Incônscio reformismo estatal e a destruição da ordem social

AutorDiego Monteiro Cherulli
Páginas160-168

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1. Introdução

O Estado brasileiro, tal como outros países da América Latina, está sendo submetido a intensas reformas, sob o pretexto do necessário crescimento econômico imbuído nos interesses de grandes investidores internacionais, os quais, segundo a doutrina econômica que assume as dire-trizes mundiais, serão viabilizadores do progresso e garantidores do bem-estar.

Inobstante, esta mesma doutrina estabelece que grandes investidores não são afetos às políticas laborais brasileiras, porquanto antiquadas e onerosas, estabelecendo pseudoverdades e um falso apoio popular a medidas reformadoras inconscientes, que nada mais são que venenos ao Direito e à organização estatal mantenedora da Ordem Social. De fato, a sociedade-suicida de pouco a pouco corrói seu corpo protetivo, acreditando num futuro melhor após a lavagem midiática promovida nas mentes sem estudo e conhecimento daqueles possuidores do ultrapassado poder de formação de opinião.

Desde a criação da CLT o Brasil esteve entre as dez maiores economias do mundo, situação possibilitada pelo investimento nacional e estrangeiro atraído pela grande quantidade de mão de obra, a vastidão de riquezas mine-rais, dentre outros. A legislação trabalhista e a Seguridade Social brasileira nunca foram empecilho ao investimento ou ao abandono dos negócios aqui firmados, fato este comprovado pelo crescimento exponencial da lucratividade no país, muitas vezes fomentado pelos benefícios fiscais e até mesmo isenções, cabendo lembrar ainda que, embora existentes, tais regras não são cumpridas, tornando a Justiça Trabalhista o meio de solução de conflitos laborais.

Utilizando o mesmo poder de convencimento “coachiniano”2, o grande jornalismo conhecedor da verdade e previsor do futuro, auxiliou a aprovação de parte da “reforma trabalhista”, até então promovida pela Lei n. 13.429/2017, que com sutis alterações legislativas que atendem às vontades “dos grandes” trouxe ao arcabouço jurídico brasileiro a extensão do trabalho terceirizado e a possibilidade do trabalho intermitente, vendido à sociedade “formadora de opinião” como a salvação do empreendedorismo e a possibilidade de, num futuro próximo, vivermos tal como a nação norte-americana.

Aprovada a “toque de caixa” com suposto apoio popular, desanuviou suas primárias inconsequências demons-trando sua total desconexão atuarial ao modelo protetivo Previdenciário, garantido pela Seguridade Social como forma de manutenção da Ordem Social, ao passo que possibilita que os salários de contribuição do trabalho intermitente sejam inferiores ao salário mínimo nacional, regional ou da categoria laboral. No cambaleante passo, esse esquizofrênico grupo defende a reforma da previdência, sob a defesa mestra do desequilíbrio financeiro e atuarial3, contradizendo verdades latentes.

Neste contexto, este trabalho analisará os efeitos e consequências da até então aprovada “reforma trabalhista” promovida por meio da Lei n. 13.429/2017 na Ordem Social, no tocante à diminuição da arrecadação tributária ao sistema de Seguridade Social, cuja principal vítima será a amplitude da proteção previdenciária do Regime Geral de Previdência, apontando ainda seus reflexos no valor do salário de benefício das aposentadorias, benefícios e pensões.

2. Retrocesso social suicida: riscos da terceirização e do trabalho intermitente à arrecadação das contribuições sociais à seguridade social

Concomitante e sob os mesmos argumentos da reforma trabalhista, tramita a da Previdência, cujo argumento-chave é o desequilíbrio atuarial, popularmente apelidado de déficit ou desencontro de contas. Segundo esta teoria já refutada nacionalmente, o sistema previdenciário brasileiro é altamente deficitário, porquanto além do regime geral, comporta os regimes próprios e os militares inativos e pensionistas concorrendo das mesmas receitas da Seguridade Social, as quais seriam insuficientes e acarretariam, em cascata, a subtração de recursos públicos de outras áreas como a saúde, a educação, a segurança etc.

Este argumento mitológico já fora juridicamente amplamente refutado após ser objeto de análise por uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal, a qual apurou, por conclusão majoritária de seus membros após a oitiva de mais de 140 especialistas nacionais e estrangeiros, que o sistema de Seguridade Social não é deficitário, bem como é ilegal e inconstitucional considerar a concorrência das despesas dos Regimes Próprios

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de Previdência e os militares inativos e pensionistas no Sistema de Seguridade Social.

