Ideologia do trabalho (valor social do trabalho ou princípio da valorização do trabalho humano)

AutorEdilton Meireles
Páginas20-31
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III
IDEOLOGIA DO TRABALHO
(valor social do trabalho ou princípio da valorização do trabalho humano)
3.1. Introdução
Na Constituição brasileira, o valor do trabalho se apresenta como fundamento da República (art. 1º, IV),
da ordem econômica (art. 170, caput) e da ordem social (art. 193)(70). E isso ocorre porque é pelo trabalho
que o homem se vê, exterioriza-se, realiza-se e se coloca diante dos outros, que tanto “dependem da sua
contribuição para o funcionamento do mecanismo social como ele depende do funcionamento deste mesmo
mecanismo para adquirir os bens necessários à sua sobrevivência e a seu lazer”(71).
Não só. Como destacado por Frank Tannenbaum, referindo-se aos Estados Unidos da América, mas
em lições aplicáveis a qualquer país capitalista, é preciso lembrar que “Nós nos tornamos uma nação de
empregados. Somos dependentes de outros para obter nossos meios de subsistência, e a maioria das pessoas
se tornaram completamente dependente dos salários. Se perderem seus empregos perdem todos os recursos,
exceto aqueles que possuem alguma prestação de segurança social. Essa dependência da maioria das pessoas
em relação a outros para obter sua renda é algo novo no mundo. Para a nossa geração, a subsistência da vida
está nas mãos de outro homem”(72).
Daí por que o princípio do valor social do trabalho ou da valorização do trabalho humano foi agasalhado
expressamente na Constituição brasileira, seguindo a trilha dos principais textos constitucionais surgidos
depois da Segunda Guerra Mundial. Não é, pois, tema exclusivo da Carta brasileira. Ao contrário, encontra
diversos precedentes nas Constituições europeias dos Estados Sociais.
As regras constitucionais que tratam do direito do trabalho revelam, outrossim, o alto grau de
predominância que o valor trabalho assumiu na sociedade contemporânea. Contudo, essa valorização nem
sempre foi dominante nas sociedades ocidentais. É preciso, assim, compreender a predominância do valor
trabalho a partir de seu desenvolvimento histórico.
Lógico, ainda, que se destaque a eficácia jurídica desse valor agasalhado nas modernas Constituições.
3.2. Desenvolvimento histórico da ideologia do trabalho
No passado, o trabalho, especialmente o manual, era pouco valorizado, sendo considerado como algo
vil, desprezível, próprio dos escravos ou dos “seres inferiores”, servil e desonroso(73). Tal panorama, no entanto,
começou a se modificar, até atingir o estágio atual de valorização do trabalho, a partir das mudanças operadas
nas relações comerciais depois do fim do período feudal e, posteriormente, com a Revolução Industrial. E um
dado interessante, para destacar a exaltação do trabalho na contemporaneidade e seu valor relevante na
constituição da ordem jurídica, é que ele é comemorado em um dos dois únicos feriados verdadeiramente
universais, celebrado em todos os países (ainda em que em dias distintos). O outro seria o primeiro dia do
ano (ainda que também comemorado em dias diferentes, a depender do calendário religioso adotado). O
(70) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial. Brasília. 1988. Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 3 jul. 2017. Doravante, dada a grande quantidade
de citações da Constituição Federal, dispensaremos a sua referência bibliográfica sempre que mencionada ao longo deste trabalho.
(71) CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Ordem jurídico-econômica e trabalho. Porto Alegre: SAFE, 1998. p. 48.
(72) TANNENBAUM, Frank. The philosophy of labor. Reimp. Whitefish (Montana): Literary Licensing, 2011 [New York: Alfred A. Knopf,
1951, p. 9.] Tradução nossa.
(73) DESPAX, Michel. O direito do trabalho. Trad. Yolanda Steidel de Toledo. São Paulo: Difusão Europeia, 1968, p. 9. Sobre a origem
e significado da palavra trabalho, cf. SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016.
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fato de todas as nações do mundo dedicarem um dia de feriado para comemorar o trabalho bem revela o
grau de aceitação desse valor na sociedade atual. Nem a liberdade nem a igualdade conseguem ser objeto de
comemoração de forma tão universal.
Cabe, porém, desde logo, esclarecer que — para fins de proteção jurídica — entendemos pela expressão
trabalho toda atividade desenvolvida pelo homem, seja em benefício próprio (aquele que planta para colher
o que comer), seja em parte em benefício de outrem (aquele que trabalha por conta alheia para obter uma
renda e, ao mesmo tempo, gerar lucro a outrem), seja em benefício somente de outrem (trabalho escravo).
