A inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente: análise do objeto da adi 5.826/df (parte 1)

AutorProfa. Dra. Ana Cláudia Nascimento Gomes e Ms Helder Santos Amorim
Páginas76-112
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A INCONSTITUCIONALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
INTERMITENTE:
ANÁLISE DO OBJETO DA ADI 5.826/DF
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(PARTE 1)
THE UNCONSTITUCIONALITY OF THE INTERMITTENT
EMPLOYMENT CONTRACT:
ANALYSIS OF THE ADI 5836/DF OBJECT’S
(1STPART)
Ana Cláudia Nascimento Gomes
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Helder Santos Amorim
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RESUMO: O artigo aborda a controvérsia jurídico-constitucional e trabalhista que é objeto da ADI
5826/DF, em trâmite no STF, qual seja, o regime jurídico do contrato intermitente, introduzido na
Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Pela análise
doutrinária, inclusive em sede de Direito Comparado, e jurisprudencial empreendida, concluiu-se pela
inconstitucionalidade material desse regime.
Artigo recebido em: 08/12/2020
Artigo aprovado em: 22/12/2020
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O presente artigo tem origem em pesquisa realizada pelos autores quando integravam a Assessoria
Trabalhista da Procuradoria-Geral da República, em texto inicialmente proposto para integrar minuta de
parecer na ADI 5.826/DF, em julho de 2018. O texto original não foi utilizado na atividade institucional,
tendo em vista posição diversa adotada pela PGR quanto ao mérito da ação, no caso concreto, em pleno
exercício de sua independência funcional no cargo máximo do Ministério Público da União. Assim,
externada a posição meritória da PGR perante o STF, na referida ADI, em 27/06/2018, o presente
trabalho prestou-se a subsidiar, em termos parciais, a manifestação processual conjunta, na qualidade
de amici curiae, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho ANAMATRA e da
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho ANPT, em setembro de 2020. Ainda, consideradas
as pesquisas doutrinárias empreendidas pelos Autores para a feitura da posição sustentada no presente
trabalho, foram posteriormente publicados artigos sobre o tema, quais sejam: GOMES, Ana Cláudia
Nascimento, “Contrato de trabalho intermitente: possibilidades interpretativas em desfavor do seu uso
na modalidade ‘vale tudo’”, In Contratos Flexíveis na Reforma trabalhista: trabalho em tempo parcial,
teletrabalho, trabalho intermitente, trabalhador hipersuficiente e terceirização. Coord. PIRES, Rosemary
de Oliveira (e Outros), 1 ed. Belo Horizonte: RTM, 2019, v.1, p. 228-244. ISBN: 9788594711007; e
GOMES, Ana Cláudia Nascimento Gomes “Contrato de Trabalho intermitente no Direito Comparado e na
Lei 13.467/2017: no ‘vale-tudo’ e no ‘tudo-pode’ do Brasil”; In: A Reforma Trabalhista na visão dos
Magistrados do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Advogados Trabalhistas. Coord. PIRES, Rosemary
de Oliveira (e Outros), 1 ed. Belo Horizonte: RTM, 2018, p. 271-278, ISBN: 9788594710796.
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Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do UDF, Brasília-DF (2020). Doutora em
Direito Público (2015) e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas (2001), títulos concedidos pela
Universidade de Coimbra (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra). Pós-Graduada em Direito
do Consumidor e Direito do Trabalho. Procuradora do Trabalho em Minas Gerais (Ministério Público do
Trabalho/PRT 3ª Região), aprovada em 1º Lugar Geral (em Provas e em Provas e Títulos, 2005).
Professora Concursada da Faculdade de Direito da PUCMINAS/Belo Horizonte (2002).
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Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito Constitucional pela
PUC-Rio. Membro Pesquisador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq).
Procurador Regional do Trabalho em Minas Gerais.
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PALAVRAS-CHAVE: Contrato intermitente; ADI 5826/DF; Reforma trabalhista de 2017.
SUMÁRIO: 1. Introdução. Breve Relato da ADI 5.826/DF. 2. Análise do mérito da ADI 5.826/DF: da
inconstitucionalidade do regime jurídico contratual do trabalho intermitente instituído pela Lei n.
