Inconstitucionalidade de benefícios e incentivos

AutorBarbara das Neves - Elisa Tomio Stein
CargoMestranda em direito do estado da UFPR - Mestre em direito do estado da UFPR
Páginas30-46
30 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 661 I DEZ19/JAN20
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Barbara das Neves MESTRANDA EM DIREITO DO ESTADO DA UFPR
Elisa Tomio Stein MESTRE EM DIREITO DO ESTADO DA UFPR 
A INCONSTITUCIONALIDADE
DE BENEFÍCIOS E INCENTIVOS
A análise dos requisitos de isenções f‌iscais relacionadas ao ICMS
gera debates acerca da legalidade das concessões na chamada
‘guerra f‌iscal’ entre estados
imbuída na função
de inaugurar a or-
dem jurídica, é quem
distribui e organiza
as competências tributárias
entre os entes federados1. Em
seu artigo 155, inciso , a carta
magna atribuiu aos estados e
ao Distrito Federal a compe-
tência para instituir e cobrar
o imposto sobre operações re-
lativas à circulação de merca-
dorias e sobre prestações de
serviços de transporte inte-
restadual e intermunicipal e
de comunicação, mais conhe-
cido como .
O  é, de longe, o tributo
mais regulado constitucional-
mente, recebendo, ao todo, 45
disposições constitucionais,
que detalham os critérios re-
lacionados à sua regra matriz
de incidência e às limitações
para sua instituição. Ademais,
a competência para a regu-
lação das demais matérias
relativas ao imposto foi re-
servada exclusivamente à lei
complementar. Esse aparente
excesso de zelo do legislador
constituinte em relação ao
 visa assegurar a higidez
do pacto federativo; af‌inal, em
que pese o  ser um tribu-
to de competência estadual, a
sua incidência não se adstrin-
ge às operações internas, mas
alcança também as operações
interestaduais, o que lhe con-
fere uma vocação eminente-
mente nacional.
Em razão do alcance dos
ref‌lexos do , nenhum
estado-membro pode con-
ceder benecios f‌iscais de
 unilateralmente, entre
os quais estão: concessão de
isenções, redução da base de
cálculo, devolução do tributo
ao contribuinte, concessão de
créditos presumidos, diferi-
mento total ou parcial do pa-
gamento do imposto, além de
prorrogações e extensões das
isenções vigentes. O artigo 1º
da Lei Complementar 24/75
exige que a concessão desses
benecios seja precedida de
convênio f‌irmado com os de-
mais estados-membros e com
o Distrito Federal.
Infelizmente, contudo, as
amarras legais e constitucio-
nais não têm sido suf‌icientes
para assegurar a observância
do princípio federativo. Em
uma busca desenfreada por
investimentos privados, os
estados-membros vêm, siste-
maticamente, violando essa
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regra com a concessão de
benecios de  de forma
unilateral e arbitrária, sem a
realização dos devidos convê-
nios. E, como nenhum estado
quer se tornar um terreno de
investimentos menos atra-
tivo que o outro, cada bene-
cio concedido de forma ar-
bitrária gera uma reação em
cadeia, num ciclo vicioso de
competição entre os estados
chamado de guerra f‌iscal.
A partir da concessão des-
ses benecios f‌iscais, relações
tributárias são criadas, in-
vestimentos são planejados
e complexos industriais são
instalados. Ocorre que, se o
procedimento para a conces-
são do benecio não houver
observado o necessário con-
vênio, haverá grande chance
de que os contribuintes que
se benef‌iciaram da medida
venham a ser surpreendidos
com a ulterior declaração
de inconstitucionalidade da
norma que concedeu o bene-
cio, e, consequentemente,
com a cobrança retroativa
dos tributos inicialmente
exonerados.
A mácula ao princípio da
segurança jurídica, como se
pode imaginar, é indelével.
Diante do contexto, cabem
os seguintes questionamen-
tos: pode o contribuinte ser
responsabilizado pela ilega-
lidade cometida pelo estado-
-membro? E mais, teriam os
contribuintes argumentos
suf‌icientes para evitar co-
branças retroativas ou futu-
ras dos benecios e incenti-
vos já usufruídos?
É nesse sentido que se in-
sere o presente estudo, por
meio do qual se pretende
investigar os princípios que
norteiam a relação jurídica
tributária, no que se refere à
prática de competição entre
os entes federativos, para, na
sequência, analisar os ref‌le-
xos dos tratamentos tributá-
rios concedidos à revelia das
disposições constitucionais e
da legislação complementar.
1. COMPETÊNCIA
TRIBUTÁRIA E O PAPEL DA
LEI COMPLEMENTAR EM
MATÉRIA DO ICMS
A competência tributária
nada mais é que a habilitação
conferida pela Constituição
Federal às pessoas jurídicas
de direito público interno
(União, estados, Distrito Fe-
deral e municípios) para ins-
tituição de tributos por meio
do exercício legislativo.
A distribuição das compe-
tências tributárias faz parte
do núcleo rígido da nossa
constituição, que não pode
ser objeto de emenda consti-
tucional, justamente porque
guarda íntima relação com o
princípio federativo e a auto-
nomia dos municípios.
O instituto da competência
tributária corresponde à apti-
dão conferida às pessoas polí-
ticas para inovar em matéria
tributária, ou seja, para intro-
duzir regras no ordenamento
jurídico para a criação de tri-
butos, que, por meio de uma
atividade científ‌ica, serão
identif‌icadas como normas
gerais e abstratas, descre-
vendo hipóteses tributárias e
prescrevendo consequências.
Nesse sentido, ao menos
em tese o detentor da capaci-
dade tributária para institui-
ção de determinado tributo
também possui o direito de
aumentá-lo ou diminuí-lo,
por meio de exonerações, e
determinar como os deveres
instrumentais2 (obrigações
acessórias) serão cumpri-
dos em conformidade com
as conveniências regionais e
políticas (C, 2014, p.
288-289).
Quanto às características
da competência tributária,
Roque Antonio Carrazza
identif‌icou seis delas: (i) pri-
vatividade; (ii) indelegabilida-
de; (iii) incaducabilidade; (iv)
inalterabilidade; (v) irrenun-
ciabilidade; e (vi) facultativi-
dade (C, 2017, p. 593).
Entretanto, a despeito da
referida classif‌icação, há au-
tores que questionam as seis
características. Para José Ro-
berto Vieira, por exemplo, a
inalterabilidade só seria apli-
cável do ponto de vista da
pessoa política destinatária,
e não no exercício da compe-
tência constitucional. Além
A competência tributária nada mais é que a habilitação conferida pela
Constituição Federal às pessoas jurídicas de direito público interno
para instituição de tributos por meio do exercício legislativo
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