Imputação de declaração falsa (§ 3°, art 23 da Lei 4.131/62) e da vedação à compensação privada de créditos (art 10 do Decreto-Lei 9.025/46)

AutorSérgio I. Eskenazi Pernidji e Mônica Castro de Mello Bity
Páginas185-223

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Não obstante as razões expostas pela Recorrente em defesa tempestivamente apresentada, o Banco Central, na sua função de órgão fiscalizador das operações de câmbio, atribuída pela legislação em vigor, houve por bem aplicar à Recorrente a pena de multa pecuniária, no valor de R$ 2.029.275,00 (dois milhões, vinte e nove mil, duzentos e setenta e cinco reais), com fulcro no disposto no art. 23, § 3° da Lei 4.131/1962, com a redação dada pelo art. 72 da Lei 9.069/1995.

De conformidade com a decisão ora recorrida, entendeu o Banco Central ter a Recorrente prestado declaração falsa em contratos de câmbio, objeto da venda de moeda estrangeira celebrada no Mercado de Câmbio de Taxas Livres, ao classificar valores recebidos de empresa com sede no exterior como pagamentos antecipados de exportações.

Apesar do caráter da declaração prestada pela ora Recorrente no contrato de câmbio antes referido ser meramente indicativo de intenção, no entender do Banco Central a declaração prestada nos contratos de câmbio demonstrou-se falsa, pelo fato de ter a Recorrente promovido, em sequência ao fechamento dos contratos de câmbio, remessas para o exterior, a título de empréstimos, da moeda nacional, obtida com a venda da moeda estrangeira, em favor da empresa no exterior remetente dos recursos em moeda estrangeira.

Posteriormente, promoveram as empresas a liquidação de seus respectivos

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compromissos - a ora Recorrente, de sua obrigação de promover a exportação de determinada mercadoria e, a empresa no exterior, de sua obrigação de liquidar o empréstimo contraído - através da compensação dos respectivos créditos e débitos.

Julgados pelo Banco Central como improcedentes os argumentos apresentados, cabe à Recorrente, em sede de recurso, demostrar a este egrégio Conselho, os fundamentos de suas razões. Pretende a Recorrente indicar qual a tutela das normas ditas infringidas, o que lhe permitirá comprovar que as operações realizadas não ferem, de forma alguma, os fundamentos destas mes-. mas normas.

Pretende, ainda, a Recorrente demonstrar a este Conselho, através de minuciosa análise de cada uma das assertivas do Banco Central que embasaram a decisão ora recorrida, que inexiste base legal para a aplicação da penalidade que lhe foi imposta, contra a qual se insurge.

Enfatize-se, para o fim de servir de pano de fundo à esta defesa, que a penalidade de multa pecuniária imputada pelo Banco Central à Recorrente não teve como fundamento a contratação de operações de câmbio de compra de moeda estrangeira, realizada mediante a prestação de declaração provada falsa, com a finalidade de obter cobertura indevida para a remessa de divisas ao exterior. .

Em verdade, foram consideradas falsas as declarações prestadas pela Recorrente em contratos de câmbio que suportaram a venda de moeda estrangeira por ter sido promovido, em datas subsequentes, a transferência internacional de moeda nacional, sem a realização da exportação anunciada.

Fundamentou o Banco Central também sua decisão no fato de que a Recorrente, ao realizar as operações de mútuo um dia após o recebimento dos recursos em moeda nacional decorrentes da venda de moeda estrangeira no mercado de câmbio de taxas livres, auferiu lucros indevidos, em abandono à destinação e à finalidade origi-nalmente anunciada para a utilização das divisas ingressadas através do fechamento das operações de venda de câmbio de ex-. portação.

Alega a R. Decisão do Banco Central que teria a Recorrente manipulado recursos que fez introduzir no País, de modo a auferir vantagens financeiras indevidas, não tendo havido a incorporação dos recursos ingressados em seu processo produtivo, configurando, portanto, motivos que justificaram a aplicação de tão gravosa pena prevista no § 3° dó art. 23 da Lei 4.131/ 1962.

A imputação da penalidade cominada à Recorrente, conforme restará provado perante este R. Conselho, reveste-se de evidente equivoco, uma vez que decorre exclusivamente da interpretação superficial e errónea das disposições legais e regulamentares referentes às regras de controle cambial.

É também equivocada a interpretação da natureza das declarações prestadas nos contratos de câmbio, especialmente quando relacionadas à operação de pagamento antecipado de exportação, o que permitiu ao Banco Central entender como tipificada a conduta prevista no § 39 do art. 23 da Lei 4.131/1962, isto é, declaração de informação falsa em contrato de câmbio.

