Impactos da legislação brasileira nos american depositary receipts (ADRs)

AutorPedro Darahem Mafud
Páginas136-151

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1. Introdução

O amadurecimento do mercado de capitais e a internacionalização da economia brasileira propiciaram que os agentes econômicos passassem a cada vez mais lançar mão de sofisticados instrumentos financeiros antes desconhecidos. Dentre esses instrumentos destacou-se o lançamento de American Depositary Receipts/ADRs, ou certificados de depósito de ações emitidos por instituições financeiras norte-america-nas e lastreados em ações de companhias brasileiras.

Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários/CVM,1 existiam no Brasil, em janeiro/2010, 91 empresas com programas de ADRs abertos (dentro de um total de 108 programas), com valor total de mercado de R$ 285,4 bilhões, e que representavam 12,4 % do valor de capitalização das companhias listadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros BM&F Bovespa S/A/BM&F Bovespa.

São inúmeros os motivos para o quadro atual de ascensão das emissões de ADRs por companhias brasileiras, destacando-se entre eles o bom momento vivido pela economia nacional nos últimos anos, o fortalecimento institucional do País e a internacionalização da economia e das empresas brasileiras.2

O primeiro objetivo deste artigo consiste em elucidar uma situação fática: a falta de entendimento, por parte dos operadores (advogados) e aplicadores do Direito (autoridades administrativas e, em última instância, juízes), com relação a esse pragmático e engenhoso mecanismo financeiro. Nesse sentido, buscaremos analisar a mecânica do instituto, sua ratio e as bases legislativas e regulamentares norte-ameri-canas e brasileiras que viabilizam a emissão desses papéis.

O segundo objetivo, a partir da con-textualização acima proposta, é analisar se existe algum tipo de influência do arca-

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bouço legal societário brasileiro (sobretudo os direitos inerentes aos minoritários) sobre os ADRs, que são regidos pelas leis dos Estados Unidos da América e sempre definidos pela doutrina como "espelhos das ações". Para tanto, valer-nos-emos de um caso prático recente: a reestruturação societária da Vivo Participações S/A, que buscou consolidar nessa companhia todas as participações não-controladoras de suas controladas Telemig Celular S/Ae Telemig Celular Participações S/A.3

Em busca de segurança jurídica e pre-visibilidade4 para os investidores, os especuladores e as empresas, pretende-se, com este artigo, contribuir para a elucidação de pontos relevantes da matéria. É papel do Direito aproximar-se da realidade dos mercados e adiantar situações e possibilidades. Afinal, é inegável o caráter dinâmico e empírico do direito empresarial.5

2. Histórico e definição

A história dos ADRs remonta ao ano de 1927, quando o banqueiro norte-ameri-cano J. P. Morgan, interessado em viabilizar o investimento de seus clientes locais na rede de varejo inglesa Sefridge 's, deparou-se com dificuldades jurídicas, tais como a então existente restrição à participação de estrangeiros no capital de empresas britânicas e a não-sujeição do negócio ao Direito Americano - o que, por si só, desencorajava os investidores locais.

Diante desse quadro, o banqueiro vislumbrou a criação dos ADRs, mecanismo pelo qual um banco inglês manteria as ações da companhia inglesa em custódia ao mesmo tempo em que o banco de Morgan emitiria títulos-"espelho" dessas ações, ofertados aos investidores nos Estados Unidos e exigíveis nos termos e condições do Direito Estadunidense.6

Nesse sentido, os ADRs são certificados negociáveis nos Estados Unidos, emitidos por instituições financeiras americanas e lastreados em ações estrangeiras de propriedade dessa mesma instituição, as quais configuram-se, simultaneamente, como correspondentes e como condição necessária para a existência desses valores mobiliários em circulação nos Estados Unidos.

Por esse mecanismo, a instituição financeira americana depositária, proprietária das ações estrangeiras, também é responsável pela emissão e colocação no mercado dos ADRs representativos de tais ações subjacentes.

Nesse sentido, a instituição depositária americana faz a interface com o custo-diante e a companhia estrangeira, sendo também responsável pelo contato com os investidores locais. Assim, o depositário é o principal viabilizador dos ADRs, na medida em que representa os investidores americanos e faz valer os seus direitos.