Atividade enquanto fazer; fazer alguma coisa, no sentido de produzir algo, ainda que imaterial (compor uma
música). Trabalho produtivo, “no sentido de produzir bens e serviços utilizáveis pela sociedade”(74), empregando
seu esforço para obter meios materiais.
Podemos, excluir desse conceito o trabalho realizado para gozo imediato que dele deriva pela própria
pessoa realizadora da atividade, como na prática do esporte-lazer (não em favor de outrem)(75). Quando
o homem realiza uma atividade que é considerada em si mesma e em seu resultado (utilidade passível de
apropriação por outrem), temos a atividade-trabalho. Já na prática de um esporte-lazer, estamos também
diante de uma atividade prestada pelo homem. Contudo, como ele apenas serve ao gozo imediato do seu
próprio prestador, não se pode ter essa atividade como um trabalho, já que ele não gera uma utilidade
apropriável por outrem(76). O trabalho, aqui, portanto, deve ser entendido como aquele que cria utilidade; que
seja socialmente útil; que se apresente como uma ação social e não aquele para mero deleite da pessoa(77).
Vale esclarecer, todavia, que o direito do trabalho apenas irá se preocupar com o trabalho realizado em favor
de outrem (por conta alheia) em troca de um outro bem.
Na Grécia antiga, o trabalho, tal como hoje definimos, não era valorizado por inteiro. Ressalte-se, porém,
que muito se fala que, na antiguidade grega, o trabalho era reservado apenas aos escravos. Em verdade, para
se entender a lógica grega é preciso distinguir, como ensina Hannah Arendt, o que se entendia por labor(78).
Para os gregos, o labor decorria da necessidade de nosso corpo. Ele era realizado para satisfação
de nossas necessidades humanas (do corpo que precisa se desenvolver, sobreviver). Daí por que, para os
gregos, o labor era servil, já que “eram exercidas com a finalidade de atender às necessidades da vida”(79). E
é a partir desse entendimento que os gregos justificavam a escravidão. “Laborar significava ser escravizado
pela necessidade, escravidão esta inerente às condições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitos às
necessidades da vida, os homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros que eles, à força,
submetiam à necessidade”(80).
Liberto da necessidade de laborar, o homem livre, cidadão, poderia, então, se dedicar à política (que não
era encarada como um trabalho, pois não era necessário ao nosso corpo) e à contemplação(81). Em suma, “ver-
-se livre das necessidades diárias”(82), vivendo em ócio. Ócio no sentido de ficar livre da necessidade de laborar
e não como tempo para o lazer ou “tempo livre”(83) (ausência temporal do trabalho)(84). Ficar ocupado, pois,
era negar o ócio, daí por que o surgimento da palavra negócio (negar o ócio)(85).
(74) OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao direito do trabalho. Trad. Carlos Alberto Barata Silva. 4. ed. São Paulo: LTr, 1984. p. 19.
(75) VENTURA, Raúl Jorge Bandeira. Teoria da relação jurídica de trabalho. Porto: Imprensa Portuguesa, 1994. p. 11.
(76) Mesmo o trabalho voluntário gera efeito em face de outrem. O mesmo se diz em relação ao trabalho doméstico ou familiar, de
um parente em favor de outrem (pai que cuida do filho). E, mesmo no trabalho para sua própria subsistência (aquele que planta para
colher o que comer), estamos diante de uma atividade-trabalho, já que, neste caso, a pessoa produz um bem passível de apropriação
por outrem.
(77) MONTOYA MELGAR, Alfredo. Derecho y trabajo. Cizur Menor (Navarra): Civitas, 1997. p. 19.
(78) A condição humana, p. 90 e segs.
(79) ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 94.
(80) Idem.
(81) GRAZIA, Sebastián de. Tres conceptos antiguos en el mundo moderno: el Trabajo, el Tiempo, el Ocio. Revista de Estudios
Políticos, Madrid, n. 129, 1963; GRAZIA, Sebastián de. Tres conceptos antiguos en el mundo moderno: el Trabajo, el Tiempo, el Ocio
(Conclusión). Revista de Estudios Políticos, Madrid, n. 129, p. 12, 1963.
(82) Ibidem, p. 11.
(83) CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho, p. 28.
(84) GRAZIA, Sebastián de. Ob. cit., p. 12.
(85) CARMO, Paulo Sérgio do. Ob. cit., p. 28.
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Para os gregos, pois, a liberdade se alcançava a partir do momento em que o homem ficava livre do labor
para satisfazer suas necessidades, podendo, assim, dedicar-se à contemplação(86).
