Indicações Atuais da Termografia Infravermelha em Medicina Legal

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas93-125

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A resposta microcirculatória cutânea, tanto ao estímulo físico quanto emocional, é conhecida há séculos. Shakespeare observou a resposta emocional ao rubor e palidez, vendo a pele como um espelho da alma. Do rubor do encabulado à palidez provocada pelo medo, o fluxo sanguíneo cutâneo pode variar nos extremos de menos de 1 até 200 ml·min-1·100 g-1. O controle dessas modificações vasculares tão lábeis é variado e combina influência neural, humoral e local, segundo Clough & Church (2002).

O calor gerado por milhares de mitocôndrias é conduzido por meio de convecção venosa para o exterior por toda a área cutânea. A pele, como maior órgão do corpo humano, tem cerca de 2 m2e 9 quilos e é a principal responsável pela termorregulação. Este controle é efetuado pelo sistema neurovegetativo simpático, sob ação central do hipotálamo.

O organismo procura manter a estabilidade da temperatura corporal para impedir comprometimento da atividade enzimática celular, e, por consequência, a vida. Em condições de calor excessivo há inibição desse sistema e, no frio intenso, ativação vasomotora, especialmente das extremidades. São mecanismos fisiológicos para prevenir e compensar respectivamente o hiperaquecimento cerebral e a instalação de hipotermia.

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A Termografia é um exame diagnóstico funcional que mensura a energia infravermelha (IR) emitida pelo corpo, permitindo mapear essa distribuição térmica da superfície cutânea e consequentemente estudar a termorregulação através de imagens de alta resolução e sensibilidade.

O aparelho consiste em um radiômetro que capta sem contato essas ondas invisíveis infravermelhas da superfície cutânea. Porém, assim como na Medicina Nuclear, o paciente emite uma radiação natural peculiar de natureza não iônica. À medida que a temperatura da pele aumenta, a energia emitida por unidade de tempo é maior. Pode-se mensurar a temperatura oriunda da energia emitida pela superfície cutânea de forma totalmente segura, sem contraindicações e sem nenhum contato entre o doente e o aparelho.

A energia irradiada de qualquer objeto depende da emissividade de sua superfície, e o corpo humano atinge valores maiores que 97,8% no comprimento de onda infravermelha longa, i.e., entre 7,5 a 13 µm.

Por tratar-se de método que examina ondas eletromagnéticas, utiliza-se o termo hiper-radiação para indicar o aquecimento provocado pelo aumento do fluxo sanguíneo local, devido inibição da atividade neurovegetativa simpática vasomotora e hiporradiação no caso de esfriamento por diminuição do fluxo sanguíneo ou hiperatividade neurovegetativa simpática vasomotora. Analisa-se a distribuição térmica cutânea por meio de mapas até 0,04ºC de sensibilidade, isto é, não discerníveis pelo sentido humano.

Contudo, registrar a temperatura corporal, assim como medir a pressão arterial, por exemplo, deve ser considerado somente quando realizado por profissional habilitado seguindo especificações mínimas no preparo e posicionamento do paciente, conforme apregoado na Declaração de Fortaleza durante o International Consensus and Guidelines on Medical Thermography (Silva, 2010). A termografia médica é método complementar de diagnóstico, evolução terapêutica e prognóstica e de grande utilidade em perícias (Hodge, 1993; Rosenblum & Liebeskind, 2008).

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A termografia avalia não apenas um ponto de temperatura no corpo, como um termômetro convencional, e sim mais de 76.000 pontos térmicos ao mesmo tempo. Salienta-se também sua curva de resposta a estímulos térmicos, como temperatura ambiente, imersão de extremidades em água fria ou sua reperfusão após descompressão arterial. A maior parte das doenças apresenta comportamento termorregulatório anormal, que pode ser acentuado ou provocado por testes fisiológicos com emprego de estímulos térmicos.

1 Indicações gerais

Juiz: Doutor, as queixas de dor no pescoço de seu cliente são realmente verdadeiras?

Defesa: Sim, eu acredito que ele ainda esteja sofrendo dos efeitos do acidente automobilístico.

Juiz: O senhor tem alguma prova objetiva para suportar sua conclusão? Defesa: Sim. Eu tenho nos autos uma série de imagens coloridas 5x7 cm para provar isto (Samuel Hodge, 1993).

O exame termográfico é cada vez mais acessível à Justiça, pois se constitui de diagnóstico de rotina e de elevada sensibilidade e resolução de imagem, conforme acentuam Ring & Ammer (2012). A termografia diagnostica anormalidades térmicas resultantes de traumatismos, permitindo assim que se produzam clichês fotográficos durante o curso da Ação, provando a existência ou não de lesões musculoesqueléticas. Esta diligência pode ser tanto solicitada pela defesa como pela acusação, peritos ou assistentes técnicos das partes.

