O impacto dos acidentes do trabalho e gastos previdenciários reflexos em empresas optantes pelo Simples Nacional: ausência estatal no controle

AutorMarcelo Borsio
Páginas192-208

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Marcelo Borsio1

Introdução

A luta operária rompeu barreiras pelos séculos, mormente nos idos da Revolução Industrial. O bem-estar social e a justiça social, num ambiente de primado laboral, são vetores de conquistas desejadas pela sociedade que vislumbra o ideal Estado Democrático de Direito.

As primeiras concessões sociais do final do século XIX trouxeram certo bálsamo aos trabalhadores. Era apenas o início de uma longa invernada. E na luta entre o bem e o mal, entre fracos e fortes, oprimidos e opres-sores, não existem lados bons e ruins. O Social não é melhor, nem pior que o Estado Liberal, e ambos demo-craticamente podem coexistir. A Noruega é exemplo.

Com as aspirações modernas entre o lucro e as pessoas, os homens dominantes na sociedade do consumo, da produção em escala, têm preferido a primeira opção, quando o assunto é proteção social de trabalhadores, sua segurança laboral e sua saúde. Pelo menos é assim no Brasil: 4º lugar no mundo em ocorrências de acidentes do trabalho.

As crises econômicas são pano de fundo e de frente para intermináveis justificativas para os cortes e diminuições de prestações sociais, ou de ausência de controle, rigidez e estrutura de locais de trabalho hígidos.

A explicação para esse decréscimo nunca recai – pelo menos não se espera tanta honestidade – em cima de más-gestões, desvios, corrupções, fraudes, desinteresses públicos e privados pela vida alheia etc.

É com esse cenário inicial que esse artigo vai percorrer e explorar metodologicamente, pelo modo dedutivo-construtivo, a questão da explosão dos acidentes do trabalho ao longo de décadas no Brasil, e a ausência estatal quanto ao controle de uma parcela considerável de empresas (as optantes pelo SIMPLES NACIONAL – em maior relevância as de enquadramento como MEI e ME, algumas como EPP) no combate a esse cenário, que acaba por gerar gastos previdenciários, indenizações, ações regressivas etc., justamente por diversas nuances.

O objetivo aqui foi explorar essas nuances acidentárias, previdenciárias e tributárias para demonstrar

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o enfraquecimento de qualquer argumento contrário. Essas empresas (98,5% de todas as existentes no país) geram um enorme déficit financeiro e, mais ainda, um prejuízo à saúde e à vida de trabalhadores. Algo precisa ocorrer.

O esvaziamento dos direitos sociais: seguridade social e meio ambiente do trabalho no fio da navalha

Houve muita luta de classes para conquistas sociais ao longo de séculos e tudo parece diminuir ano a ano. O trabalhador brasileiro parece caminhar para o matadouro quando se dirige ao trabalho. Os direitos sociais como contorno válido para os anseios de operários só serviram de “cala boca” desde Bismarck.

O objetivo maior era o aumento de produção industrial. E com o passar dos anos e décadas, no declive do Estado de Bem-Estar Social, a justificativa dos liberais, neoliberais e ultraliberais somente repousa na ideia de recursos públicos limitados para restringir uma universalidade de cobertura e de atendimento. É aquela noção de que direitos sociais são custosos. E são mesmo.

Mas para um país que muito arrecada e faz malversação das verbas públicas (desvios, corrupção, fraudes, sonegações e baixíssima qualidade de gestão pública – abaixo da linha de comentário), não poderia ser a primeira solução o esmagamento social do trabalhador.

Lavemos a cozinha primeiro e as incompetências estatais. Piorar direitos sociais não pode ser pronto socorro das incompetências do Estado.

Desde a crise mundial do Petróleo em 1979, fala-se de flexibilização e desregulamentação de direitos trabalhistas2 como se fosse solução de Sun Tzu3 num teatro de guerra chinesa.

Essa solução liberal (afogamento social) foi trazida pela primeira vez por Regan e Thatcher, e, no Brasil, encontrou eco favorável com Fernando Henrique Cardoso, e depois com certa diminuição nos governos de esquerda “social”, para voltar com força total no governo provisório até final de 2018.

Antônio Casimiro Ferreira4 explica que países como Grécia, Espanha, Portugal, Itália, França e, depois, Alemanha, implementaram medidas de severa austeri-dade econômica e fiscal para o enfrentamento da crise, dentro de uma lógica de mercado da União Europeia, com grandes alterações na forma de governar, no sistema jurídico e econômico.

Claro que os efeitos demoram a ser sentidos, pois encontrar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as concessões sociais não é tarefa simples. Os países nórdicos5 foram os primeiros a encontrar a tal luz no fim do túnel, depois da 2ª Guerra Mundial, mostrando que é possível um encontro equilibrado entre o desenvolvimento liberal e Estado Social. Bastam: competência, gestão, honestidade e altruísmo.

