A Indisciplina na Escola

AutorJadir Cirqueira de Souza
Páginas217-293

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1 Contexto da indisciplina escolar

O primeiro Capítulo trouxe vários aspectos relevantes sobre a história da educação, sendo que para facilitar o desenvolvimento cronológico e inserir a temática da violência escolar no presente estudo foi adotada – como parâmetro – a base constitucional vigente em cada etapa da formação do Estado brasileiro.

Também mostrou-se que, em virtude da lentidão das ações e medidas desenvolvidas pelos governos, como sucessivos avanços e retrocessos históricos, o Brasil possui um longo e difícil caminho a percorrer na defesa da cidadania, principalmente no sentido de garantir a qualidade da educação para todos, segundo a determinação dos arts. 205 e 227 da CF.

Os múltiplos problemas estruturais e específicos enfocados demons-traram que a educação de qualidade (art. 205 da CF), apesar da óbvia determinação constitucional, como uma das categorias típicas dos direitos fundamentais de conteúdo social, ainda não ganhou foros de legitimidade e prioridade nacional, embora os erros históricos cometidos no itinerário, acredita-se, tenham sido suficientes pelo menos para evitar sua repetição.

De outro lado, não se pode negar os avanços consideráveis que seguramente merecem maior divulgação e deveriam ser conhecidos e multi-plicados em todos os quadrantes da vida estudantil brasileira. Ou seja, os bons exemplos daquilo que ocorre costumeiramente na maioria das escolas deveriam ser mais divulgados, estudados e seguidos.

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Porém, as melhores práticas educativas permanecem parcialmente escondidas e, de outro lado, somente ganha repercussão nacional, a divulgação dos fenômenos negativos, sendo a violência escolar um dos temas da moda, principalmente na imprensa.

Foi visto ainda que a educação evoluiu por etapas, mas, sem planejamento de longo prazo, planos duradouros e cientificamente comprovados. Como visto, sua implementação sempre foi dependente dos paradigmas políticos de cada período histórico da vida nacional, ao invés de ações e medidas governamentais sistemáticas, duradouras, populares e calcadas em estudos científicos.

Ora, como os fundamentos políticos são momentâneos e, natural-mente, frutos do mero ativismo dos dirigentes governamentais, observou-se também que o sistema educacional brasileiro – em todos os níveis – sofreu sérias oscilações e retrocessos, motivados por ideologias políticas equivocadas que teimam em ressuscitar de tempos em tempos.

O paradigma constitucional da educação de qualidade para todos e como prioridade absoluta para crianças e adolescentes constitui objetivo difícil de ser alcançado, como tem acontecido no Brasil, se os retrocessos, obstáculos e/ou ausência de políticas públicas federais, estaduais, distritais e municipais mais consistentes continuarem superiores aos tímidos avanços obtidos no decurso da história da educação.

Constatou-se, ainda, na atualidade, ao lado da quase completa universalização do ensino fundamental, que os índices oficiais de qualidade da educação continuam aviltantes, se comparados com a maioria dos sistemas educacionais europeus e o norte-americano. Aliás, na América Latina, o país não consegue superar o vizinho Chile, por exemplo, que apresenta melhores índices de ensino, segundo as pesquisas nacionais divulgadas pelos principais jornais do país, embora os orçamentos disponibilizados na esfera educacional brasileira – no comparativo – sejam superiores aos dos países mais evoluídos.

A evolução histórica por saltos, com avanços e consideráveis recuos históricos, sem planejamento e políticas públicas de longo prazo, e ainda com pouca validação científica, além dos resultados historicamente pífios e com frágeis avanços qualitativos, pode ser considerada uma das causas e/ ou consequências da violência e da indisciplina escolar.

Se a história do sistema educacional brasileiro aponta para a existência de graves dificuldades e obstáculos estruturais na implementação das políticas públicas, como visto no primeiro Capítulo, a segunda parte do

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presente estudo, centrada na proteção dos novos direitos das crianças e dos adolescentes, procurou demonstrar que, no plano social, médico, psicos-social, familiar etc., a comunidade infantojuvenil, sobretudo nas escolas públicas mais afastadas dos grandes centros urbanos, ainda continua maltratada e recebe inadequada atenção dos Poderes Públicos.