Com o desenvolvimento das ideias, no entanto, essa distinção desapareceu na própria Grécia, que
acabou por “rebaixar” a própria ocupação política “à posição de necessidade”(87).
Já em Roma, o trabalho humano passou a ser encarado como condição para o gozo do ócio. Ócio a ser
gozado com dignidade (otium cum dignitate). “Não mais como um fim em si mesmo, mas como contraposição
ao nec-otium” (negócio)(88). Aqui o ócio passa a ser encarado como um repouso indispensável à recuperação
das energias para a volta ao labor. Do período de contemplação, o ócio passa, portanto, a partir dos ideais
dos filósofos romanos (estoicos), a ser entendido como momento de descanso, de diversão, de repouso(89).
De qualquer modo, a antiga distinção entre o trabalho indispensável para a satisfação da necessidade
humana e aquele mais “nobre”, dedicado ao pensamento, às atividades religiosas, aos negócios públicos etc.,
projetou-se na Idade Média. Nesse período, até por força do poder político e econômico, além da detenção da
cultura, as classes dominantes (nobres e religiosos) acabaram por reservar para si essas atividades, deixando
aquelas “indignas” para os escravos e servos.
A Igreja Católica, no entanto, modificou o pensamento grego para enfatizar que o trabalho deveria ser
visto como algo indispensável à salvação do homem pecador. Isso, no entanto, não poderia ser de tal monta
a ponto de não permitir o “esquecimento da veneração a Deus”(90). Não à toa que se estima a existência de
141 dias santos comemorados durante a Idade Média(91). Era preciso orar, contemplar, ao invés de somente
trabalhar.
Aqui, então, começa a surgir um dado importante na evolução da ideologia do trabalho, tal como chegou
ao mundo atual, ainda que tenha levado alguns séculos de “escuridão” para seu nascimento. Cabe, então
lembrar que, conforme concepção calvinista, o trabalho era visto como algo a ser realizado para glorificação
de Deus, sendo a acumulação de riqueza uma graça. Já para o Catolicismo — que sempre reprimiu o lucro e
a riqueza —, a vida devia ser mais contemplativa, superior ao trabalho. E aqui encontramos a diferença básica
na ideologia dessas duas religiões: o caráter ascético (devoto; místico; contemplativo) do Catolicismo em
contraponto ao caráter obreiro do Protestantismo(92).
Para os católicos, o trabalho era visto como um castigo de Deus em resposta ao pecado original. O
trabalho surge como “uma penitência para o pecado e uma oportunidade para a redenção divina”(93). Partindo
desse pressuposto, todavia, Lutero passou a sustentar que, se o trabalho era pena para o pecado, ele deveria
ser oferecido a Deus por ser um serviço e instrumento da salvação. Daí por que, segundo Lutero, “não há
ocupação, por humilde que seja, que não ponha em relevo nossa vocação divina ao nos unirmos com Deus”(94).
E, ainda conforme suas lições, pelo trabalho o homem se liberta do ócio e da luxúria(95).
Enfatiza-se que a fé deve ser reforçada pelo trabalho. Essa conduta, que culminaria no enriqueci-
mento, não sofria a condenação de Deus, pois a riqueza não é condenável quando do adquirido só
se tira o necessário para a subsistência pessoal e o restante é poupado ou reinvestido. Para o pro-
testantismo, é condenável desfrutar dos bens e de tudo que advenha da acumulação de riquezas,
como a ociosidade e as tentações da carne. Não se deve, pois, desperdiçar o tempo, considerado
como dádiva divina.(96)
(86) Idem.
(87) ARENDT, Hannah. Ob. cit., p. 96. Sobre o trabalho na Grécia antiga, cf. MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na
Antiguidade. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento occidental. Trad. Patrícia Chittoni Ramos
Revillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópoles: Vozes, 2005. p. 17-36.
(88) CARMO, Paulo Sérgio do. Ob. cit., p. 30.
(89) Idem.
(90) Ibidem, p. 33.
(91) Ibidem.
(92) Sobre os ideais protestantes na formação da ideologia do trabalho no mundo ocidental, cf. WILLAIME, Jean-Paul. As reformas
protestantes e a valorização religiosa do trabalho. In: MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). Ob. cit., p. 63-87.
(93) CARMO, Paulo Sérgio do. Ob. cit., p. 12.
(94) LEÑERO, José Perez. Concepto y valoración del trabajo en la filosofía. Revista de Política Social, Madrid, n. 51, p. 48, 1961.