Esta conclusão já é bastante para iniciar o desenvolvimento deste título, posto que delineado que o sistema previdenciário do regime geral, organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, é o único que concorre nas despesas da Seguridade Social, em conjunto com a saúde e a assistência social. Assim, delimita-se que os atores deste cenário são os mesmos afetados diretamente pela reforma trabalhista, quais sejam, os chamados trabalhadores da chamada “iniciativa privada”.

A doutrina jurídica, ao discorrer sobre a vedação do retrocesso, ensina que:

O princípio da vedação do retrocesso atua como importante fator assecuratório da continuidade do ordenamento jurídico, em ampla conexão com a segurança jurídica que garante a permanência da própria ordem jurídica constitucional, com limitação de medidas estatais retroativas que visem suprimir ou reduzir, desproporcionalmente, as normas garantidoras de direitos sociais4.

Em oposição à vedação do retrocesso, a reforma trabalhista, com toda a sua sutileza, põe em risco o Sistema de Seguridade Social ao possibilitar, com viés no aumento do emprego por meio da terceirização e do trabalho intermitente, que a remuneração média dos trabalhadores seja reduzida e, até mesmo, abaixo do salário mínimo, provocando verdadeiro desencontro de contas, ao passo que sequer se poderá exigir do empregado terceirizado ou intermitente a contribuição com base no valor de um salário mínimo, visto que sua remuneração pelo trabalho poderá ser arbitrada por hora.

Nesse raciocínio, se o empregado regido pela Lei n.
6.019/1974, alterada pela Lei n. 13.429/2017, não aferir no mês renda igual ou superior a um salário mínimo, terá seu salário de contribuição proporcional à remuneração por hora. Em consequência, a contribuição patronal também será proporcional, o que reduzirá drasticamente a arrecadação das contribuições sociais financiadoras do sistema, mesmo que seja maior o número de contribuintes.

Por um raciocínio lógico, o aumento da quantidade de segurados contribuindo menos acarretará certeiro desequilíbrio atuarial, à razão de que tal fenômeno, na mesma proporção, aumentará a amplitude do risco a ser protegido.

Não é mistério que o Sistema de Seguridade Social apresentou um déficit na competência do ano de 2016 na ordem de 56.998 bilhões de reais, associados ao desemprego elevado, às políticas de desonerações, isenções, renúncias e à Desvinculação das Receitas da União – DRU, consequências diretamente ligadas à crise econômica que o país atravessa.

A Associação Nacional dos Auditores Ficais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, em seu recém-divulgado livro “Análise da Seguridade Social em 2016”, atestou o déficit do sistema associando-o ao desemprego e à estagnação econômica, bem como à redução da remuneração média dos trabalhadores assalariados, elaborando a tabela que segue abaixo.

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Essa redução da remuneração média, em conjunto com o desemprego e a estagnação econômica, acarretaram a queda real de 12,4% das receitas primárias do governo federal, conforme demonstra o gráfico abaixo:

Mais grave ainda se afigura a relação da terceirização com o Estado após a inócua decisão no RE 760.931 pelo Supremo Tribunal Federal, que fixou a tese da irresponsabilidade da Administração Pública em relação às obrigações trabalhistas de seus funcionários terceirizados.

A referida decisão apenas transfere indiretamente à Seguridade Social o ônus da dívida da empresa de prestação de serviços a terceiros, colaborando para o aumento do descompasso financeiro e atuarial que, no futuro, deverá ser coberto pela União com recursos de seus outros 2 orçamentos. O que vai, volta, diz o apotegma popular.

Em números, a diferença de arrecadação da Seguridade Social entre 2014 e 2016 foi na ordem de – R$ 88.523 bilhões negativos, evidenciando que as políticas atuais acarretam consequências nefastas ao sistema garantidor do bem-estar social.

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No afã imediatista de atender às demandas econômicas e promover o crescimento do país, o Estado, irresponsavelmente, reforma suas bases estruturais sem correlação com suas outras áreas, suicidando os direitos sociais para atender às vontades momentâneas do mercado. Resolvendo problemas a curto prazo, cria pesadelos para o futuro.

Um simples exemplo demonstra o risco que se estabelece ao permitir contribuições abaixo do valor mínimo no sistema atual em que o benefício previdenciário ainda não pode ser inferior ao salário mínimo. Tornar-se-á a Previdência num assistencialismo social, pois aquela não será mais suficiente à proteção do...

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