Segundo revisão de Hildebradt et al (2012), a termografia pode ser empregada no diagnóstico de três grandes grupos (Tabela 4.1):

  1. lesões de tecidos moles;

  2. disfunção vascular;

  3. disfunção vasomotora.

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Tabela 4.1. Indicações gerais da termografia.

É também empregada em cadáveres como meio de avaliar lesões ante e post-mortem, e na retrospectiva técnica das circunstâncias do óbito que serão comentadas neste capítulo.

1. 1 Atividade inflamatória

A temperatura é um dos sinais mais importantes da inflamação e único entre os sinais cardeais (dor, edema, calor, hiperemia e limitação do movimento) que pode ser mensurado objetivamente e com precisão (figura 4.1). O aumento de temperatura de uma articulação é o primeiro sinal de artrite, mesmo quando não perceptível à palpação, seguido da dor e edema articular. A precisão na aferição térmica articular e periarticular possibilitaram seu uso em Medicina, tanto no diagnóstico quanto na evolução das doenças inflamatórias (Brioschi et al, 2007; Gomes et al, 2005).

A termografia de alta resolução identifica com facilidade artrites, tendinopatias, bursistes, sacroiliítes, fasciítes, sinovites, epicondilites, costocondrites, doença de Paget e outras doenças inflamatórias (Gomes et al, 2005; Brioschi et al, 2007, 2010). Permite avaliação inócua de corpo total, complementar especialmente nos casos de artrites soronegativas, tanto no diagnóstico como em relação ao tratamento e prognóstico (Brioschi et al, 2007, 2010).

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Spalding et al (2008) encontraram sensibilidade e especificidade de 67 e 100%, respectivamente, para termografia nos casos de artrite.

Figura 4.1. Imagem infravermelha demonstrando hiper-radiação de joelho e punho direito em paciente com artrite reumatoide soronegativa (termogramas dos autores).

Warashina et al (2002), e mais recentemente Denoble et al (2010), notaram boa correlação entre aumento de temperatura e gravidade dos sinais radiográficos na artrose de joelhos. Romanò et al (2011) realizaram acompanhamento termográfico durante 365 dias e definiram o comportamento térmico normal pós-cirurgia de prótese total de joelho e de quadril até sua consolidação, com sensibilidade e especificidade de 100 e 97%, respectivamente, quanto à dor nos locais onde ocorreram

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essas cirurgias, permitindo um padrão de comparação para aplicação em perícias que envolvam tais procedimentos cirúrgicos.

O uso excessivo de músculos ou esforços repetitivos produzidos por atividade esportiva ou laborativa podem resultar em dor e edema nas inserções tendinosas, ou em locais onde os tendões estão protegidos por bainha tendínea ou adjacente às bursas. As tenossinovites de punho podem ser diagnosticadas com sucesso por medição da temperatura cutânea, como lembra Graber (1980). Estes trabalhos demonstram a importância da termografia em infortunística.

A epicondilite de cotovelo também é diagnosticada pela presença de área aquecida, denominada hot spot, adjacente ao olécrano (Mayr, 1997; Meknas et al, 2008). Na esteira dessa revisão, Hildebrandt et al (2012) documentaram por imagem infravermelha casos de tendinopatia de inserção de ligamento patelar por sobrecarga repetitiva em atletas esquiadores.

1. 2 Síndromes dolorosas miofasciais (SDM)

Os músculos quando em atividade são uma das fontes mais importantes de produção de calor, e contribuem para distribuição térmica na superfície corporal, segundo Tauchmannova et al (1993) e Smith et al (1986). O diagnóstico da síndrome dolorosa miofascial (SDM) depende, sobretudo, da história clínica e do exame físico. No entanto, devido à subjetividade que cada paciente apresenta os seus sintomas e circunstâncias psicossociais, nem sempre se identifica a síndrome e especialmente todos os seus característicos pontos gatilhos (PG, trigger points) no exame clínico. O examinador deve ser bem treinado e experiente na avaliação desses pacientes, pois a confiabilidade interexaminadores varia de 35 a 74%, tornando imprescindível a associação de métodos que aumentem a percepção clínica. Com 82% de sensibilidade e 74% de especificidade, a termografia auxilia na documentação objetiva por imagem da SDM e seus PG miofasciais, além de sua evolução terapêutica. Os PG sintomáticos aparecem como áreas de projeção hiper-

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-radiantes bem delimitadas, denominadas hot spots, podendo estar ou não associados com hiporradiação na zona de dor somática referida (figura 4.2). Os hot spots podem regredir tanto com o tratamento medicamentoso quanto com o bloqueio anestésico, mesoterapia ou acupuntura (Brioschi et al, 2007a; Wang et al, 1998).

A termografia é importante nos casos em que o paciente se queixa de dor crônica referida nas extremidades, e pode ser...

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