(95) CARMO, Paulo Sérgio do. Ob. cit., p. 12.
(96) Ibidem, p. 38.
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Criou-se uma nova atmosfera, na qual o homem deveria trabalhar para ganhar a vida e para poder
viver, mas também laborar porque isto era eticamente moral(97). E, como sustentado por Ricardo Antônio
Lucas Camargo, esse dado “não pode ser descartado no exame do tratamento jurídico dado ao trabalho nos
domínios dos países onde se fortaleceu a Contrarreforma, como Portugal e Espanha e respectivas colônias”(98).
É a partir dessa origem cultural-religiosa que passamos a entender a manutenção da escravidão no Brasil
até quase final do século XIX, bem como a projeção de todo seu caldo cultural na formação de sua sociedade
ao longo do século XX, ou seja, toda essa sua origem cultural-religiosa explica o quanto a sociedade brasileira
não colocou, ainda hoje, o trabalho como elemento fundamental para dignidade do homem. O sonho do
brasileiro, ainda, continua a ser o de não trabalhar, pois o trabalho não nos permite desfrutar os prazeres da
vida (contemplativa).
Interessante notar que é por conta dessa formação cultural brasileira que, mesmo que em parte, ao lado
das teorias liberais adotadas, ainda hoje encontramos resistência a que se dê ao valor trabalho o devido realce
na ciência jurídica. Observe-se, por exemplo, que poucos, ou quase nenhum, constitucionalistas brasileiros
ressaltam o princípio da valorização do trabalho como elemento fundamental para interpretação e aplicação
das normas constitucionais. Fosse dado esse destaque, os tributaristas poderiam, por exemplo, argumentar
contra a tributação exagerada do trabalho (renda e folha de pagamento), pois por meio dela o Estado acaba
por incentivar a informalidade, ou seja, contribui para a negação do trabalho enquanto valor a ser dignificado
e respeitado.
Da mesma forma que, quando se tributa a renda do trabalhador em exagero, a par de se configurar,
eventualmente, um confisco, o Estado desprestigia o trabalho, ao invés de valorizá-lo, já que acaba por suprimir
do trabalhador parte do fruto do seu labor, reduzindo o seu ganho real. Isso porque, por óbvio, do ponto de
vista do trabalhador, não se pode medir a contraprestação do labor pelo valor bruto que lhe é contabilmente
posto à disposição pela fonte pagadora, mas, sim, por sua quantia líquida e realmente recebida.
O valor trabalho, porém, acabou por se impor por conta da revolução industrial. Isso porque, por razões
aparentemente opostas, o novo sistema econômico percebeu que era importante difundir a ideologia da
valorização do trabalho para obter a mão de obra necessária à produção da riqueza, ao mesmo tempo que
era necessário que a classe trabalhadora se tornasse consumidora da produção(99). O trabalho, então, começa
a ser enaltecido, seja, inicialmente e de forma um tanto quanto maquiavélica, para exploração do labor
humano, seja, num segundo momento, para assegurar o mercado consumidor(100).
Inicialmente, enaltece-se o trabalho a ponto de tornar-se crime a vadiagem. O momento de ócio passa
a ser desprezado. Lógico, no entanto, que, para a nobreza, os “fatigosos deveres sociais” com festas,
compromissos sociais etc. justificavam o “ócio”. Posteriormente, diante dos conflitos resultantes da exploração
da mão de obra de uma forma “selvagem”, a classe trabalhadora — especialmente a partir da difusão das
ideias socialistas — começa a obter cada vez mais vantagens em face das classes dominantes. Daí por que
Boaventura de Sousa Santos sustenta que “no modelo da contratualização social da modernidade capitalista,
o trabalho foi o caminho de acesso à cidadania, quer pela extensão aos trabalhadores dos direitos cívicos e
políticos, quer pela conquista de direitos novos específicos, ou tendencialmente específicos, do coletivo de
trabalhadores, como o direito do trabalho e os direitos econômicos sociais”(101).
Ocorre a “redescoberta democrática do trabalho”, pois se no passado o trabalho era desvalorizado,
este, como fundamento da ordem econômica, busca não só atuar como elemento econômico, mas como
(97) GRAZIA, Sebastián de. Ob. cit., p. 127.
(98) Ob. cit., p. 53.
(99) Sobre a evolução das relações de trabalho, cf. CHAMOCHO CANTUDO, Miguel Ángel; RAMOS VÁZQUEZ, Isabel. Introducción
jurídica a la historia de las relaciones de trabajo. Madrid: Dykyson, 2013. 428p. ISBN 978-84-9031-730-3; ÁLVAREZ DE LA ROSA,
Manuel. La construcción jurídica del contrato de trabajo. 2 ed. Granada: Comares, 2014. 160p. ISBN 978-84-9045-117-5.
