, apresentar ao juiz da execução sua situação econômico-financeira, ponderando acerca das conseqüências da providência sobre a atividade econômica desenvolvida. Poderá, o executado, indicar os bens e direitos não alcançáveis pela indisponibilidade, com vistas a resguardá-los dos efeitos da medida. Poderá, o executado, antes e depois da decisão judicial, demonstrar a ausência de qualquer dos requisitos específicos para a adoção da providência.

III A importância estratégica da indisponibilidade prevista no Código Tributário Nacional

Resta claro que a indisponibilidade de bens e direitos introduzida no Código Tributário Nacional funciona como um importante mecanismo de resguardo dos interesses da Fazenda Pública como credora.

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A importante inovação da indisponibilidade, por ordem judicial, de bens e direitos, notadamente quando atinge o "mercado bancário" e o "mercado de capitais", representa uma crucial e necessária atualização ou modernização das iniciativas voltadas para a recuperação de créditos públicos não pagos. Com efeito, é inegável a preponderância da "forma financeira" de manifestação e circulação da riqueza, vale dizer, dos patrimônios, nos tempos atuais.

Importa destacar que não se advoga uma, como a presente indisponibilidade de bens e direitos, ou algumas soluções puramente normativas para a superação dos principais entraves do processo de recuperação de créditos públicos não pagos.

Sustentamos a necessidade de um conjunto combinado ou articulado, no seio uma política pública devidamente planejada, de medidas de ordem legislativa e administrativa. De início, é preciso adotar medidas de "administração de quantidades". Não tem sentido haver um contínuo aumento do número de varas e procuradores sempre que o número de processos de execução sofre acréscimo significativo decorrente, por exemplo, da utilização mais intensa das declarações e confissões de dívida, responsáveis por mais de 90% dos créditos em cobrança judicial. Paralelamente, os principais instrumentos, sempre administrados pelo Poder Público, de recuperação dos créditos de reduzido valor, representativos da imensa maioria dos feitos em tramitação judicial, devem ser os "mecanismos...

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