A efetivação do direito do idoso através de políticas públicas planejadas para o pleno exercício da cidadania

Autor1. Jean Mauro Menuzzi - 2. Thami Covatti Piaia
Cargo1. Formado em Filosofia, cursou teologia, especialista em História, mestrando em Direito pela URI, professor Universitário e Funcionário Público Estadual. - 2. Mestranda em Direito pela URI, professora universitária e advogada.
Páginas143-156

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Considerações iniciais

A humanidade vive um complexo processo de transformações que atuam em escala global, mas também local, integrando e conectando as comunidades e as pessoas que as compõem em novas combinações de espaço e tempo, redefinindo as identidades, compreensões e os papéis dos indivíduos. Este conjunto de mudanças pode ser sintetizado como globalização3.

A realidade mundial torna-se cada dia mais complexa e essa situação nos garante que valerá a pena perguntar sobre o que poderíamos predizer do futuro e o que dele poderia ser previsto. Vivemos em sociedades que se transformam rapidamente e que são cada vez mais multiculturais, num processo que não cessa de se acentuar4

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Tal fenômeno contemporâneo está associado ao multiculturalismo5, entendido como a tensão entre a diferença e a igualdade, ou seja, entre a exigência de reconhecimento da diferença e de redistribuição que permite a realização da igualdade.

Os conflitos não se resumem mais exclusivamente na luta pelo controle dos recursos naturais, dos meios de produção, das riquezas, ou mesmo de poder político tradicional. Eles se localizam mais sobre o controle da produção e da distribuição dos significados e dos símbolos sociais6

Neste contexto, da globalização e do multiculturalismo, brota a presente reflexão acerca da efetivação do direito do idoso7, enquanto diferente, através de políticas públicas planejadas que propiciem o pleno exercício da cidadania.

O Brasil possui uma das maiores populações de idosos8 do mundo e, diante da constante evolução das formas de organização, que orientam os saberes e comportamentos sociais, numa nova compreensão de cultura, que, reorganizando os papéis e as identidades, as políticas públicas devem estar preparadas para enfrentar o desafio de garantir o espaço social devido a este contingente populacional.

Num primeiro momento, o estudo buscará abstrair a conceituação de políticas públicas, e, nele, o correto planejamento e execução para que realmente contribua no atendimento adequado a população idosa, em sua especificidade, propiciando o exercício pleno de sua cidadania.

Em se tratando de cidadania, a segunda parte da pesquisa buscará expor o que se deve entender por tal termo, sua origem histórica e como acontece sua efetivação no contexto globalização e do multiculturalismo.

Por fim, de posse de conceitos básicos acerca de políticas públicas e de cidadania, o estudo buscará avaliar se as políticas públicas são efetivas na garantia da cidadania plena do idoso.

1 O idoso na atual idade

Em todo o mundo, o número de pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, popular e legalmente chamadas de idosos, tem aumentado com rapidez. Para se ter uma idéia, no final do século passado, o número de pessoasPage 145nesta faixa etária era de 590 milhões e a projeção é de que cheguem a 1,2 bilhão em 2025 e, em 2050, atinja a marca dos 2 bilhões.

O fato é que a história da humanidade passa por um marco significativo, o número de pessoas idosas está superando o número de crianças com idade entre zero e quatorze anos9. Em países desenvolvidos, tal fenômeno aconteceu ainda no final do século passado.

Em termos nacionais, o mesmo acontece com o Brasil.

Diferente do início do século passado em que a média de vida era de 33 anos, atualmente a expectativa de vida dos que nascem é de 68 anos. Mais que isso, o autor destaca que o número de brasileiros idosos, que em 1950 era de dois milhões, em 1975 saltou para seis milhões e 2002, para 15,4 milhões, indicando um assustador aumento de 700%. Seguindo tais proporções, em 2020, o número de idosos brasileiro deverá atingir a marca dos 32 milhões de pessoas.10

Tal mudança se deve a vários fatores:

[...] o controle de muitas doenças infecto-contagiosas e potencialmente fatais, sobretudo a partir da descoberta dos antibióticos, dos imunobiológicos e das políticas de vacinação em massa; diminuição das taxas de fecundidade; queda da mortalidade infantil, graças à ampliação de redes de abastecimento de água e esgoto e da cobertura da atenção básica à saúde; acelerada urbanização e mudanças nos processos produtivos, de organização do trabalho e da vida.11

Toda esta nova realidade traz consigo inúmeras exigências, mormente aquelas relacionadas a propiciar não só respeito, mas promoção da qualidade de vida deste contingente populacional.

No entanto, se por um lado é nítido o aumento de perspectiva de vida, de outro, o rápido desenvolvimento tecnológico do momento pós-moderno, tem levado à diminuição do status social do idoso, pois a exigência de constante adequação de habilidades, conhecimentos e experiências, torna sua contribuição social menos relevante.

