O 'impeachment' de deus

AutorJoão Batista Miguel
Páginas164-172
O “IMPEACHMENT” DE DEUS
João Batista Miguel1
Associar o discurso teológico com o discurso político é uma
prática que percorre milênios na história da humanidade. Basta ver
as diversas culturas que assimilaram esta simbiose e atribuíram-lhe
os mais diversos sentidos possíveis.
No ocidente, por exemplo, um forte predomínio deste
casamento encontrado desde os reflexos das narrativas bíblicas,
entendidas dentro de uma lógica de história da salvação, que foi
ricamente trabalhada na e com a difusão do cristianismo, ao longo
dos tempos.
A lógica de Deus não se desassocia da lógica do Absoluto, pelo
contrário, a completa. Nos dizeres de Joaquim Carlos Salgado, “o
absoluto como representação religiosa no Cristianismo, como
realidade política na história e como saber de si na filosofia mostra-
se em unidade como Espírito do Ocidente”2.
O homem do Genesis, dotado de inteligência e vontade, criado
à imagem e à semelhança do próprio criador3, aparece em destaque
na hierarquia da criação e se apresenta liberto de sua condição
natural ao passo em que é convocado, por Deus, a dominar a
natureza4, criar cultura5 e fazer política6.
No mesmo raciocínio Deus se manifesta ao povo de Israel,
recordando-o de sua libertação do “Egito, da casa da Escravidão”7
e, concomitantemente, oferece o Decálogo para balizar a vida
religiosa e moral daquele povo. O Decálogo, surge “como uma
exigência a priori da ordem social israelense, principalmente porque
posto por um Estado ou poder transcendente, o Deus de Israel”.8
Aqui a representação do absoluto refere-se a uma particularidade
que é apresentada a partir da diferença entre duas grandes culturas:
a oriental e a ocidental. Na primeira, o absoluto como espírito está
na transcendência. O Senhor é transcendente; fora da comunidade.
Na segunda, o absoluto é imanente.
De acordo com Salgado, “é interessante notar como o

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