A inconstitucionalidade da atribuição de benefícios previdenciários aos amantes

AutorRegina Beatriz Tavares da Silva
Páginas337-373
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A INCONSTITUCIONALIDADE DA ATRIBUIÇÃO
DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS AOS
AMANTES
Regina Beatriz Tavares da Silva1
Resumo: No presente artigo, é analisada a inconstitucionalidade dos argumen-
tos constantes dos Recursos Extraordinários n.º 1045273/SE e n.º 883.168/SC
em prol de direitos previdenciários nas relações de mancebia ou adulterinas.
Com base na Constituição Federal, na legislação infraconstitucional e na ju-
risprudência, demonstra-se que o concubinato ou relação adulterina não gera
efeitos de Direito de Família, de Direito das Sucessões e de Direito Previden-
ciário, uma vez que essa relação se constitui de maneira ilícita, em desrespeito
ao princípio da monogamia. Desse modo, assenta-se a inconstitucionalidade da
atribuição de benefícios previdenciários aos amantes.
Palavras-chave: Direitos previdenciários – Adultério – Concubinato – Relações
paralelas – Relações simultâneas – Casamento – União estável – Monogamia
– Poligamia.
Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Diálogo entre o Direito Previdenciário
e o Direito de Família. Unidade sistemática do ordenamento jurídico. – 3. Afe-
tividade não é a única base das relações familiares. – 4. União estável: relação
1.
Pós-Doutora em Direito da Bioética pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa – FDUL. Doutora em Direito e Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direi-
to da Universidade de São Paulo – USP. Graduada em Direito pela Universidade Pres-
biteriana Mackenzie. Presidente Nacional e Fundadora da Associação de Direito de
Família e das Sucessões – ADFAS (www.adfas.org.br). Diretora de Relações Institucio-
nais da União dos Juristas Católicos de São Paulo – UJUCASP (2018-2021). Advogada.
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UJUCASP
monogâmica no ordenamento constitucional e familiar – 5. Distinção entre
concubinato e união estável no Regime Geral e Especial da Previdência Social
– 6. Posicionamento da Corte Superior em matéria familiar e sucessória – 7.
Monogamia em matéria previdenciária na jurisprudência do Supremo Tribu-
nal Federal e do Superior Tribunal de Justiça – 8. Considerações finais – Refe-
rências bibliográficas.
1. Considerações iniciais
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de
repercussão geral nas questões previdenciárias do Regime
Geral nos Recursos Extraordinários n. 1.045.273 e n. 883.168,
que aguardam julgamento na data da finalização deste artigo,
estando, respectivamente, sob a Relatoria do Ministro Ale-
xandre de Moraes2 e do Ministro Luiz Fux.3
Independentemente do resultado do julgamento dos refe-
ridos recursos, o posicionamento desta articulista continuará
sempre o mesmo, tendo em vista a inconstitucionalidade na
atribuição de qualquer direito de cunho familiar, sucessório e
previdenciário aos amantes.
O primeiro Recurso tem o tema de repercussão geral n.
529: Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável
e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente
2.
“CONSTITUCIONAL. CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFE-
TIVA. UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO
GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS DISCUTIDAS. Possuem repercussão
geral as questões constitucionais alusivas à possibilidade de reconhecimento jurídico de
união estável homoafetiva e à possibilidade de reconhecimento jurídico de uniões está-
veis concomitantes. (STF, Pleno, ARE 656.298-SE, Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.03.2012).”
3. “Observo que o presente recurso trata da mesma matéria objeto do Tema 526 da
Repercussão Geral (Possibilidade de o concubinato de longa duração gerar efeitos
previdenciários), em cujo paradigma, o RE 669.465/ES, de minha relatoria, consta-
tou-se a presença de Pedido de Uniformização de Jurisprudência ainda pendente
de julgamento. Isso posto, determino que se proceda à substituição do RE 669.465/
ES pelo presente recurso e à atualização dos sistemas informatizados da Corte,
para fazer constar o RE 883.168/SC como paradigma do Tema 526 da Repercussão
Geral. Considerando a identidade da questão de fundo entre os processos, desne-
cessário o envio dos autos ao Procurador-Geral da República para novo parecer. À
Secretaria para a juntada de cópia da manifestação exarada nos autos do RE
669.465/ES. Publique-se.” (STF, RE 883.168-SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 11.05.2015).
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UJUCASP
rateio de pensão por morte. O segundo Recurso tem o tema
de repercussão geral n. 526: Possibilidade de concubinato de
longa duração gerar efeitos previdenciários.
No primeiro Recurso, a pensão previdenciária é do regi-
me geral do INSS e no segundo, a pensão previdenciária é de
ex-combatente da Marinha. No primeiro recurso, é debatida a
atribuição de pensão por morte em relação adulterina homos-
sexual e no segundo, em relação heterossexual. No primeiro
Recurso, a relação de mancebia concorre com uma união es-
tável. No segundo, a relação é extraconjugal, ou seja, concor-
rente com um casamento.
Portanto, em ambos os Recursos, a matéria versa sobre a
atribuição de benefícios previdenciários a amantes.
Muito embora seja pensamento geral em nossa sociedade
que amantes não fazem parte da família do amásio, é importan-
te observar que não há como confundir a relação de adultério,
independentemente do tempo de sua duração, com a união es-
tável, assim como não se pode confundi-la com o casamento.
A união estável é uma entidade familiar, que pode ser
convertida em casamento, na conformidade do art. 226, § 3º,
da Constituição Federal. Portanto, nenhuma diferença pode
existir entre união estável e casamento no que se refere às
chamadas uniões paralelas ou simultâneas, que é a denomi-
nação light usada por quem quer obnubilar a razão.
A união estável é o relacionamento em que duas pessoas
constituem uma família (CC, art. 1.723) e a infidelidade viola o
dever de lealdade ou fidelidade, sendo relação ilícita (CC, art.
1.724), assim como o é no casamento (CC, art. 1.566, I).
É seguindo a diretriz de proteção aos membros de uma
entidade familiar, com o necessário acompanhamento da evo-
lução das relações familiares, que a Associação de Direito de
Família e das Sucessões – ADFAS – atua em ambos os Recur-
sos como amicus curiae, defendendo que as relações “parale-
las” não podem gerar efeitos de Direito Previdenciário por-
que não geram efeitos de Direito de Família.

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