Imposto sobre a Renda

AutorLuiz Marcelo Pinheiro Fins
Páginas39-70

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Luiz Marcelo Pinheiro Fins - Boa tarde a todos. Vamos iniciar agora o painel das 14 horas com uma mesa aqui composta por eminentes juristas do mais alto renome, onde será concedido o período de 25 minutos para cada um discorrer sobre os temas. E, diante disso, o primeiro palestrante a se manifestar é o doutor José Antonio Mina-tel, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP; professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito, também da PUC; e a honra que é dada aí para a sua exposição, para o tema amortização do ágio, tema trazido aí também com a visão atual do CARF e toda a polêmica que temos acerca deste assunto.

Amortização do Ágio -Visão Atual do CARF

José Antônio Minatel - Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, quero agradecer à direção do Instituto Geraldo Ataliba pelo convite, pela oportunidade de participar de mais um congresso deste respeitado instituto. Quero cumprimentar meus colegas de mesa, na pessoa do presidente doutor Luís Marcelo, em nome de quem reverencio os demais palestrantes, todos destacados juristas e dos quais sou eterno discípulo, pois considero todos meus professores.

O tema que me foi confiado está relacionado com a figura do ágio e a sua amortização para efeito fiscal. Evidente que, para falar sobre esse tema em um painel de pouco mais de 20, ou 25 minutos, é preciso concentrar o foco em algumas peculiaridades, ainda mais que o objetivo da inserção do tema nesse painel, segundo a programação proposta, consiste em trazer a visão atual do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais/CARF, órgão responsável pelos julgamentos dos conflitos tributários, entre Fisco e contribuinte, na esfera administrativa.

Bem, como não sei se todos estão familiarizados com esse tema - assim como se têm conhecimento sobre a figura e natureza do ágio -, em rápida passagem pretendo localizá-lo no ordenamento jurídico, demonstrando em que operações surge o ágio, como aparece e qual a sua específica natureza, para em seguida tratar da sua amortização.

Vou direto ao art. 20 do Decreto-lei 1.598/77, que está consolidado no art. 385 do atual Regulamento do Imposto sobre a Renda, aprovado pelo Decreto n. 3.000/99 (RIR/99). Esse dispositivo diz que o contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deve - por ocasião da aquisição da participação societária -desdobrar o valor do custo do investimento, dele destacando a parcela que corresponde ao patrimônio líquido da pessoa jurídica investida, assim como a parcela que corresponde ao eventual ágio ou deságio.

Portanto, surge o ágio - ou melhor, pode surgir - na hipótese de um investimento para aquisição de participação societária em outra empresa, momento em que esse valor investido deve ser confrontado com o patrimônio líquido da empresa investida. Por exemplo, tratando--se de investimento que implica aquisição

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de 100% do capital da empresa investida, é preciso saber o que significa esse custo de aquisição do investimento em relação ao patrimônio da empresa onde está sendo alocado o investimento. Assim, há necessidade de comparação entre o valor total do investimento versus o patrimônio líquido da empresa investida, aparecendo o ágio quando se desembolsa uma mais-valia, ou seja, o investidor está pagando mais do que corresponde ao seu investimento no patrimônio líquido da investida.

O valor dessa mais-valia (ágio) é que deve ser desdobrado, para figurar em separado do valor do investimento que corresponde ao exato valor do patrimônio (PL) da investida, nos termos da lei já indicada. Determinado o valor do ágio, exige também a referida norma que, no mesmo momento da aquisição, seja igualmente investigado qual o fundamento econômico dessa mais-valia, ou seja, qual a causa determinante para que o investidor decida pagar, pela participação societária adquirida, um valor maior do que lhe corresponde no patrimônio da investida. Qual seria essa motivação?

