Os impactos da reforma trabalhista nas cotas para pessoas com deficiência

AutorCarolina Garcia Luchi da Rocha Pombo
Páginas391-397

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Ver Nota1

1. Introdução

Aprovada em 13 de julho de 2017, a Lei n. 13.467 veio como promessa para aumento dos postos de trabalho, visando acabar com a alta taxa de desemprego existente atualmente no Brasil. Sem discussão com a sociedade civil, nossos legisladores aprovaram a mudança de mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que deixou os operadores do Direito do Trabalho em estado de alerta.

Isso porque a reforma trabalhista veio em um momento conturbado da história do Brasil. Diante da crise política, econômica e democrática, o Congresso Nacional acabou alterando de forma significativa alguns eixos centrais da norma protetiva dos empregados.

Bem verdade que algumas alterações eram necessárias, mas muitas outras necessitavam de maiores estudos e discussões com experts deste ramo do Direito. Com o discurso de modernizar a legislação e gerar mais empregos, a reforma foi aprovada de forma açodada, sem o necessário debate em cima de novos paradigmas que decorrerão da aplicação das novas regras implementadas na CLT.

A perplexidade toda reside no fato de que a reforma trabalhista, num dado momento, foi vendida como urgente, avassaladora e inegociável, a ponto de o governo federal ter insistido em um pacote de cerca de 100 dispositivos de lei que não puderam ser minimamente ajustados ou estudados2.

É certo que o estudo que aqui se propõe trará muitas dúvidas e poucas respostas já que não há jurisprudência sobre o assunto e a doutrina existente é escassa. Porém, instituições voltadas à proteção da pessoa com deficiência (PCD), veem a reforma com grande preocupação. E a maior delas é, talvez, aumentar o desemprego dessa parcela de trabalhadores, como veremos a seguir.

2. A Lei de Cotas

A Lei n. 8.213/91 traz em seu art. 93 a obrigatoriedade das empresas de contratar pessoas com deficiência quando possuirem mais de cem empregados. Desta forma, nos moldes da legislação, deve-se seguir a proporcionalidade indicada abaixo:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I — até 200 empregados .......................................................2%;

II — de 201 a 500 .................................................................3%;

III — de 501 a 1.000...............................................................4%;

IV — de 1.001 em diante ....................................................5%.3

Não obstante a imposição legal, as empresas não cumprem a lei e alegam os mais variados motivos para o seu descumprimento, o que, aos olhos do Ministério Público do Trabalho (MPT), não passa de desculpas. Isso porque, muito já se discutiu acerca da acessibilidade e inclusão social e, aparentemente, as empresas não querem ter custos com as modificações que decorreriam dessas contratações.

O art. 93 citado é resultado de constantes lutas dos movimentos sociais que protegem essa parcela da socie-dade que sempre esteve à margem do mercado formal de trabalho. Atualmente, com a crescente preocupação de todos com os direitos humanos, a atuação do MPT, por meio de inquéritos civis e propositura de Ações Civis Públicas, busca o cumprimento da citada lei por parte das empresas.

Infelizmente, pesquisas indicam que há uma relação entre pobreza e deficiência, o que dificulta ainda mais o acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, tendo em vista a baixa escolaridade destas. Destaca Rachel Pillai4:

One of the key barriers to work that disabled people face is low qualifications. In: 2003, 40 per cent of disabled people of working age had no qualifications.

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There has been a significant increase in the demand for higher qualifications and this trend is likely to continue to 2020. The Learning and Skills Council has warned that without at least a basic grasp of Information Technology skills, people will find it increasingly difficult to find work. This poses an increasingly significant barrier to work for many disabled people. For example, of those in receipt of Disabled Living Allowance, 37 per cent have never used a computer, while only 37 per cent have used the Internet5.

Diante de informações como estas, os empregadores afirmam inexistir pessoas com deficiência que possam ser incorporadas ao quadro funcional e que sejam suficientes para o cumprimento da lei de cotas. Porém, a sociedade deve ser inclusiva6 e encontrar soluções para que os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana sejam respeitados e que o princípio da igualdade seja alcançado naquela mesma ideia de Aristóteles, aprendida nos primeiros anos dos bancos universitários: tratar com igualdade os iguais e com desigualdade os desiguais, na exata medida da sua desigualdade.

