A incidência da multa de 2% sobre o total de entradas e saídas da falta de apresentação dos arquivos magnéticos

AutorAndré Felix Ricotta de Oliveira - Andreia Fogaça Rodrigues Maricato
CargoDoutorando, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. - Doutoranda, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP.
Páginas86-102

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1. Introdução

O presente trabalho objetiva analisar, estudar e conceituar a aplicação da multa do art. 527, inc. VIII, alínea "x", do RICMS/00. A Fazenda do Estado de São Paulo interpreta e aplica esta norma punitiva ou sancionatória de modo que, não respeita os princípios e normas que regem a tributação.

O referido artigo trata das penalidades impostas aos contribuintes que descumprirem tanto a obrigação principal como a obrigação acessória, em especial o inciso VIII, alínea "x", traz a multa pelo descumprimento da obrigação acessória.

O descumprimento do dever instrumental penalizado pelo art. 527, inc. VIII, alínea "x", do RICMS/00 é o não fornecimento ou

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entrega que impossibilitem a leitura e/ou com dados incompletos de arquivo magnético relacionados às operações ou prestações do período para o Fisco.

Estas informações solicitadas em meio magnético foi previsto pelo Convenio ICMS n. 57/95 e no Estado de São Paulo o envio do arquivo magnético é disciplinado pela Portaria CAT n. 32/1996 que estabelece que se o contribuinte for notificado pela SEFAZ passa ter a obrigatoriedade de entregar mensalmente os arquivos por meio magnético.

O arquivo deve conter a totalidade das operações realizadas a qualquer título com as mercadorias e serviços sujeitos a incidência do ICMS, devendo o contribuinte informar todas as operações realizadas no período, todas as notas fiscais de entrada e saída, todos os produtos descritos nas notas fiscais e o inventário. Todos estes dados são informados em um único arquivo que deve ser enviado e sujeito a validação do sistema da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Tal arquivo tem como objetivo facilitar ao Fisco a verificação das operações de circulação de mercadorias e prestações de serviços presentes no campo de incidência do ICMS e assim fiscalizar e autuar a empresa de forma mais célere, tendo em vista que as informações enviadas são justamente as que o contribuinte contabilizou através dos respectivos documentos fiscais.

Ou seja, não é pelo fato que o contribuinte não enviou o arquivo magnético, enviou de forma que não é possível a leitura ou com dados incompletos que a fiscalização está impedida de realizar seu trabalho nos termos do art. 142 do CTN, basta simplesmente analisar os livros e documentos fiscais.

Embora a legislação do ICMS estabeleça algumas penalidades relativas aos arquivos magnéticos, estão tipificadas no art. 527, inc. VIII, alíneas "u" a "z", do RICMS/00, o presente estudo terá como objeto apenas a sanção prevista na alínea "x".

Desse modo, analisaremos a norma em questão de forma isolada e interpretaremos de forma sistemática e principiológica, pois, conforme ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho a norma jurídica é ponto de referência para importantes construções interpretativas do direito,1para que assim possamos tecer considerações a respeito da norma dentro do Sistema Tributário Nacional.

Partindo da diferenciação entre obrigação tributária e acessória, traçaremos os limites constitucionais tributários para imposição de multa, em especial nos casos de descumprimento de obrigação acessória, demonstrando o abuso e inconstitucionalidade previsto no art. 527, inc. VIII, alínea "x", do RICMS/00.

2. Obrigação tributária principal e acessória

Primeiramente cabe destacar a divisão estabelecida pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 113, entre a obrigação principal e a obrigação acessória, nos seguintes termos:

"Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

"§ 1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

"§ 2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

"§ 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária."

O § 1º, ao disciplinar sobre obrigação, o Código dispõe que ela "tem como objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela

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decorrente". Uma interpretação isolada deste dispositivo legal poderia nos levar à conclusão de que a expressão "crédito tributário" abrange tanto os tributos como as multas.

Todavia, o art. 3º do CTN é claro ao exclui as sanções por ato ilícito do conceito de tributo, da mesma forma o art. 1572do CTN distingue nitidamente a diferença entre penalidade e crédito tributário, ao dispor que a imposição daquela não ilide o pagamento deste, o que confirma a distinção entre tributo e multa.

Deste modo, não resta qualquer dúvida de que a multa tributária é uma sanção aplicada pelo Estado por um ato ilícito do contribuinte: o inadimplemento de obrigação tributária principal ou acessória.

