Incidente de desconsideração da personalidade jurídica

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado - Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região - Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas175-185

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Tal é a denominação da Seção IV, do Capítulo III, da CLT.

Art. 855-A. Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil.

· Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2016:

"A legislação trabalhista não tem previsão expressa sobre a desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se, para tanto, dos dispositivos do novo CPC.

O TST, por meio da Instrução Normativa n. 39, de 2016, entendeu que o incidente de desconsideração previsto naquele instrumento normativo se aplica ao Direito do Trabalho. Com efeito, o entendimento do Tribunal segue na linha de que as decisões proferidas pelas cortes trabalhistas devem primar pela observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nada mais justo, portanto, que o incidente seja instaurado para preservação dessas garantias.

O nosso Substitutivo apenas traz para o texto da CLT os dispositivos adotados na Instrução Normativa do TST, de modo a conferir-lhes força de lei.

Nesse sentido, foram acolhidas propostas apresentadas nas Emendas 698, do Deputado Alfredo Kaefer (PSL/PR), e 797, da Deputada Laura Carneiro (PMDB/RJ)".

· Comentário Considerações introdutórias

Considerando que o art. 855-A, da CLT, faz remissão integrativa aos arts. 133 a 137, do CPC, é conveniente reproduzirmos o teor dessas disposições do processo civil, comentando-as sob o ponto de vista do processo do trabalho. Antes, lancemos algumas considerações de natureza introdutória.

Quando se fala em desconsideração da personalidade jurídica não se está afirmando que essa personalidade será anulada, deixará de existir, na generalidade dos casos, seja para os efeitos processuais, seja para os materiais, no presente e no futuro. O que o substantivo desconsideração significa, em tema de processo judicial, é que a personalidade jurídica não será levada em conta, para os efeitos específicos do caso concreto, em que o incidente foi suscitado, como medida destinada a proteger os interesses do autor, juridicamente tuteláveis. Se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida já na inicial, não se cogitará de incidente, por tratar-se de postulação originária.

Em nosso meio, a desconsideração da personali-dade jurídica era prevista em leis materiais, mesmo antes da instituição do novo CPC. Vejamos.

Dispõe o art. 28, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90): "Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração".

A Lei n. 8.884/94 (Anti-truste) estabelece: "Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração".

Consta da Lei n. 9.605/1998 (dispondo sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente): "Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente".

Estabelece o art. 50 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002) "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

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Não havia, porém, uma norma processual específica, disciplinando o procedimento para obter-se, em juízo, a desconsideração da personalidade jurídica. A ausência dessa norma conduzia a uma diversidade de procedimentos, estabelecidos conforme fosse o entendimento de cada magistrado.

Os textos legais há pouco reproduzidos constituem consagração da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity) surgida nos países da Common Law.

Não é pacífica, entre os estudiosos, qual teria sido o primeiro caso concreto em que se aplicou essa teoria. Para alguns, teria sido no caso Salomon x Salomon Co, em 1897, na Inglaterra. É bem verdade que essa decisão proferida pelo juiz de primeiro grau foi reformada pela Casa dos Lordes, que, conservadora, assegurou a autonomia patrimonial da sociedade, uma vez que esta se encontrava regularmente constituída. Para outros, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica teria sido utilizada, pela primeira vez, nos Estados Unidos da América do Norte, em 1809, no caso Bank of United States x Deveaux, em que o juiz John Marshall levantou o véu da pessoa jurídica (piercing the corporate veil) e responsabilizou os sócios. Não se discutia, nesse caso, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e sim a competência da justiça federal daquele país, que somente seria exercida para solucionar controvérsia entre cidadãos de estados diversos. Como não era possível considerar-se a sociedade cidadã, tomou-se em conta os seus sócios, pessoas físicas, e, em razão disso, declarou-se a competência da justiça federal para apreciar o caso.

Muito antes de essa doutrina penetrar o direito positivo brasileiro, a Justiça do Trabalho, com seu caráter vanguardeiro, autorizava, em determinadas situações, a penhora de bens dos sócios nas causas em que figurava como devedora a sociedade à qual ele pertencia ou pertencera. Pragmática, essa Justiça não questionava se teria havido, ou não, abuso da personalidade jurídica, preferindo colocar à frente o fato objetivo de que o patrimônio dos sócios havia sido beneficiado, de algum modo, pela força de trabalho dos empregados, motivo por que esse patrimônio deveria suportar os atos de execução.

Na jurisprudência anglo-saxônica a desconsideração da personalidade jurídica era identificada pelas denominações disregard of legal entity ou disregard doctrine. A primeira caiu no gosto dos juristas brasileiros. Nos países da Common Law são utilizadas expressões como "levantar o véu da pessoa jurídica" (piercing the corporate veil). Na Alemanha usa-se Durchgriff derr juristichen Person; na Itália, superamento della personalitá giuridica, a Argentina e em alguns países de língua espanhola, desestimácion de la personalidad.

No Brasil, como dissemos, ganhou a preferência dos juristas e da própria lei a expressão "desconsideração da personalidade jurídica". Alguns estudiosos aludem à "despersonalização da pessoa jurídica". A expressão, contudo, é inadequada, porquanto despersonalizar sugere a ideia de anular, de cancelar a personalidade jurídica, o que não corresponde à realidade. A desconsideração da personalidade jurídica se faz, no caso concreto, apenas para proteger os direitos ou interesses dos indivíduos ou das coletividades derivantes das relações obrigacionais estabelecidas com a sociedade. Em suma, a desconsideração da personalidade jurídica não afeta a existência de fato ou de direito da pessoa jurídica; não a destrói.

Abuso de direito. A legislação brasileira em vigor sói eleger o abuso como critério determinante da desconsideração da personalidade jurídica. Nos termos do CC, esse abuso se configura pelo desvio da finalidade da sociedade ou pela confusão patrimonial. Do ponto de vista do processo do trabalho esse critério é muito restritivo. É preferível, pois, o critério estampado no art. 28 do CDC, conforme o qual o abuso se caracteriza não apenas pelo abuso de direito, mas pelo excesso de poder, por infração à lei, por fato ou ato ilícito, pela violação dos estatutos ou do contrato social ou inatividade da pessoa jurídica acarretada por má administração, elucidando, no § 5º, que "Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

Aí está: com vistas ao processo do trabalho, poder-se-á desconsiderar a pessoa jurídica sempre que, de algum modo, a personalidade desta puder constituir empecilho à satisfação do direito dos trabalhadores ou dos prestadores de serviços, pessoas físicas.

Para efeito de incidência do art. 8º, da CLT, deve-se concluir que o art. 28 do CDC tem preeminência axiológica em relação ao art. 50, do CC.

Examinemos, agora, os arts. 133 a 137, do CPC.

"Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Em que pese ao fato de o CPC deixar claro que a desconsideração da personalidade jurídica deverá ser objeto de requerimento da parte ou do Ministério Público, estamos convencidos de que, no processo do trabalho, o juiz poderá agir ex officio em relação à matéria, por força do disposto no art. 765, da CLT, desde que haja nos autos elementos capazes de fundamentar a sua decisão (CF, art. 93, IX).

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

Do ponto de vista da norma em exame, embora seja razoável concluir-se que os "pressupostos previstos em lei" sejam os referidos no art. 50, do CC,

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pela nossa parte entendemos que são os expressos no art. 28 do CDC, por ser mais amplo o seu espectro.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

A desconsideração inversa da personalidade caracteriza-se pelo fato de atribuir-se responsabilidade à pessoa...

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