Ilícito fiscal. Necessidade da tutela penal e legitimidade da sanção

AutorRenato de Lima Castro/Alexandre Lundgren Rodrigues Aranda/Ana Manuela Rampazzo/Aracelli Mesquita Bandolin/Bruno Lundgren Rodrigues Aranda/Danillo Del Arco/Janaina Kalçovik/Joana Darc Youssef/Rosana da Silva Ribeiro
CargoProcurador do Estado do Paraná em 1995; Atual Promotor de Justiça, Pós-graduado em Direito Penal Económico e Europeu, Coimbra, Portugal, mestrando em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá. Endereço para correspondência: Rua Eurico Gaspar Dutra, n° 95, Assai/Discentes do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)/Discent
Páginas145-152

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Introdução

O Estado moderno, visando cumprir as políticas adredemente estabelecidas na Constituição da República, tem na receita fiscal um eficaz instrumento para satisfazer suas necessidades públicas. Para tanto, necessita fortalecer seus órgãos de arrecadação e, ao mesmo tempo, criar mecanismos que coíbam ou dificultem o inexorável processo de sonegação fiscal.

A simples sanção de ordem pecuniária, cuja penalidade limitase a atingir a esfera patrimonial do indivíduo, temse mostrado, ao longo dos tempos, irremediavelmente imprópria para desestimular as violações contra a ordem tributária, situação que tem estimulado as ordenações jurídicas nacional e internacional a tutelar a arrecadação fiscal através do Direito Penal.

Questionase, entretanto, se o Direito Penal, como ramo do Direito Público cuja tutela deve limitarse a proteger bens jurídicos fundamentais do homem em sociedade pode, legitimamente, resguardar a arrecadação fiscal sem que ofenda, a um só tempo, os limites materiais de proteção ao bem jurídico gizado na Constituição Federal e respeite os caracteres da fragmentária e da ultima ratio da lei penal.

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De igual sorte, deverá ser investigado se é legítimo ao legislador penal, visando ao exclusivo aumento da arrecadação fiscal, admitir o pagamento do tributo realizado pelo autor do fato delituoso como causa extintiva da punibilidade, em notória negação dos postulados que, em tese, autorizaram e até exigiram a intervenção do direito penal em matéria fiscal.

Referidos temas deverão ser analisados, nas linhas a seguir desenvolvidas, através de uma rápida incursão na evolução histórica da arrecadação fiscal, a fim de que, em momento seguinte, possase aferir a real importância social dessa peculiar receita para o Estado contemporâneo. Em seguida, deverá ser analisada a compatibilidade constitucional da proteção jurídico penal do ilícito fiscal, assim como a eventual correspondência com os caracteres da fragmentariedade e da ultima ratio da lei penal. Ao final, farse-á uma breve apreciação da sanção penal como forma de prevenção geral e especial do delito fiscal, assim como algumas considerações a respeito de eventuais benefícios ou malefícios político-criminais em face da permissão do pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade do autor do crime fiscal.

Origens do Pensamento Financeiro

Em variadas civilizações encontramse reflexões sobre o fenómeno financeiro, com destaque na perspectiva política

O pensamento helénico não se sobressaiu em matéria financeira. Isso se deve em parte ao caráter rudimentar da estrutura financeira da Antiguidade (Franco, 1974. p.210). Xenofonte (430 ou 445-352 a.C.) escreveu sobre os empréstimos e rendas de Atenas e de suas minas de prata. Há citações, ainda, de Plínio (62-120), Tácito (55-120), Cícero (107-42 a.C.) e Aristóteles, lecionando acerca dos requisitos necessários para a existência da polis, informando sobre a estrutura financeira do pensamento grego e latino. Já em Roma, como suas reflexões eram, em grande parte, voltadas para o pensamento político e/ou jurídico, não se sobressaíram as referências financeiras.

Pouco se desenvolveu nos séculos da Idade Média. A corrente que prevaleceu fora a do plano ético. Quando se chegava a questionamentos referentes ao pensamento financeiro, sem dúvida, o tópico tributo tinha um maior destaque. Por sua vez, este era entendido como forma legítima de sujeição da propriedade privada ao bem comum (e como expressão do direito ao uso comum dos bens da terra por todos os homens). São Tomás de Aquino, em posicionamento típico do período medieval, admitia a tributação em caso de escassez das rendas patrimoniais dos príncipes e recomendava a constituição do tesouro para os maus dias.

Na Idade Moderna, entretanto, apareceram importantes pensadores políticos, envolvendo em suas linhas de raciocínio os problemas financeiros.

A Importância do Tributo para o Estado

Os regimes sociais ocidentais, conforme destaca José Afonso da Silva, prometem realizar um Estado Social de Direito, quando definem um capítulo próprio em suas Constituições acerca de direitos económicos e sociais, buscando compatibilizar o capitalismo como forma de produção e a consecução do bem estar geral como fim estatal (Silva, 1993, p. 105). Essa concepção de Estado, contudo, é insuficiente. Há total compatibilidade de Estados sociais com regimes políticos fascistas e nacionais-socialistas, em antagonismo com um Estado de matiz democrática que uma sociedade busca concretizar.

Brasil, como Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a soberania popular, com perspectivas de realização social pela prática dos direitos sociais que regulamenta em seu texto constitucional, ofertando instrumentos jurídicos que possibilitem uma real concretização de um Estado fundado na justiça social e com vistas à satisfação dos direitos e garantias individuais e sociais.

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É indubitável, entretanto, que o Estado brasileiro, visando realizar os direitos e garantias plasmadas na Constituição Federal, necessita utilizar de reais e eficazes instrumentos de arrecadação fiscal, sem coartar idênticos direitos que se dispôs a tutelar.

Devese valer, portanto, do tributo, como prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor se possa nela se exprimir, a fim...

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