Pretende a ora Recorrente submeter a este R. Conselho a apreciação da questão, confiante de ver reformada a decisão proferida pelo Banco Central, para que seja arquivado o Processo Administrativo em tela, uma vez que restará demonstrado que a Recorrente não praticou qualquer operação ou teve conduta que possa ser considerada infringente ao disposto no § 39 do art. 23 da Lei 4.131/1962, ou mesmo a qualquer das disposições legais é aos normativos em vigor, referentes às operações de câmbio.

Conforme será demonstrado, o emaranhado das disposições legais acerca do controle cambial no Brasil, editadas há mais dê quatro décadas, sem que tenha sido implementada uma ampla revisão de seus dispositivos e notadamente dos princípios ju-

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rídicos que devem permanecer requerendo a tutela do Estado, vem permitindo a interpretação equivocada de siias disposições.

O conjunto de normas aplicáveis a este caso, como se demonstrará, foi promulgado, em grande parte, para atender às necessidades e conveniências de momentos económicos diversos, onde houve a necessidade de adaptar as normas cambiais, para o fim de servir a política económica. Muitas destas normas permanecem formalmente em vigor - embora derrogadas - e são adotadas nos dias de hoje, quando não mais estão presentes os fundamentos que as motivaram, gerando, por consequência, distorções em sua aplicação.

O Banco Central, na análise dò caso em tela, utilizou-se de interpretação extensiva ou analógica de determinações proibitivas ou punitivas, que se encontram previstas em vetustas normas legais, sem o apropriado e correto exame da finalidade do ditame legal.

Resgatar a correta interpretação destes normativos, demonstrará a inadequação de sua aplicação e, por consequência, a regularidade e a legitimidade dos atos praticados pela Recorrente.

Para este fim, e de forma a ficar demonstrada a improcedência das acusações imputadas e da consequente aplicação da penalidade à Recorrente, cumpre, em um primeiro momento, fazer uma breve análise da evolução histórica do controle do câmbio no País e o desenvolvimento da política cambial brasileira.

Demostrará a Recorrente, em seguida, a legitimidade das operações por ela realizadas, em estrita observância às disposições legais e a aos normativos do Banco Central aplicáveis, o que será alcançado através da análise da natureza jurídica das operações de pagamento antecipado de exportação, da legalidade das operações de remessa internacional de moeda nacional e, finalmente, da inaplicabilidade ao presente caso, da norma que restringe a compensação privada de créditos.

Premissas

Tem o Brasil uma longa história de restrições sobre operações de câmbio. Decorreram estas restrições de diversas circunstâncias (tais como, as dificuldades no balanço de pagamentos que resultaram em escassez crónica de divisas) que determinaram a necessidade do Estado de estabelecer mecanismos de controle das operações de aquisição de moeda estrangeira.

Durante muitos anos, o País conviveu com os mais variados obstáculos à movimentação de moeda estrangeira, que foram estabelecidos por normas editadas pelo Poder Executivo em função da necessidade de solucionar, sempre em caráter emer-gencial, questões circunstanciais de ordem económica. Excepcionalmente, em função de circunstâncias diversas, houve alguns raros momentos de relativa liberdade cambial, que eram substituídos por longos períodos onde imperava a rigidez no controle das operações de câmbio. r

Atualmente, o controle de câmbio no País, consiste em um sistema desordenado de normas, que ao longo dos anos deixaram de ser consolidadas em única matriz, que contemplasse, de forma clara e objetiva, as regras fundamentais aplicáveis às operações de câmbio, a qual estariam subordinados todos os demais normativos oú regulamentos editados pela autoridade cambial.

Alguns dos princípios de controle das operações de câmbio e dos capitais estrangeiros investidos no País estão contidos na Lei 4.131/1962. Remanesceram, entretanto, diplomas legais anteriores, cujos fundamentos para sua edição perderam-se no tempo, mas que, nada obstante, são revigorados e aplicados às operações atuais, como se não trouxessem em seu bojo o ónus de terem sido editados para atender a uma necessidade específica dos anos em que foram promulgados.

A conjugação destas normas resulta, muitas vezes, na imputação de penalidades de elevada gravidade às operações de câmbio legítimas, cursadas em completa obser-

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vância às regras vigentes, com fundamento na interpretação literal ou gramatical de normas derrogadas.

Vale lembrar o ensinamento do Professor Caio Tácito, ao lecionar que o critério da interpretação literal da norma jurídica, "evidenciou há muito, as suas insuficiências", Deve a lei "ser entendida em consonância com a relação de causalidade, que inspira o nascimento, devendo o interprete socorrer-se da chamada interpretação lógica, na razão que ditou o preceito, na transformação por que passou o direito com a promulgação da lei, nas condições ambientais que a inspiraram".

A aplicação de normas cambiais, de caráter eminentemente económico, editadas em momentos distintos do cenário em que foram concebidas, geram distorções insuportáveis. Somente o estudo da...

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