"O American Depositary Receipt, ou ADR, como é resumidamente denominado, e que foi concebido nos Estados Unidos da América, é um certificado emitido por um banco americano, e corresponde a um determinado número de ações de uma empresa estrangeira, mantidas natitularidade desse banco. Com isso, os tomadores dos papéis não necessitam se relacionar com a emissora das ações, que se encontra em um País estrangeiro e distante, mas com um banqueiro americano, que exerce, no interesse dos investidores, os direitos de acio-nista, como tal votando nas Assembléias, subscrevendo ações novas, recolhendo bonificações e recebendo os dividendos que,

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fechado o câmbio, já seriam entregues aos titulares dos ADRs na moeda local."7

Na ponta estrangeira do mecanismo, além da companhia emissora das ações que embasam os ADRs (underlying assets ou ativos subjacentes), existe também uma instituição financeira custodiante das ações. Esta instituição é responsável pela guarda efetiva desses valores mobiliários em seu país de origem de emissão, por conta e ordem da instituição financeira depositária americana.

"O banco custodiante é um simples depositário das ações em custódia e, ao mesmo tempo, um mandatário do banco emissor dos ADRs, que é o titular das ações, para o fim de exercer todos os direitos relativos à condição de acionista. Trata-se de um mero prestador de serviços."8

Os ADRs podem ser negociados em Bolsa de Valores ou em mercado de balcão organizado, dependendo do tipo de programa escolhido pela companhia emissora - o que detalhamos na seção seguinte. Já, a oferta dos ADRs pode ser feita por meio de colocações privadas (private placements) ou públicas, dependendo do tipo de mercado (investidores institucionais qualificados ou investidores de varejo) que se deseja atingir.

Os ADRs podem ser ofertados por meio de emissões primárias (ou seja, com efetivo aumento de capital para a companhia emissora) ou secundárias (sem aumento do capital social da emissora). Esquematicamente, valendo-se da didática de Iran Siqueira Lima e Andrea Fernandes Andrezo,9 temos, para emissões primárias:

[VER PDF ADJUNTO]

Ainda, para emissões secundárias:

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[VER PDF ADJUNTO]

Os ADRs são ditos patrocinados quando existe participação e anuência da companhia estrangeira emissora das ações-lastro, ou não-patrocinados quando a ope-racionalização dos ADRs é feita tão-so-mente no âmbito da instituição financeira depositária e à margem da companhia estrangeira.10

No Brasil o arcabouço legislativo que permite as emissões de ADRs pelas companhias nacionais são as resoluções do Con-selhoMonetárioNacional/CMN 1.289/1987 e 1.927/1992, bem como a Instrução CVM-317/2000, conforme alterada pelas Instruções CVM-334/2000 e 342/ 2000.

3. Os quatro níveis de listagem de ADRs

Há quatro formas básicas de colocação de ADRs nos Estados Unidos da América. Cada um dos programas tem diferentes requisitos de registro, divulgação de demonstrações financeiras, público-alvo (investidores de varejo ou investidores institucionais) e canais de negociação (Bolsa de Valores, mercado de balcão ou colocação privada) - o que dá liberdade aos agentes econômicos para escolherem o programa que mais se ajuste a suas necessidades e expectativas.

Apresentamos abaixo tabela que resume os quatro tipos de programas e suas particularidades:11

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[VER PDF ADJUNTO]

3. 1 Nível I

O ADR Nível I não é listado em Bolsa de Valores, sendo negociado apenas no mercado de balcão (over the counter). As colocações de ADR Nível I limitam-se às emissões secundárias, ou seja, sem aumento de capital para a empresa emissora.

Os ADRs Nível I, justamente por estarem restritos ao mercado de balcão, não exigem que a companhia estrangeira, emissora das ações lastro, ajuste suas demonstrações financeiras às normas dos Estados Unidos. Contudo, é necessário que o programa de emissão de ADR seja registrado na Securities and Exchange Commission/ SEC - o órgão regulador do mercado de capitais americano -, já que atinge também investidores de varejo.

As principais vantagens de emissão do ADR Nível I podem ser resumidas nos seguintes pontos: divulgação e exposição do nome da companhia, facilidade de implementação e simplicidade de documentos exigidos pela SEC.12

3. 2 Nível II

Os programas de ADR Nível II são listados nas seguintes Bolsas de Valores norte-americanas: New York Stock Exchan-ge/NYSE, American Stock Exchange/ Amex ou National Association of Securities Dealers Automated Quotation System/ Nasdaq. Nesse sentido, são recibos de depósito de ações também destinados aos investidores de varejo.

O ADR Nível II é restrito à emissão secundária, ou seja, inexiste expansão do capital da companhia emissora. Ainda que a companhia não tenha novos recursos originados para o financiamento de seus pro-jetos, ela estará adstrita às taxas e regras da Bolsa em que estiver registrada e, sobretudo, da SEC.13

Dentre as obrigações da companhia emissora, entendemos que as regras de dis-closure de informações, nos termos do Formulário 20-F,14 são as mais relevantes para a tomada de decisão dos administradores em possuírem, ou não, seus valores mobiliários na NYSE, Amex ou...

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