Continuando, o § 2º do art. 113 prescreve que a obrigação acessória decorre da legislação tributária. Sendo esta um dever de fazer ou não fazer, ou suportar. Logo, está submetida ao art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que determina que qualquer pretensão ao cumprimento de obrigação acessória deverá estar submetida à regência da lei, e não de atos infralegais do Executivo, como os decretos regulamentares.3A Constituição não cede tão só à criação de obrigações por via extralegal, mas quaisquer deveres impostos aos cidadãos submetem-se à legalidade.

Por fim, o § 3º dispõe que, a obrigação acessória converte-se em principal pelo seu descumprimento em relação à penalidade pecuniária.

Partindo do entendimento que a penali-dade pecuniária nunca poderia ser convertida em obrigação principal, por ter natureza sancionatória e decorrer de ato ilícito. Entendemos que o elemento distintivo entre ambas obrigações é que, o objeto da obrigação tributária é a prestação de cunho tributário sobre a qual há o vínculo jurídico entre o sujeito ativo (Fazenda Pública) e o sujeito passivo (contribuinte). Tal prestação, em face de seu objeto, divide a obrigação tributária em principal (dar o tributo) e acessória (fazer, não fazer ou tolerar algo de natureza instrumental tributária).

Paulo de Barros Carvalho4entende que, ao tornar-se concreto o fato previsto no descritor da regra de incidência (pela lingua-gem competente), surge a relação jurídica de conteúdo patrimonial, a saber, a obrigação tributária.

Sabemos que se houver o descumprimento do dever formal, desaparece a relação que o instituíra e surge em seu lugar um vínculo sancionatório, portador de uma penalidade pecuniária que onerará o patrimônio do infrator. Esta multa é cobrada com os mesmos recursos administrativos e com o emprego dos mesmos instrumentos processuais utilizados na cobrança de tributos.

Todavia, não pode o legislador igualar duas figuras distintas: dever e penalidade.

Partindo desta premissa, entendemos que o § 3º padece de inconstitucionalidade, uma vez que confunde os institutos de obrigação acessória com o da penalidade tributaria.

Ou seja, esta equiparação feita pelo Código Tributário Nacional fere conceitos da Teoria Geral do Direito, isto porque a norma que estabelece o dever trata-se de um ato lícito e a norma que estabelece a sanção de ato ilícito, são duas normas de naturezas diversas, igualar ambas, lícito e ilícito, como se fosse só uma, choca com o sistema do direito positivo.

Em paralelo notamos que o art. 527, inc. VIII, alínea "x", do RICMS/00, ao dispor sobre a aplicação da multa pelo descumprimento da obrigação acessória, penaliza o contribuinte com multa de 2% das operações ou prestações do período, pelo envio de informações em meio magnético em condições diferentes do sistema da SEFAZ e/ou com dados incompletos, sem observar a diferença entre obrigação principal e acessória.

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3. Da interpretação dada pela Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo

Na legislação do ICMS há tratamento específico para as infrações, sanções e multas, em especial o art. 527 do Regulamento do ICMS de 2000, que transcreve o art. 85 da Lei bandeirante n. 6.374/1989, tipifica os descumprimentos da obrigação principal e das obrigações acessórias, estabelecendo as respectivas penalidades.

Percebe-se que as multas estabelecidas são excessivamente altas e pesquisando sobre a origem e histórico das penalidades, não encontramos nada que pudesse dar um norte ou explicasse os percentuais exacerbados previstos na legislação.

No entanto, em conversas descompromissadas e amistosas nos corredores da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo ou nos cafés com colegas dos Tribunais de Impostos e Taxas, dizia-se que foram fixadas multas "pesadas" pelo descumprimento das obrigações acessórias ou deveres instrumentais, além de querer ditar um comportamento retilíneo do contribuinte, mas também em razão dos altos índices inflacionários que imperavam na década de 1980.

Assim, como normalmente se demorava para verter em linguagem competente o ilícito cometido pelo contribuinte, sendo a multa elevada, mesmo com a desvalorização da moeda, a penalidade continuaria pesada.

Atualmente, como a economia brasileira está aparentemente estabilizada e os índices inflacionários não são mais exagerados, não faz mais sentido a exigência de multas elevadas que chegam muitas vezes serem desproporcionais à ilicitude cometida pelo contribuinte

No caso do art. 527, inc. VIII, alínea "x", do RICMS/00 dispõe que o contribuinte não fornecendo...

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