Anote-se que, já no momento da aquisição do investimento deve a empresa investidora destacar, nos seus registros contábeis, o fundamento econômico atribuído para o valor do ágio. Essa mais-valia pode ter como fundamento econômico o atual valor de mercado dos bens do ativo da empresa investida (RIR/99 - inciso I do § 2º do art. 385), sabidamente escriturados por valores inferiores aos valores reais e, por isso, o investidor estará pagando valor maior porque conhece o conjunto desses bens e seus atuais valores. Noutra hipótese, o valor do ágio pode estar representado pela perspectiva de rentabilidade futura do investimento (RIR/99 - inciso II do § 2º do art. 385), quando se antevê a possibilidade de nova dinâmica operacional, ou ampliação dos negócios da empresa investida, ou ainda quando se aposta que aquela "unidade geradora de caixa" - expressão atualmente utilizada - possa trazer resultados positivos em novos patamares no futuro. Por último, o pagamento da mais-valia poderia estar relacionado com valores que o balanço patrimonial da investida não espelha, como exemplo, a existência de bens intangíveis de titularidade da investida (marcas, patentes, fundo de comércio), ou outras razões econômicas (RIR/99 - inciso m do. §21 do art. 385).

Com essas notas prévias, localizado no ordenamento jurídico como aparece o ágio e a obrigatoriedade para que seja identificado o seu fundamento econômico, passo ao tratamento tributário atualmente em vigor. Começam aqui os questionamentos e, seguramente, a razão para que o tema tenha sido incluído para debates e reflexões neste prestigiado conclave. Para tanto, é preciso focar no comando da norma tributária, analisando as controvérsias e questionamentos que hoje são levados ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais/CARE

A Lei n. 9.532/97, sabidamente na perspectiva de facilitar o processo de privatização de alguns serviços públicos, atribuiu tratamento tributário específico para o valor do ágio, tendo em conta a sua fundamentação econômica. Vejamos a atual redação do art. 1- da Lei 9.532/97, que é a matriz legal do art. 386 do RIR/99:

Art. 7-. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977:1 - deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "a" do § do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa; II - deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "c" do § 2º do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização; III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2º do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de

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1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; IV - deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2º do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados durante os cinco anos-calendários subsequentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração.

O regramento do tratamento fiscal parece lógico, pois nas hipóteses dos incisos I e II (mais-valia dos ativos) o valor do ágio inicialmente apurado agrega-se ao correspondente valor do ativo que lhe deu causa, se houver posterior absorção do patrimônio de uma empresa por outra, ou seja, quando o patrimônio da investida vem para dentro da investidora ou, na hipótese reversa, quando o patrimônio da investidora desloca-se e vai para dentro do patrimônio da sociedade investida. Sim, isso é possível, pois a própria Lei n. 9.532/97, no seu art. 8º, admite que esse processo de absorção do patrimônio possa se dar na ordem direta (investidora incorporando a investida), ou na ordem indireta (investida absorvendo o patrimônio da investidora).

Por outro lado, após a absorção do patrimônio de uma empresa pela outra, admite a lei tributária o aproveitamento fiscal do valor do ágio mediante dedutibilidade na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL nos próximos 60 meses, desde que o valor do ágio esteja fundamentado em "expectativa de rentabilidade futura" (inciso III).

Qual será a lógica para esse tratamento tributário? Sim, ainda que muitos não enxerguem, há uma correlação lógica para esse aproveitamento fiscal, pois com a incorporação ou fusão desaparece o investimento em terceiro. Não sendo possível conceber investimento em si próprio, pela junção numa única unidade patrimonial, é preciso que seja realizada a baixa dos va-

lores anteriormente ali registrados (investimento + ágio), que serão substituídos pelo patrimônio absorvido. Configurando o valor do ágio por expectativa de rentabilidade futura um excedente ao valor do patrimônio absorvido, esse acréscimo passa a representar um custo previamente incorrido para fazer face às futuras receitas operacionais da empresa, das quais se espera lucratividade. Dessa configuração de custo assumido para obtenção de futuras receitas é que decorre o fundamento para a sua dedutibilidade. /

Vejam que, enquanto nos inciso I e II o mandamento para registro em conta patrimonial é imperativo ("deverá"), a dedutibilidade prevista no inciso III representa faculdade ("poderá").1 Aqui residem os maiores conflitos entre Fisco e contribuinte, em que pese a existência de norma clara que assegura a dedutibilidade. A intolerância da administração tributária é tanta que, quando me dei conta do tema que me foi confiado, fiquei pensando se ainda estaria vigente esse regime tributário no dia da realização deste painel aqui nesse congresso...

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