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Mas aqui no Brasil, o esvaziamento social nas reformas de leis trabalhistas, previdenciárias e de demais direitos sociais é a regra de ouro para a saída da crise econômica e política. O ajuste moral e ético não é nem citado por quem está decidindo a sorte dos trabalhadores.

O lucro ou as pessoas? Disse Noam Chomsky6:

As “más ideias” podem não servir aos “objetivos expressos”, mas geralmente acabam se revelando ótimas para os seus grandes arquitetos. Foram muitas as experiências de desenvolvimento econômico na era moderna, com regularidades difíceis de ignorar. Uma delas é que os sujeitos da experiência costumam se sair muito bem, ao passo que os objetos quase sempre saem perdendo. (...). Em suma, a primeira grande experiência de desenvolvimento econômico foi uma “má ideia” para os governados, mas não para seus criadores e para as elites locais a eles associadas. Esse padrão se mantém até hoje: coloca-se o lucro acima das pessoas. (...) Mas elogiadíssima história da “americanização do Brasil”, Gerald Haines diz que os

Estados Unidos vêm usando o Brasil desde 1945 como “área de teste para os modernos métodos científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo” (...). Os investidores estrangeiros se beneficiaram, mas os planejadores “acreditavam sinceramente” que o povo brasileiro também se beneficiaria. Não é necessário explicar como foi que se beneficiaram ao tornar o Brasil “a menina dos olhos da comunidade internacional de negócios na América Latina” sob o governo militar, nas palavras dos jornais de negócios, enquanto o Banco Mundial relatava que 2/3 da população não se alimentava o bastante para suportar uma atividade física normal (de trabalho) (termo nosso).

Ressalta Noam, outrossim, que o ano de 1989 foi um “ano de ouro” para o mundo dos negócios, com lucros triplicados no Brasil, nas grandes empresas, mormente as estrangeiras aqui, e uma “bela” redução de salários da classe trabalhadora em 20%, para quem já figurava entre os mais baixos do mundo, e com IDH7 mais baixo que da Albânia. Salienta que quando o desastre do

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milagre econômico não vai bem e começa a atingir os mais abastados, a solução é atacar os males das concessões sociais (farinha pouca, meu pirão primeiro) (ditado popular por nós inserido nas ideias acima). Assim dizia Bezerra da Silva8, em poema de tempos de cativeiro. Então, resposta atual daqueles que “governam” o país: o lucro.

E por que a crise é justificativa como “bala de prata” para a precarização dos direitos sociais?

Para Jürgen Habermas9, o conceito teórico de crise nos sistemas sociais é o seu lado não acidental – crises não são acidentes –, mas fruto de imperatividade sistê-mica, passo a passo, afetando estruturas normativas.

Para o filósofo e sociólogo alemão, “esse sistema social perde o sentido, tão logo as gerações seguintes não mais se reconheçam dentro do sistema anterior-mente existente”, e que o desmantelamento econômico causa reflexos nas tomadas de decisão, pressionando arcabouços normativos sociais e de proteção, suprimindo direitos, diminuindo o Estado social protetivo em detrimento do trabalhador e da sociedade.

Trata-se da falsa ideia de que o capital tem necessidades e precisa ser atendido. Mas quem gira o capital e a economia com trabalho e produção de objetos e riquezas, recebendo concessões sociais em forma de pecúnia, para mais uma vez girar a economia, é visto como mazela. Digo das prestações sociais regulares à luz da norma, justas e não perenes.

O desmonte normativo social10, na maior parte das vezes, é reconstruído por ativismo social em defesa do Estado Democrático de Direito e realizando justiça. Acordos trabalhistas e o acordado pelo legislado refletem muito na baixa arrecadação tributária (IRRF) e contribuições previdenciárias, e consequentemente, em diminuição de receitas para despesas públicas (para o primeiro tributo) e de receitas previdenciárias para fazer frente aos benefícios (para o segundo tributo).

Não há déficit, há falta de gestão, de honestidade e de vergonha nos atos públicos.

Pregou-se tanto pela transparência e isonomia das formas entre o custeio e os benefícios previdenciários, que se criou sorrateiramente a MP n. 774/2017 para quase que acabar (não para as atividades poderosas) com a desoneração da folha de salários, que, ao final, não foi convertida em lei, e o desperdício de 12 bilhões de reais em contribuições previdenciárias não arrecadadas ainda continua mês a mês e ano a ano.

Mas a “crise” deve ser a resposta para a diminuição dos direitos sociais: teatro dos horrores. O lucro ou as pessoas?

A dispensa massiva de pessoas de seus trabalhos gera momentaneamente despesas públicas maiores com a liberação de seguro-desemprego, FGTS etc. Contudo, a falta de alcance à...

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