Imunidade das empresas estatais em relação a impostos sobre o patrimônio, renda e serviços: um caso concreto

AutorProf. Oscar Mendonça
CargoProfessor de Direito Tributário da Universidade Salvador (UNIFACS). Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Consultor Jurídico em Salvador E-mail: oscar@compos.com.br
Páginas1-10

Page 1

A CODEBA - Companhia das Docas do Estado da Bahia, por intermédio do seu Presidente, consultou-me a respeito da incidência do IPTU - Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, sobre os terrenos e prédios da União, os quais estão sob sua guarda e gestão, em face da sua condição de sociedade de economia mista, prestadora de serviço público federal. Pediu que a consulta fosse respondida, tendo em vista diversas autuações lavradas pelos Municípios onde estão situados os portos de Salvador, de Aratu e de Malhado.

A resposta à consulta passou pelo esclarecimento de duas premissas. A primeira premissa que sobressalta é saber qual a natureza jurídica da CODEBA, isto é, qual o sentido jurídico1 da consulente, passível de ser extraído do ordenamento jurídico nacional?

A CODEBA, diz a ata de sua criação, "é uma sociedade por ações, de economia mista, de capital autorizado, controlada pela Empresa de Portos do Brasil S/A - PORTOBRÁS, constituída nos termos da Lei nº 6.222 de 10.07.75", que "tem por finalidade a administração e exploração dos portos de Salvador, Malhado e Aratu, bem como a construção, administração e exploração de novas instalações portuárias no Estado da Bahia, em harmonia com os planos e programas da PORTOBRÁS, além de outras atividades correlatas". Page 2

A Lei federal nº 8.630 de 25.02.93 mudou a política portuária do país, passando a CODEBA, a ter por finalidade não mais a exploração dos referidos portos, mas tão somente a sua administração e a fiscalização das atividades neles desenvolvida. Fez-se, então, em atendimento a programação legislativa, a terceirização da exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres, mantendo-se a CODEBA apenas como autoridade portuária.

Vejamos qual o conceito jurídico de sociedade de economia mista, para depois contrastar com as características intrínsecas da CODEBA e saber se ocorre ou não a subsunção do conceito do fato ao conceito fático da norma.2

A definição de sociedade de economia mista que está no Decreto-Lei 200, com a redação dada pelo 900 é responsável por muitos equívocos na doutrina e na jurisprudência: "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta".

A definição, ao referir-se a personalidade jurídica de direito privado e à finalidade de exploração de atividade econômica, gerou, para alguns juristas, a interpretação literal3 de que só poderia ser criada sociedade de economia mista para atividade privada, nunca para atividade pública.4 Ainda, não explicita, a definição, que o capital minoritário da sociedade de economia mista deva ser particular, o que também gera a interpretação literal do citado dispositivo, no sentido de que o capital remanescente pode ser público.

Discordamos dessa posição e adotamos o entendimento exposto acima, de Celso Antônio Bandeira de Mello, decorrente de uma interpretação sistemática do dispositivo em confronto com a lei constitucional e o resto do ordenamento, justificado do seguinte modo pelo ilustre juspublicista:

"O texto constitucional então vigente (art. 110 da Carta de 1969, habitualmente denominada de Emenda n. 1 à "Constituição" de 1967), à época, atribuía a Justiça Federal e não à Justiça especializada do Trabalho a competência para julgar as questões entre empresa pública e seus servidores, ao contrário do que sucedia no caso de sociedades de economia mista. Além disto, o Texto Constitucional anterior (art. 125, I), tal como hoje o faz a Constituição vigente (art. 109, I), também irrogava à Justiça Federal - e não à Justiça estadual - competência para julgar as ações (salvo as expressamente Page 3 excetuadas) em que fossem parte empresas públicas federais. Já as demandas intentadas por sociedades de economia mista ou contra elas propostas eram, e são julgadas ante a Justiça estadual, nas mesmas hipóteses gerais em que a competência lhe seja pertinente.

Seria um contra-senso que à Justiça Federal coubesse julgar os feitos em que, exempli gratia, fosse parte uma empresa da qual a união detivesse 51% do capital votante contra 49% de uma autarquia federal e que, contrariamente, não assistisse a ela, mas à Justiça estadual, julgar as questões relativas a empresa cuja composição acionária fosse exatamente a inversa. O mesmo se diria, no passado, mutatis mutandis, no que concerne a questões trabalhistas das sobreditas entidades com os respectivos servidores.

Está-se a ver que em ambos os casos compareceriam, com a mesma força, as razões que levaram a Constituição a deferir para a Justiça Federal os feitos relativos às empresas públicas da união, pois, tanto em um quanto em outro, o capital formador da entidade teria procedido majoritariamente da órbita federal. Segue-se que o legislador ordinário careceria da possibilidade de formular noção de empresa pública em virtude da qual ficasse obliterado (não importa se deliberadamente ou não) um propósito constitucional. Eis porque se deve entender bastante que a supremacia acionária esteja retida na esfera federal e que o remanescente provenha de outras órbitas governamentais para ter-se como configurado o substrato de capital caracterizador de empresa pública. É despiciendo, pois, que dita prevalência acionária esteja diretamente em poder da própria União".5

Enquanto o capital das empresas públicas é integrado por recursos públicos, nas sociedades de economia mista há a conjugação de recursos particulares e públicos; as empresas públicas podem adotar qualquer forma societária, enquanto que as sociedades de economia mista devem ser, obrigatoriamente, uma sociedade anônima (art. 5º do Decreto-Lei 200). Têm as empresas públicas de caráter federal foro privilegiado, a Justiça Federal, enquanto as sociedades de economia mista, não. Enquanto as empresas públicas estão sujeitas à falência, as sociedades de economia mista, prestadoras de serviço público, não.6

A CODEBA, embora criada sob o rótulo de sociedade de economia mista, teve seu capital constituído tão somente por recursos públicos, da União e do Estado da Bahia, pessoas políticas de direito público. Embora, formalmente faculte, no ato de sua constituição, a condição de acionista às pessoas físicas e jurídicas, materialmente nunca estas pessoas integralizaram esse capital. O fato de a CODEBA adotar a forma societária de sociedade anônima não a impede de caracterizar-se como empresa pública.7 Page 4

A conclusão, assim, parece óbvia. A CODEBA é uma empresa pública e não uma sociedade de economia mista. Seu "nomem juris" não importa, o que interessa é a sua natureza jurídica. E mais, empresa pública, concessionária de serviço público federal, segundo o ordenamento nacional.8 A concessão é uma forma de delegação de serviço público, que não se dá necessariamente por contrato, mas também por determinação legal.

De qualquer modo, sendo empresa pública ou sociedade de economia mista, o que interessa para saber das conseqüências tributárias que lhe são aplicáveis, especialmente quanto a incidência do IPTU, sobre os bens que estão sob sua guarda, é a sua finalidade, se prestação de serviço público ou se exploração de atividade econômica. Esta finalidade é que lhe determinará o regime jurídico aplicável.

O Estado, através de empresas públicas e de sociedades de economia mista, ora explora atividades econômicas, ora presta serviços públicos ou coordena a execução de serviços públicos. Esta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT