Sobre a importância do protagonismo negro

AutorAdilson José Moreira
Páginas213-228
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CAPÍTULO VIII
SOBRE A IMPORTÂNCIA DO
PROTAGONISMO NEGRO
Estou terminando de escrever este livro em uma bela tarde de
domingo. O resultado parece interessante; creio que ele terá boas chan-
ces de ser aceito para publicação. Olho para a janela e penso que pode-
ria estar no cinema, uma das minhas atividades favoritas. Entretanto,
também estou escrevendo este texto porque penso que quanto maior
for o número de publicações, maiores serão as minhas chances de me
afirmar profissionalmente. Negros aprendem desde cedo que vivem
dentro de um sistema desenhado para reproduzir o privilégio branco,
mesmo de pessoas brancas medíocres. Isso significa que precisamos
mostrar um nível de excelência muitas vezes maior para recebermos
metade do reconhecimento, sendo que, muitas vezes, não obtemos
reconhecimento algum. Estudei em uma das melhores escolas públicas
de Belo Horizonte. Sempre era um dos poucos alunos negros da turma.
Muitas vezes era o único. Havia vários outros alunos negros na escola,
mas eu tinha pouco contato com eles. As turmas eram organizadas em
função do desempenho dos alunos. Elas eram numeradas de 1 a 6 ou de
1 a 8. As turmas que terminavam com os números 1, 2 e 3 eram quase
todas brancas; os alunos negros estavam concentrados nas turmas de
numeração mais alta. A atitude dos professores em relação aos alunos
que estavam nas turmas com menor desempenho era sempre ruim. Eles
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ADILSON JOSÉ MOREIRA
tinham poucas expectativas em relação a eles, atitude típica da socieda-
de brasileira em relação a negros.
Eu sempre estava nas turmas destinadas a alunos com melhor
desempenho, mas isso não significava muita coisa. O dia de devolução
das provas era um desses momentos nos quais a pessoa negra percebe
que o ambiente escolar é um lugar imensamente hostil. Estava na sétima
série. Via uma professora sempre exaltar os alunos brancos pelo desem-
penho nas avaliações, mas ela nunca mencionava o meu nome. Eu le-
vantava, pegava a prova, via a minha nota e perguntava quanto meus
colegas tinham conseguido. Algo triste aconteceu em uma dessas vezes
que tinha obtido a melhor nota da sala. Um colega branco me pergun-
tou como tinha conseguido a melhor nota da turma em uma prova de
inglês com o meu cabelo carrapicho. Toda a sala riu, a professora riu.
Fui reclamar com a diretora. A professora disse que o fato não tinha
importância. Ela afirmou que não era nada mais do que uma brincadei-
ra. Nada poderia estar mais distante da realidade. Ela nunca mais permi-
tiu que eu respondesse a perguntas, apesar do meu desempenho sempre
excelente.
Voltei para casa transtornado com o que tinha acontecido, mas
minha tristeza durou pouco, pois minha mãe disse que tinha uma cor-
respondência para mim. Era um grande envelope marrom e dentro dele
havia um prêmio para aqueles que tinham conseguido completar um
álbum sobre os membros da Liga da Justiça. Fiquei extasiado. Tinha
recebido um cartão e um diploma assinado por aqueles seres poderosos,
além de um livreto contando como eles adquiriram suas habilidades
sobre-humanas. Meus irmãos e meus amigos morreram de inveja. Con-
fesso, porém, que meu entusiasmo por super-heróis diminuiu muito ao
longo dos anos. Um grande amigo branco me convidou para ir ao ci-
nema ver o mais novo filme do Super-homem algum tempo atrás.
Disse a ele que estava cansado de ver homens brancos salvando o mun-
do. Minha fala o deixou muito constrangido e eu imediatamente tentei
me explicar. Disse que não aguentava mais ver essas representações da
suposta superioridade moral de homens brancos. Ele ficou ainda mais
chateado e então entrei em uma discussão sobre os motivos pelos quais
todos os meios de comunicação deste País passam cotidianamente a

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