A incipiente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da contagem do prazo decadencial do mandado de segurança preventiva - Análise crítica

AutorAlexandre Macedo Tavares
CargoConsultor Tributário e Advogado em Itajaí/SC, Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário pela PUC/PR
Páginas287-295

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1. Problema

Em que pese não vigorar em nosso país o sistema de súmulas vinculantes, a verdade é que não raro vinculam; efeito também experimentado pelas reiteradas decisões provenientes do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Eis que surge aquilo a que emprestamos a falaciosa alcunha de "Ciência dos arestos", como sendo a mola propulsora da citação mecânica de acórdãos indiferentemente de seu manuseio criterioso à luz da melhor doutrina. Diz-se enganosa, a medida que é preciso se ter sempre em mente - e agora invocamos preciosa lição de Carlos Maximiliano - "que a jurisprudência auxilia o trabalho do intérprete; mas não o substitui, nem dispensa. Tem valor; porém relativo. Deve ser observada quando acorde com a doutrina".1

É exatamente nesse contexto que cresce de importância analisar a incipiente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 242.737/MG, acolheu o entendimento de que "transcorrido mais de 120 dias da data da vigência da referida lei, não há como negar-se a consumação da decadência do direito à impetração".2

Como se pode perceber, o aludido decisum traduz a idéia da automática e infalível consumação da decadência do direito à impetração preventiva, tão logo transcorridos mais de 120 dias da data da vigência da regra jurídico-tributária; in casu, da norma que faz nascer ao cidadão-contribuinte o dever jurídico de pagar um tributo indevido ou a maior que o devido, sempre que realizar a correspondente hipótese de incidência.

Daí o objeto deste modesto trabalho, qual seja, demonstrar a ininteligibilidade da tese acolhida pela última volta da roda de hermenêutica do Superior Tribunal de Justiça, relativamente ao termo a quo de contagem do prazo decadencial do direito à impetração de mandado de segurança preventivo em matéria tributária.

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2. Mandado de Segurança em Matéria Tributária: caracteres

O mandado de segurança está intrinsicamente ligado à idéia de Estado de Direito. Esta afirmativa encontra-se pautada no fato inequívoco de que num Estado de Direito a atividade do Poder Público encontra-se delimitada pelas fronteiras da legalidade.

Segundo Eduardo Arruda Alvim, "se é possível conceber-se o Estado de Direito sem a garantia do mandado de segurança, a recíproca não é verdadeira. Isto é, apenas em um legítimo Estado de Direito, é possível conceber-se a garantia como a do mandado de segurança".3

O mandado de segurança foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Constituição Federal de 19344 , surgindo, como pondera Arnold Wald, "como sucessor e substituto da ação sumária especial e sob a tríplice influência da doutrina brasileira do habeas corpus, da teoria da posse dos direitos pessoais e de certos institutos existentes no direito estrangeiro, como o amparo mexicano".5

Tal garantia foi mantida pela atual Carta Política de 1988, sendo encontrada no Capítulo I, do Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, especificamente insculpida no inciso LXIX do seu art. 5º, nos seguintes moldes:

"Art. 5º - (...)

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

Esse remédio jurídico constitucional, sabemos todos, pode ser impetrado tanto repressivamente quanto preventivamente. O mandado de segurança preventivo, diversamente do mandado de segurança repressivo consagrado pelo art. 5º, LXIX, da Lex Fundamentalis, não encontra disciplinamento constitucional explícito.

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É o art. 1º da Lei nº 1.533/51 que literalmente dispõe sobre a possibilidade da impetração preventiva de um mandamus sempre que "houver justo receito" da perpetração de atos ilegais e abusivos por parte de autoridade, seja de que categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça.

A falta de previsão constitucional explícita, todavia, não significa que o mandado de segurança preventivo encontra-se despido de fundamento de validade na Magna Carta de 1988, ao revés, como bem acentuado por Eduardo Arruda Alvim, "o art. 5º, inc. XXXV, da CF, que garante o amplo acesso ao Judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão, permite conferir ao mandado de segurança preventivo dignidade constitucional".6

Logo, dúvidas nem receio devemos ter em afirmar que o mandado de segurança preventivo tem assento constitucional implícito, à luz da imprescindível interpretação lógico-sistemática de nossa Lei Maior.7

É exatamente nesse contexto que cresce de importância a utilização dessa garantia constitucional, pois, na seara tributária, duas são as modalidades de writs fartamente utilizados: (1) o mandado de segurança contra a obrigação tributária (criado pela praxe pretoriana), de típica aplicabilidade aos casos dos tributos autoliquidáveis8 , e; (2) o mandado de segurança contra o crédito tributário, naturalmente de índole repressiva, à medida que pressupõe lançamento consumado.

Como já tivemos a oportunidade de deixar registrado, "(...) o mandado de segurança que versa sobre a obrigação tributária distingue-se daquele que versa sobre o crédito tributário, notadamente pelo fato de ser uma espécie preventiva, já que a impetração se antecipa ao próprio lançamento fiscal. Nele, não há ato a suspender (Lei nº 1.533/51, art. 7º. II). A sentença cumpre função meramente declaratória". 9 10

Sem embargo, como obtempera com propriedade James Marins, em sua modalidade preventiva, "à míngua de ato administrativo específico, o writ funciona como sucedâneo de ação declaratória, estando sujeito à vedação do bis in idem (litispendência/coisa julgada)".11

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Trata-se, é oportuno voltar a ressaltar, de uma impetração ontologicamente distinta da impetração repressiva. Esta se volta ao crédito tributário, isto é, pressupõe lançamento consumado pelo autoridade administrativa competente; aquela, por sua natureza sui generis, versa sobre a obrigação tributária nascida em função da completa e rigorosa subsunção do fato à norma (ou, em termos mais técnicos, em face da completa subsunção do conceito do fato ao conceito da norma, como ensina Karl Engisch), de típica aplicabilidade aos casos envolvendo tributos autoliquidáveis (lançados por homologação).

3. Prazo Decadencial: a inexistência de termo a quo em se tratando de writ preventivo

A Lei nº 1.533/51, em seu art. 18, dispõe que: "O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado".

Embora inexista consenso doutrinário quanto à classificação do prazo de 120 (cento e vinte dias) a que alude o art. 18 da Lei nº 1.533/51- se decadencial, prescricional ou preclusivo -, à luz da corrente doutrinária e jurisprudencial predominante, parece-nos certo concluir que se trata de prazo a qual se aplica as regras próprias do instituto da decadência (= espécie sui generis de prazo decadencial.)12

No que se refere ao mandado de segurança repressivo, ou seja, aquele que visa atacar o crédito...

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