A importância da Organização das Nações Unidas para a autodeterminação dos povos indígenas

AutorKeyla Cristina Farias dos Santos
Páginas63-94
A IMPORTÂNCIA DA
ORGA NIZAÇÃO DA S NAÇÕES U NIDAS
PARA A AUTODETERMINAÇÃO
DOS POVOS INDÍGENA S
Keyla Cristina Farias dos Santos1
Sumário: Introdução; 1. Conceitos de
minorias no direito internacional; 1.1.
Contextualização do momento históri-
co e da noção de minoria; 1.2. Evolução
das teorias do multiculturalismo liberal;
1.3. Diferentes conceitos de minorias; 1.4.
Consequências político-jurídicas do re-
conhecimento jurídico das minorias; 2.
Autodeterminação e igualdade de direi-
tos como norma fundamental para o de-
senvolvimento do estado democrático de
direito; 3. O multiculturalismo étnico no
estado brasileiro e o direito a identidade
cultural dos povos indígenas; Considera-
ções nais; Referências.
Resumo: O princípio da autodeterminação dos povos nasceu como
um conceito histórico e político antes de se transformar em um
conceito de relevância jurídica, desempenhando papel muito im-
portante no contexto da descolonização e emergindo no cenário
internacional a partir da Primeira Guerra Mundial. Relativamente,
a autodeterminação como direito de todos os povos trata-se da di-
1
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Consul-
tora Jurídica no Governo do Estado do Pará. Conselheira Federal na Co-
missão de Direitos Humanos Internacionais da Ordem dos Advogados do
Brasil.
64 • SOCIEDADE, DIREITO & JUSTIÇA
mensão interna do princípio, possuindo uma vocação universal no
sentido de que se dirige aos povos constituídos no Estado e que se
vinculam ao processo democrático nacional por meio de seus go-
vernos representativos. O processo da autodeterminação dos po-
vos resultou na xação de um padrão que se formalizou no Direito
Internacional como um princípio.Em sua primeira manifestação,
como um princípio estrutural do Direito Internacional que deve
servir para orientar os Estados-Membros no desenvolvimento de
suas relações mútuas.Em seguida, sua relevância no âmbito interno
e internacional visa garantir o direito atribuído aos povos. Ao con-
jugar o princípio da autodeterminação dos povos com o direito dos
povos indígenas, ele pode ser entendido como o direito de um povo
de decidir seu próprio destino, cultuar suas línguas e formas tradi-
cionais de vida em observância à diversidade étnica e cultural. Dessa
forma, ocorre um nexo causal entre a colonização e a alienação de
terras, territórios e recursos naturais que sofreram os povos indíge-
nas no passado e que até hoje têm vivido um processo de invisibi-
lidade e exclusão praticamente sistemática. A chegada dos Estados
republicanos na América Latina após o processo de descolonização
não ocasionou uma mudança signicativa na relação tradicional de
sujeição e submissão a que foram submetidos os povos indígenas.
Constata-se, ainda, que a inexistência de uma obrigação internacio-
nal de reconhecimento estatal das minorias deve ser interpretada
como um limite à discricionariedade dos Estados para obrigações
internacionais de proteção das minorias, em especial dos indígenas,
pois suas reivindicações são articuladas em torno do direito da auto-
nomia política e dos direitos especiais de representação política que
lhes permitam a gestão dos próprios interesses como efetivo exercí-
cio do direito à autodeterminação dos povos.
Palavras-chave: Nações Unidas. Autodeterminação dos povos. Di-
reitos indígenas. Democracia. Cidadania.
Abstract: e self-determination principle was born as a historical
and political concept before turning into a concept of legal relevan-
ce, performing a very important role in the decolonization context
and emerging on the international scene starting from the First
World War. Relatively, the self-determination as a right of all peo-
ples refers the internal dimension of the principle, having a univer-
KEYLA CRISTINA FARIAS DOS SANTOS • 65
sal calling in the sense which is addressed toward all peoples made
in the State and that are connected to the national democratic pro-
cess through the existence of their representative governments. e
process of self-determination, resulted in setting a pattern that was
formalized in international law as a principle. In its rst manifesta-
tion, as a structural principle of international law, this should serve
to guide Member-States in developing their mutual relations. en
its relevance in the internal and international levels is to ensure the
right attributed to peoples. When is combined the self-determina-
tion principle to the right of indigenous people, it can be understood
as the right of a people to decide their own destiny, worship their
languages and traditional ways of life in observance of ethnic and
cultural diversity. erefore, there is a causal connection between
colonization and land alienation, territories and natural resources
that the indigenous peoples suered in the past and even today, have
experienced a process of invisibility and exclusion almost systema-
tically since de days of colonization, because of the arrival of the re-
publican states in Latin America aer the process of decolonization
it did not cause signicant change in the traditional relationship of
subjection and submission that indigenous people were submitted.
It was stablished, though, the absence of an international obligation
of the State recognition of minorities should be interpreted as a limit
to the discretion of States to international obligations of minorities
protection, in particular, indigenous people, because their demands
are articulated around the political autonomy and the special rights
of the political representation, that enable them to manage their
own interests as an eective exercise of the right of peoples’ self-de-
termination.
Keywords: United Nations. Peoples self-determination. Indigenous
rights. Democracy. Citizenship.
Introdução
O princípio da autodeterminação no Direito Internacional
comporta duas acepções. A primeira seria a autodeterminação ter-
ritorial, que sugere uma noção de independência, no sentido de que
o povo de determinado Estado possui a liberdade de escolher e re-

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