Imunidades nos Crimes Contra o Patrimônio

AutorFernando de Almeida Pedroso
Ocupação do AutorMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal. Membro da Academia Taubateana de Letras
Páginas699-704

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21.1. Considerações gerais

Não obstante juridicamente configurado o delito (fato típico, antijurídico e culpável), a lei penal houve por bem, em situações excepcionais expressamente determinadas, considerar certas circunstâncias, de natureza estritamente pessoal (ratione personae), ora para deixar de punir o agente de um crime patrimonial, ora para submeter o juízo inicial sobre a conveniência da instauração do procedimento persecutório a uma manifestação prévia da vítima. Foram então instituídas, para esse mister, as chamadas causas de imunidade.

As causas de imunidade têm supedâneo em motivos de política criminal. O direito penal estabelece princípios e incrimina comportamentos. A política criminal, como arte, os disciplina e aplica. Muitas vezes, a prática de determinado crime patrimonial ocorre no seio e âmago da família, figurando um de seus integrantes como autor e outro na condição de vítima. De início, evidentemente, a harmonia, a concórdia e a convivência familiares se esboroam e deterioram pela ocorrência do episódio. Mas, em muitos casos, a atmosfera procelosa que então se instala acaba se desvanecendo e se desfaz com o passar do tempo, permitindo a retomada do relacionamento pela reconciliação. Nessa situação, que a lei não exige seja efetiva nos casos concretos, pois se contenta com a mera perspectiva ou a possibilidade de retorno da paz no ambiente das pessoas que se malquistaram, é preferível deixar de punir o transgressor da lei penal ou submeter o rigor dos princípios processuais regentes da instância penal a temperanças no sentido de preservar bem social que sobrepuja em importância à da simples persecução penal. E isso acontece quando se trata da possibilidade, ainda que eventual, de preservar e resguardar a paz e a tranquilidade de ambiente familiar refeito e restaurado, pois a família é e sempre o será a célula da sociedade. Desta sorte, em hipóteses desse jaez, o processo penal e a punição do transgressor da lei não devem representar um instrumento da desunião, servindo para aviventar, reviver e fazer ecoar chagas pretéritas que o tempo pode extirpar ou permitir sejam olvidadas, desdenhando-se o bem maior que se constitui na mantença de ambiente familiar reintegrado na harmonia e compreensão, ou que ainda o possa ser. Para o exercício da ação penal e a eventual punição do infrator

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da lei não constituírem motivos de novos atritos, um pomo de mais discórdia no seio de convívio familiar refeito ou com a possibilidade de tornar a ser reestruturado, o legislador instituiu as causas de imunidade.

Atendendo à magnitude do interesse a ser preservado, a lei penal aloja as causas de imunidades absolutas ou substanciais, as denominadas escusas absolutórias (art. 181, CP), portadoras de espectro mais amplo porque prelevam o transgressor da norma com a isenção da pena, e as causas de imunidade relativas ou processuais, com quadrante mais restrito porque conservam a punibilidade da conduta e apenas limitam a atividade persecutória penal à provocação inicial da vítima (art. 182, CP).

As causas de imunidade absoluta não representam um obstáculo, porém, à instauração do inquérito, mesmo porque pode haver coautoria, participação ou receptação, que continuam puníveis. As referidas causas de imunidade só isentam um dos autores do crime, pela condição personalíssima que elas pressupõem, da aplicação da pena. Não impedem a responsabilidade de outros envolvidos (ut infra). Por isso, não obstam a abertura do inquérito ou mesmo a instalação da ação penal com relação a outros protagonistas de condutas puníveis, sendo excluído apenas o autor imune.

As causas de imunidade relativa reclamam prévia representação da vítima ou de quem a represente e transmudam a ação penal, em princípio pública incondicionada, para ação penal pública condicionada.

As causas de imunidade, absolutas ou relativas, abarcam grande parte dos crimes patrimoniais. Excetuam-se apenas os cometidos com violência ou grave ameaça (art. 183, n. I, CP), como roubo, extorsão, dano ou esbulho possessório mediante violência à pessoa, e qualquer outro delito contra o patrimônio que apresente na condição de vítima pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (art. 183, n. III, CP).

Da quadra de incidência das imunidades também se excluem crimes conexos com os delitos patrimoniais. Se a causa de imunidade pode obstruir a punibilidade de um estelionato ou apropriação indébita em prejuízo do parente indicado na lei, não terá idêntico efeito para afastar a punição da falsificação de documentos cometida como meio para a consecução do crime-fim.

Sendo as condições que emolduram as causas de imunidade de natureza pessoal, crível é que...

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