O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

AutorCelia Maria De Souza Murphy
Páginas87-143
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4. O IMPOSTO SOBRE A RENDA
E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA
4.1 Considerações prel iminares sobre o c onceito cons-
titucional de “renda” e “proventos de qualquer
natureza”
Podemos entender por “conceito” aquela compreensão
que o intérprete constrói em sua mente, quando entra em con-
tato com uma palavra ou expressão. Um conceito é uma no-
ção, concepção, ideia, que o indivíduo obtém quando analisa
a palavra ou expressão dentro de um determinado contexto.
Considerando que nosso objetivo é construir um conceito
constitucional de “renda e proventos de qualquer natureza”,
o nosso contexto é a Constituição.
A Lei Maior do Estado brasileiro é a que contém as nor-
mas de mais alta hierarquia do nosso ordenamento. Por esse
motivo, é primeiramente na própria Constituição que deve-
mos buscar elementos para a construção de um conceito de
renda e proventos de qualquer natureza. Nesse sentido, José
Luiz Bulhões Pedreira já salientava que o conceito constitu-
cional de renda é o que vai delimitar a competência da União
e servir de parâmetro para aferir a constitucionalidade das
leis que regulam o tributo. Em suas palavras:
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CELIA MARIA DE SOUZA MURPHY
A noção de renda que nos interessa não é a utilizada pela ciên-
cia econômica nem a que teoricamente seja a mais perfeita para
as finanças públicas, mas a que se ajusta ao sistema tributário
nacional definido na Constituição Federal em vigor. Esse é o con-
ceito que permitirá conhecer os limites da competência da União
ao definir a base imponível do imposto sobre a ‘renda e proven-
tos de qualquer natureza’, e que servirá de padrão para apreciar,
em cada caso, a constitucionalidade das leis tributárias federais,
estaduais e municipais
189
.
Não deixamos de lado os estudos promovidos no cam-
po de outras ciências, que trazem elementos valiosos para a
construção do conceito constitucional de renda e proventos
de qualquer natureza, mas procuramos utilizar seus funda-
mentos para construir esses conceitos no contexto da Consti-
tuição. Com esse objetivo, todas as normas constitucionais de-
vem ser consideradas, sem perder de vista a ideia de sistema,
que orienta nosso estudo.
A propósito da existência ou não de um conceito consti-
tucional de renda e proventos de qualquer natureza, podemos
afirmar que o próprio art. 153, inciso III, da Constituição, ao
estabelecer essa materialidade para o imposto de competên-
cia da União, já permite que se entenda existente um con-
ceito constitucional. Certamente que indeterminado, como
qualquer conceito, porém, como salienta Luís Cesar Souza de
Queiroz190, jamais um conceito sem sentido, sem limites máxi-
mos ou vazio, de modo a conferir ao legislador infraconstitu-
cional total liberdade para defini-lo.
A Constituição fixou limites muito claros ao legislador
infraconstitucional, na instituição de impostos. Estabeleceu
as competências impositivas, destinando a cada ente político
189. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969.
p. 2-4.
190. Cf. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. A tributação de lucros auferidos no exte-
rior por controladas e coligadas: a posição do STF e a lei n. 12.973/2014. In: RODRI-
GUES, Daniele Souto; MARTINS, Natanael (coord.). Tributação atual da renda.
Estudo da Lei n. 12.973/14: da harmonização jurídico contábil à tributação de lucros
no exterior. São Paulo: Noeses, 2015. p. 242.
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O IMPOSTO SOBRE A RENDA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
determinadas materialidades, de modo a evitar conflitos de
competência. Partindo desses pressupostos, a amplitude se-
mântica do conceito que informa a materialidade de um de-
terminado imposto não é elástica, nem pode ser deixada para
o legislador ordinário.
Na distribuição das competências impositivas, a Cons-
tituição destinou impostos à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios, de forma estanque e inconfundível.
No tocante aos impostos que cada ente político está autoriza-
do a instituir, a Constituição traçou o “arquétipo genérico”191
daqueles que podem ser instituídos, sempre de forma exclu-
siva, pelos entes políticos, de acordo com um determinado
critério material. Descreveu abstrata, mas objetivamente, os
fatos autorizados a figurar como hipóteses de incidência dos
impostos de suas pessoas políticas192.
Assim fez o constituinte ao produzir o texto do inciso III
do art. 153 da Carta de 1988, estipulando que é a União com-
petente para instituir imposto sobre “renda e proventos de
qualquer natureza”: especificou que os fatos autorizados a
figurar como hipóteses de incidência do imposto são somen-
te aqueles que se caracterizem como “rendas e proventos de
qualquer natureza”, excluídos quaisquer outros.
Os conceitos de “renda” e de “proventos de qualquer
natureza”, materialidades escolhidas pelo constituinte para
compor o imposto de mesmo nome, constituem e esgotam o
âmbito da competência tributária outorgada à União. Como a
Constituição, ao designar as competências impositivas, deter-
minou que elas fossem exclusivas para cada ente tributante193,
191. Uma das designações atribuídas por Roque Antonio Carrazza ao arcabouço
constitucional dos tributos.
192. CARRAZZA, Roque Antonio. Intributabilidade por via de imposto sobre a ren-
da... cit., p. 164.
193. Com exceção da competência concorrente expressamente prevista, exclusiva-
mente para a União, no caso excepcional de guerra externa ou sua iminência, con-
substanciada nos impostos extraordinários (CF, art. 154, II).

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