Desta forma, conforme preceitua Sidney Madruga, ao destacar ideias de Gerard Quinne e Theresia Degener, uma das formas de fazer valer o princípio citado é por meio da inclusão e, assim, o autor destaca três preceitos:

1) a celebração das diferenças — as diferenças são bem-vindas, são atributos que implicam maneiras diferentes de fazer coisas; 2) o direito de pertencer — significa que ninguém pode ser obrigado a comprovar sua capacidade para fazer parte da sociedade;
3) a valorização da diversidade humana — em que a sociedade se beneficia e se enriquece de qualidade pelo fato de ser composta por uma tão variada gama de grupos humanos7.

A ideia de inclusão das pessoas com deficiência é uma das bandeiras do MPT que, como já citado, ajuíza Ações Civis Públicas em desfavor de empresas que insistem em não cumprir o objetivo da lei. Porém, como dito acima, há uma relação entre pobreza e deficiência, o que realmente dificulta o acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho.

Mesmo porque a pessoa não nasce com idade para trabalhar, assim, a inclusão social precisa vir desde os primeiros anos de vida, já na pré-escola. O empregador não consegue atingir o fim social proposto pela lei, quando escolas públicas, e mesmo privadas, não conseguem incluir as crianças com deficiência nos seus ambientes escolares. Todavia, a obrigação legal imposta às empresas é uma forma de conferir efetividade ao princípio da igualdade e corrigir distorções que surgiram muito antes de as pessoas com deficiência possuírem idade para trabalhar. Será que a imposição legal é a melhor forma de inserir a pessoa com deficiência nos contextos sociais?

É verdade que a inclusão da PCD no mercado de trabalho por meio da lei de cotas é parte de um projeto constitucional (não temporário) que visa atingir preceitos existentes em nossa Constituição Federal, que possui como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa8. Esses fundamentos devem ser observados para que alcance todas as pessoas, sendo elas deficientes ou não, independe de raça ou credo.

Ademais,

(...) o programa previsto no art. 93 da Lei n.
8.213/1991 é justo, primeiramente, porque pretende corrigir situação de exclusão de um grupo vulnerável, que é o dos trabalhadores com deficiência, trabalhadores estes que estão, claramente, alijados do mercado de trabalho por força da discriminação que sofrem, ao argumento, incorreto, de que não são capazes de exercitar uma atividade produtiva9.

A legislação, quando do seu surgimento, fora ignorada, não tinha efetiva aplicação, sendo certo que os empregadores apenas interpretavam a norma como um estímulo, mas o MPT começou a ingressar com ações, nos últimos dez anos, para impor a aplicação e obediência da lei. O primeiro objetivo era a inserção10 da pessoa com deficiência, agora as ações requerem a inclusão dessas pessoas11.

Nesta ideia de inclusão, e também acessibilidade, encontramos em doutrinas internacionais, a chamada

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“acessibilidade universal12”, que retira dos empregadores a possibilidade de justificar o injustificável. Se todos seguíssemos um desenho universal, a acessibilidade seria alcançada e em decorrência, também a inclusão social de todos. O exercício efetivo dos direitos humanos é o objetivo primordial dessa acessibilidade.

Porém, sabemos que esta não é a realidade das empresas existentes no país. Bem verdade que muitas empresas buscam o cumprimento das cotas para deficientes, mas não conseguem encontrar profissionais capacitados para o desenvolvimento de atividades que exijam maior grau de qualificação, isso porque há reclamações constantes de que apenas são disponibilizadas vagas para atividades comezinhas. Porém, mesmo quando há disponibilidade para essas vagas, elas não são preenchidas, por falta de mão de obra.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), tem, neste sentido, sido condescendente com as empresas no tocante ao cumprimento da cota, tendo em vista que a falta de estímulo governamental é, também, uma das dificuldades encontradas pelas empresas para possuir em seu quadro de empregados, as pessoas com deficiências. Vejamos decisão recente do Tribunal Superior:

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRA-ÇÃO. MULTA ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES REABILITADOS OU DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA HABILITADOS. ART. 93 DA LEI N. 8.213/91

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