O iluminismo maduro como alternativa à queda da modernidade: uma leitura das relações entre verdade científica e relativismo moral

AutorClóvis Falcão
CargoDoutor em Direito pela UFPE. Professor Universitário
Páginas395-437
Revista Acadêmica, Vol. 84, 2012
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O ILUMINISMO MADURO COMO ALTERNATIVA À QUEDA
MODERNIDADE: UMA LEITURA DAS RELAÇÕES ENTRE
VERDADE CIENTÍFICA E RELATIVISMO MORAL
Clóvis Falcão
Doutor em Direito pela UFPE. Professor
Universitário
Resumo: Na filosofia, em particular na filosofia do direito, são recorrentes
os movimentos contra o domínio da técnica sobre elementos culturais.
Frequentemente, os argumentos atacam uma concepção iluminista ou
cartesiana do conhecimento, para a qual haveria verdades absolutas e o
método mais adequado para alcançá-las (ou, ao menos, prová-las) seria a
dedução lógica. As críticas continuam, afirmando que as verdades, hoje,
são relativas e construídas na linguagem e na histór ia, sendo assim
incapazes de submissão a um esquema racional-dedutivo como a
modernidade cartesiana propõe. A superação do paradigma moderno
supõe a vigência de um paradigma epistemológico que flerta com o
relativismo. Este texto vem mostrar, a partir de algumas ideias do autor
Ian Shapiro, que é possível ver de forma diferente a concepção moderna da
ciência, pois o projeto da modernidade teria suposto os elementos
relativistas que hoje são usados para reje itar o ideal iluminista de
progresso cultural e moral através da técnica.
Palavras-chave: Iluminismo. Pós-modernidade. Ian Shapiro. Epistemologia.
Relativismo. Pragmatismo
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Abstract: In philosophy , particularly the philosophy of law , applicants are
movements against the domination of technology over cultural elements .
Often, arguments attacking a Cartesian or Enlightenment conception of
knowledge , for which there would be absolute truths and the most
appropriate to achieve them (or at least try them ) method would be the
logical deduction. The criticism continued , stating that the truths today
are relative and constructed in language and history, and thus incapable of
submission to a rationa l -deductive schema as the Cartesian modernity
proposes . The overcoming of the modern paradigm assumes the validit y of
an epistemological paradigm that flirts with relativism . This text goes to
show , from some ideas of the author Ian Shapiro , it is possib le to see
differently th e modern conception of science as the project of modernity
would have supposed relativists elements that are used today to reject the
Enlightenment ideal of progress cultural and moral through technology.
Keywords: Enlightenment. Postmodernism. Ian Shapiro. Epistemology.
Relativism. Pragmatism
Introdução
O confronto entre modernidade e pós-modernidade,
no tocante aos fundamentos racionais de juízos morais, pode
ser abordado de muitas e diferentes maneiras. Karl-Otto Apel
(2004), preocupado com uma fundamentação metafísica da
ética, trabalha uma reflexão transcendental no intuito de
alcançar uma instância crítica a que deu o nome de jogo de
linguagem transcendental. H.L.A Hart (1983), no contexto
jurídico, sente menos a necessidade de uma resposta a
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questões éticas profundas, adotando uma fundamentação
pragmática para a divisão entre direito e moral. Essa
fundamentação não vai muito além de uma defesa contra as
críticas ao positivismo, inspirada numa posição libertária do
utilitarismo de Jeremy Bentham e John Austin. Para Hart, o
hábito profissional dos juristas seria suficiente para conhecer
e manter a ordem normativa que lhes concerne, sem a
necessidade de apoios em doutrinas abrangentes, sejam
morais, políticas, filosóficas ou religiosas.
O contexto filosófico do século XX ainda traz as duas
fases de Wittgenstein e o combate ao formalismo positivista.
No direito isso se traduz, por exemplo, quando Robert Alexy
(2005) elabora uma teoria da argumentação jurídica à
semelhança do jogo de linguagem transcendental de Apel.
Recaséns Siches (1956) reconheceu a razoabilidade nos
assuntos de justiça, mas ainda se ateve a aspetos formais a
ponto de chamar sua teoria de "lógica do razoável". Manuel
Atienza (2001) mostra como o direito é um paradigma de
racionalidade para autores que põem em primeiro plano o
consenso e o discurso, ao mesmo tempo em que mostra
indiretamente que, quanto mais próximos do direito, maior
ânsia de controle têm suas filosofias.1
1 Com pós-modernidade, aqui, assinalo o sentimento difuso contra a
técnica científica, cujos antepassados são o romantismo e o historicismo, e

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