Juntando-se os aspectos negativos da falta de qualidade na educação e a ausência de políticas de proteção integral dos novos direitos infantojuvenis de caráter fundamental, percebe-se que existe difícil itinerário a percorrer, com dois visíveis obstáculos seculares, sendo o primeiro, melhorar a qualidade da educação, e o segundo, garantir a proteção dos novos direitos infantojuvenis com o funcionamento da rede de proteção psicossocial.

Analisou-se ainda que, da mesma forma que a defesa da educação constitui utopia, crianças e adolescentes, sobretudo em situação de risco e/ou vitimizados, nas hipóteses do art. 98 do ECA, sempre foram relegados ao segundo plano na execução das políticas públicas nacionais, sendo, portanto, inadequada e insuficiente a proteção dos direitos da infância e da juventude, como demonstrado alhures.

Destacou-se que a integral proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de risco (vítimas da pedofilia, trabalho infantil, abandono dos pais etc.), delimitados nos precisos termos do art. 98 do ECA, exige intervenção harmônica da sociedade e do Estado, principalmente pela descentralização e municipalização da rede de proteção integral.

O ECA criou instituições e determinou novas atribuições e responsabilidades institucionais ao Ministério Público, novas competências e formas de atuação ao Poder Judiciário, bem como às demais instâncias administrativas.

Além disso, organizou o Conselho Tutelar e determinou que as políticas públicas sejam discutidas nos Conselhos Municipais de Direitos, recuperando-se a força do Direito Administrativo e da democracia participativa na busca de solução dos principais obstáculos à satisfação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, sem a necessidade de buscar a atuação dos Juizados de Menores de outrora.

Enfim, um eficiente sistema de proteção psicossocial dentro da rede integrada de proteção infantojuvenil, desde que organizado adequadamente pelos Municípios brasileiros constitui uma das metas possíveis de serem implementadas na proteção dos direitos das crianças e adolescentes em situação de risco que ingressam ou abandonam o sistema de ensino.

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Vistos os aspectos da história da educação e o funcionamento da rede de proteção psicossocial, antes da análise dos procedimentos e/ou ações administrativas que devem ser adotados pelas escolas, sobretudo pelo corpo docente e respectiva direção dos estabelecimentos, para discutir a indisciplina escolar, em suas múltiplas e complexas nuanças, como uma das faces mais ambíguas do tema maior da violência escolar, torna-se necessário destacar que a temática é multifacetada, apresenta diversificadas contradições, questionamentos científicos variados e difícil enfrentamento doutrinário, pois a formação dos juristas e dos professores é diversa e colidente em vários temas.

Assim, a agregação dos fundamentos jurídicos e educacionais requer especial atenção na análise dos fundamentos constitucionais da educação, seguramente o campo mais claro de contato entre as duas ciências: jurídicas e educacionais. Daí a opção pelo paradigma constitucional como forma de compatibilizar os campos científicos destacados na defesa da educação.

Numa visão inicial genérica, observa-se que apesar de as escolas serem consideradas estruturas da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, pela própria formação acadêmica do corpo docente, normalmente os fundamentos, os princípios e as regras que direcionam a atuação administrativa de seus integrantes ainda são parcialmente desconhecidos e, se conhecidos, menosprezados pela direção das escolas e respectivas secretarias, circunstâncias que têm levado à invalidação ou anulação de decisões escolares por falta de respeito aos paradigmas constitucionais e estatutários em vigor.

Dito de outra forma: as decisões relativas à indisciplina escolar, sempre que são contestadas junto aos juízes e tribunais, recebem anulações e críticas judiciais por desconsiderarem os direitos fundamentais dos even-tuais punidos e, sobretudo, o devido processo legal administrativo.

Claramente observa-se que, na maior parte das vezes, as decisões punitivas são unilaterais e não resistem à análise de sua legitimidade constitucional, advindo daí a importância do presente estudo.

Reintroduzido o tema da indisciplina, prefacialmente, serão apresentadas as possíveis ações, medidas e atividades pedagógicas que podem ser implantadas antes de se lidar com a indisciplina nas escolas, sob o ponto de vista jurídico; após, serão destacadas algumas definições utilizadas para situar a temática; em seguida, serão mostrados os procedimentos administrativos internos; e, finalmente, o formato das punições administrativas, nos casos graves.

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A motivação central do presente Capítulo não é a de estimular o aumento de punições administrativas internas e nem mesmo trazer solução final para a complexa problemática, pois, desde o início, defende-se que as modernas e eficientes técnicas pedagógicas são autossuficientes na adequada aplicação do processo de ensino-aprendizagem nas escolas.

Porém, mesmo com as novas ações e...

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