No novo cenário, trazido pela revolução tecnológica, tudo é provisório, não há mais espaço para as verdades absolutas, a incerteza se torna a constante. Os ambientes são instáveis, pois as receitas do passado perderam sua validade. Enfim, o tempo é da competitividade, vence o melhor, o mais ágil, o mais criativo. É preciso conseguir articular saber e fazer.

Esta exigência ideológica do saber e fazer, gerada pelo conhecimento técnico-científico é mais facilmente dominado pelos jovens. Por outro lado, poucos idosos conseguem acompanhar estas novas necessidades.

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[...] o desenvolvimento do capitalismo moldou o modo ocidental de ser e estar no mundo, e deu forma à nova ordem global. No início da década de 1970, inicia-se uma escalada de crises regionais, seguida da desestruturação econômica e aprofundamento das desigualdades na distribuição de renda. No curso das décadas de 1980 e 1990, as forças sociais dominantes passaram ao largo do enfrentamento das crises e se concentram na unificação do capitalismo em nível global, sob a égide do pensamento neoliberal.12

Este processo de explosão do capitalismo global foi, sobremaneira, impulsionado pelo desenvolvimento científico. Em termos mais amplos, a ciência teve papel preponderante na formação da sociedade moderna, no entanto, dela também se constitui um produto.

Como já foi mencionado, a globalização não somente teve efeito alienantes e conseqüências de diminuição da identidade, tal como a fragmentação e a homogeneização de identidades locais. Ela também conduziu para a reafirmação de identidades tradicionais e para a emergência de movimentos contra-hegemônicos, de novas identidades transculturais, as quais, em vez de alienantes são experimentadas como um meio para alcançar a autodeterminação e a liberdade. Estas novas formas de identidades globalizadas freqüentemente utilizam as novas tecnologias da informação pelas possibilidades que oferecem para transmitir suas reivindicações.13

Neste jogo de relações, se, por um lado, o conhecimento científico trouxe uma diversidade de benefícios, por outro, silenciou outras formas de saber, tais como a tradição e a sabedoria dos anciãos, relegada ao campo do senso comum e do preconceito.

Esta nova forma de organização se revela nas práticas que têm fim predominante de sobrevivência material (produção, circulação, troca e consumo de bens e serviços); nas práticas com fim predominante de sobrevivência política (formas de organização e associação para obter e/ou assegurar direitos ou poder); e nas práticas que têm fim predominante de sobrevivência simbólica (formas de expressão e/ou representação, manifestações artísticas, religiosas, filosóficas, folclóricas).

As formas de socialização que orientam os saberes e comportamentos sociais mudaram e continuam em constante evolução, exigindo uma nova compreensão de cultura, atrelada a este novo modo de vida que se forma no conjunto dos:

[...] modos de sentir, pensar e agir de uma sociedade ou comunidade; aplica-se a todas as práticas, materiais e simbólicas, do grupo ou sociedade em questão; abrange os modos de ser e fazer, as práticas corporais, as crenças, os saberes, os gostos, os hábitos e estilos, as concepções de mundo, os conceitos de natureza, de sociedade, de humanidade, de sagrado, de proibido, de obrigatório.14

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Por sua vez, esta nova compreensão de cultura, que acontece na tensão entre a diferença e a igualdade15, ou seja, entre a exigência de reconhecimento da diferença e de redistribuição que permite a realização da igualdade, exige novas estratégias hábeis a atender à sociodiversidade. Tal mecanismo, se assim podemos chamar, é o que se entende por multiculturalismo.

O multiculturalismo pode ser analisado como um sintoma, o indicador de uma mudança social de grande importância. Nenhuma mudança à força dessa magnitude poderia acontecer sem provocar conflitos, incertezas e ansiedades.16

Em termos simples, multiculturalismo são estratégias e políticas usadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade.17 Eis, portanto, o lugar oportuno para avaliar e propor políticas públicas que atendam à condição especial do idoso na sociedade contemporânea.

Conforme bem enfatiza Del' Olmo:

O multiculturalismo implica uma não-homogeneidade cultural e étnica e uma não-integração, defendendo uma visão diversificada das formas de vida na sociedade contemporânea. Busca preservar os valores próprios de cada parcela constituinte de uma região ou país, reconhecimento que não pode, contudo, significar qualquer forma nociva de isolamento desse grupo.18

As políticas públicas, tanto na fase de preparação como na de execução, devem estar voltadas para essa nova realidade e ser submetidas aos valores multiculturais.

O Estado e a sociedade têm o dever de fazer cumprir a lei, garantindo aos idosos, não só uma velhice tranqüila, mas uma vida digna. A dignidade pressupõe a condição do direito à diferença.

Com a edição do Estatuto do Idoso, Lei n°: 10.741/03, o Brasil demonstrou estar no caminho desta tendência histórica...

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