13.467/2017. 2.1 Do contrato de trabalho intermitente. Caracterização legal. Figuras similares no direito
comparado. Contratos atípicos na legislação interna. 2.2 Do direito fundamental ao salário mínimo
periódico. Garantia do mínimo existencial. 2.3 Dos direitos fundamentais previdenciários. Aposentadoria
e Seguro contra Desemprego Involuntário. 2.4 Das restrições desproporcionais à tutela jusfundamental do
emprego. Do abuso legislativo. 2.5 Da violação aos princípios da proteção da confiança e da igualdade
Perante a Lei. 3. Conclusão. 4. Referências.
ABSTRACT: The text approach the constitutional and labor problem which is object of the ADI
5826/DF; Brazil’s Supreme Court law suit: the legal treatment regimen of intermittent employment
contract. This labor contract was created in 2017, by Labor Reform Law. It was concluded by doctrinal
and jurisprudence analysis, including in Comparative Law, about the material unconstitutionality of this
legal treatment regimen of intermittent contract.
KEYWORDS: Intermittent employment contract; ADI 5826/DF (STF’s Case); Labor reform, 2017.
SUMMARY: 1. Introduction. Brief Report of ADI 5.826 / DF. 2. Analysis of the merit of ADI 5.826 /
DF: the unconstitutionality of the contractual legal regime for intermittent work established by Law no.
13,467 / 2017. 2.1 The intermittent employment contract. Legal characterization. Similar figures in the
comparative law. Atypical contracts in domestic legislation. 2.2 From the fundamental right to the
periodic minimum wage. Guarantee of the existential minimum. 2.3 Fundamental social security rights.
Retirement and Involuntary Unemployment Insurance. 2.4 From disproportionate restrictions to the
fundamental protection of employment. Legislative abuse. 2.5 On the violation of the principles of
protection of trust and equality Before the law. 3. Conclusion. 4. References.
1 INTRODUÇÃO. BREVE RELATO DA ADI 5.826/DF
A Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e
Derivados do Petróleo FENEPOSPETRO ajuizou ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) com pedido liminar, por meio da qual objetiva a declaração de inconstitucionalidade
parcial da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, e da Medida Provisória nº 808, de 14 de
novembro de 2017, nos pontos em que conferem nova redação ao art. 443, caput e § 3º, e
inserem as novas disposições dos arts. 452-A, 452-B, 452-C, 452-D, 452-E, 452-F, 452-G,
452-H, 911-A caput e parágrafos, do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943
(Consolidação das Leis do Trabalho CLT), que disciplinam o contrato de trabalho
intermite.
As impugnações se fundam em alegada ofensa ao disposto nos arts. caput e
incisos III e IV, 5º caput e incisos III e XXIII, 6º caput, 7º caput e incisos IV, V, VII, VIII,
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XIII, XVI e XVII, 102 caput e inciso I-A, 103 caput e inciso IX da Constituição da
República de 1988 (CR/88)
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.
Dispõem os enunciados impugnados, com redação conferida pela Lei
13.467/2017 e com as alterações inseridas pela MP 808/2017, acerca do contrato de
trabalho intermitente:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou
expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou
indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. […]
§3º Considera-se como intermitente o Contrato de Trabalho no qual a prestação
de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de
períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias
ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do
empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e
registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou
convenção coletiva, e conterá: (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de
2017)
I - identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes: (Incluído pela
Medida Provisória nº 808, de 2017)
II - valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário
ou diário do salário nimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno
superior à do diurno e observado o disposto no § 12; e (Incluído pela Medida
Provisória nº 808, de 2017)
III - o local e o prazo para o pagamento da remuneração. (Incluído pela Medida
Provisória nº 808, de 2017)
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Art. 1º, caput e incisos III e IV: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
Art. 5º, caput e incisos III e XXIII: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.
Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”.
Art. 7º, caput e incisos IV, V, VII, VIII, XIII, XVI e XVII: “São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei,
nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer
fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VII - garantia de salário,
nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com
base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;XIII - duração do trabalho normal não
superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XVI - remuneração do serviço
extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; e XVII - gozo de férias anuais
remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”.
Art. 102, caput e inciso I-A: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
Art. 103, caput e inciso IX: “Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”.

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