A inconstitucionalidade da penhora do bem de família por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação

AutorJúlia Vingren Ferreira Oliveira, Keylla Thalita Araújo, Maria Eduarda Fiorilo Rocha Baquim
Páginas454-481
454 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
A INCONSTITUCIONALIDADE DA
PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA
POR OBRIG AÇÃO DECORRENTE
DE FIANÇA CONCEDIDA EM
CONTRATO DE LOCAÇÃO
Júlia Vingren Ferreira Oliveira1
Keylla Tha lita Araújo2
Maria Eduarda Fior ilo Rocha Baquim3
Resumo: A Lei 8.009/90, que regulamenta o chamado “bem de família
legal”, estabelece a impenhorabilidade do imóvel do devedor que serve
de residência à sua entidade familiar. Essa regra geral comporta poucas
exceções, reguladas no art. 3º do referido diploma legal. Neste artigo,
discorreremos sobre a inconstitucionalidade do inciso VII, do art. 3º, da
Lei 8.009/90, à luz do direito fundamental à moradia, incluído no art. 6º
da Constituição Federal pela EC 26/00. Os tribunais superiores enten-
dem não haver incompatibilidade entre o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90
e o art. 6º da CF/88. Contudo, em recente distinguishing, o STF apli-
cou interpretação restritiva ao dispositivo mencionado, inadmitindo a
penhora do bem de família do ador em caso de contrato de locação
comercial. Discordamos do posicionamento majoritário dos tribunais
superiores, entendendo que o inciso VII, do art. 3º, da Lei 8.009/90 não
foi recepcionado pela EC 26/00 e vemos o recente distinguishing como
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Avan-
çado de Governador Valadares. Estagiária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Avan-
çado de Governador Valadares. Estagiária da Defensoria Pública da União de Gover-
nador Valadares.
3
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Avan-
çado de Governador Valadares. Estagiária da Defensoria Pública do Estado de Minas
Gerais.
A inconstitucionalidade da penhora... • 455
uma decisão acertada do STF, contudo, ainda insuciente.
Palavras-chave: Bem de Família. Fiança locatícia. Direito à Moradia.
INTRODUÇÃO
O bem de família é tutelado pelo ordenamento jurídico brasi-
leiro e pode ser instituído de duas formas. Primeiramente, existe o bem
de família convencional, regulado pelo Código Civil de 2002, também
conhecido como bem de família voluntário, uma vez que é instituído
pela própria entidade familiar, mediante a escritura no Registro Geral
de Imóveis. Além disso, há a gura do bem de família legal, que é disci-
plinado pela Lei 8.009/90 e é objeto do presente artigo. Nesse sentido,
o art. 1º da referida lei conceitua o bem de família legal, determinando
que o imóvel residencial próprio da entidade familiar será impenhorá-
vel, ou seja, o bem de família não pode responder por qualquer tipo de
dívida. Contudo, a lei determina exceções a essa impenhorabilidade, em
Verica-se, desse modo, que o texto legal faz menção à proteção
da entidade familiar. Segundo Tartuce4, a lei que disciplina o bem de fa-
mília legal é uma importante norma de ordem pública, porquanto pro-
tege tanto a família quanto a pessoa humana. Quanto a isso, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) tem o entendimento, como se verá adiante, de
que a impenhorabilidade do bem de família se estende, também, ao de-
vedor que reside sozinho, seja ele solteiro, viúvo ou divorciado. Tal fato
nos permite armar que o foco e objeto de proteção do instituto do bem
de família não é a entidade familiar propriamente dita, mas sim a pró-
pria pessoa humana e seu direito fundamental à moradia, em conformi-
dade aos direitos e garantias fundamentais garantidos pela Constituição
Num primeiro momento, necessário se faz pontuar sobre o
contexto de surgimento do instituto. Nesse sentido, de acordo com
Gonçalves6, o instituo teve origem no início do século XIX, no Estado
do Texas, como consequência da crise econômica enfrentada pelos Esta-
4
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v; 5: Direito de Família, 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. p. 617
5
Ibidem. p. 611.
6
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro v. 6: Direito de Família, 16
ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 588-589

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