(100) Para uma visão crítica quanto à ideologia do trabalho e da “dignidade do trabalho”, cf. LIMA, Manuel Pedroso de. A Constituição
e o direito do trabalho. Lisboa: Diabril, 1976. p. 10-12. Sobre o valor do trabalho na evolução do pensamento político e econômico,
cf. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. 2 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 102-128.
(101) Reinventar a democracia. In: A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999. p. 38.
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instrumento de afirmação da cidadania e de inclusão social(102). Seu ideal e espírito “exprime o acolhimento de
uma conexão geral da vida segundo a qual deve se ver no trabalho a mais eficaz afirmação da personalidade
social do homem, o seu valor mais compreensivo e significativo, porque no labor qualquer um pode expressar
o poder criativo que possui, e encontrará nele e no esforço que impõe, com o estímulo para adimplir sua
tarefa terrena de aperfeiçoamento, os meios necessários para satisfazer a sua dívida para com a sociedade,
por meio da participação na obra construtiva da coletividade em que vive”(103).
O trabalho, assim, “é, conforme a experiência, um valor moral aceito pelas sociedades contemporâneas e
possui em si dupla função: primeiro, é uma das formas de se revelar e se atingir o ideal de dignidade humana,
além de promover a inserção social; segundo, é elemento econômico indispensável, direta ou indiretamente,
para que haja crescimento. Trata-se de percepções que somente a evolução cultural e científica da humanidade
permitiu ao cidadão moderno possuir, isto é, demandaram um complexo processo histórico a fim de que o
trabalho fosse admitido e aceito como fator de progresso social. Assim, são fruto de um grau de consciência
suficientemente evoluído de uma comunidade, na medida em que ela percebe a importância desse valor e das
ameaças a que está sujeito”(104). O trabalho não é um fim em si mesmo, mas meio necessário à afirmação da
pessoa, para atingir seus fins espirituais(105).
E hoje, sem dúvida, podemos ter que o trabalho se realiza em dois planos: individual e social.
Individualmente, o trabalho serve de instrumento material para a obtenção dos bens indispensáveis à sua
sobrevivência e, moralmente, apresenta-se como meio de elevação e dignificação; de realização psíquica. Já
no plano social, o trabalho se revela como fator de solidariedade, pois o labor de um sempre é útil ao outro
homem(106). “Ter um emprego é ter um status e ter uma vida.”(107) “O trabalho não é verdadeiramente só um
traço essencial da subjetividade, é também e sobretudo o principal ponto de conexão entre o singular e os
outros, entre o indivíduo e a sociedade.”(108)
A valorização do trabalho humano, portanto, não deve ser avaliada tão somente do ponto de vista
econômico. Isso porque “o valor do trabalho não se reduz a seu componente econômico, sendo este um fator
coadjuvante em sua relevância social. Distintos estudos têm posto de manifesto a funcionalidade da chamada
sociedade do trabalho para estabelecer vínculos sociais e capacitar a integração social de quantos indivíduos
participam da produção social”(109). O trabalho, pois, mais do que gerar renda para o trabalhador, proporciona
a integração do homem na sociedade, sabido que aquele que não está inserido na população econômica ativa
acaba por ter uma posição desvantajosa na estrutura social(110).
O trabalho, seja como mera atividade, seja decorrente do emprego, passa a ser um “poderoso criador de
uma força social”, pois a ele se atribui, atualmente, o papel transcendente da sociabilidade(111).
É preciso, porém, ressaltar que o trabalho mantém íntima conexão com a pessoa humana. “O homem é
chamado ao trabalho”(112). Daí por que, no evoluir, constituindo-se a dignidade da pessoa o núcleo central da
ordem econômica, o direito do trabalho passou a ser evocado do ponto de vista subjetivo, qual seja, busca-
-se valorizar o “sujeito do trabalho, o sujeito das relações de trabalho, e não o trabalho como atividade em
(102) Ibidem, p. 60.
(103) MORTATI, Costantino. Il lavoro nella costituzione. In: GAETA, Lourenzo (Coord.). Constantino Mortati e Il lavoro nella costituzione:
uma rilettura. Milão: Giuffrè, 2005. p. 11-12.
(104) BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: SAFE, 2003.
p. 71-72.
(105) MORTATI, Costantino. Ob. cit., p. 12.
(106) VENTURA, Raúl Jorge Bandeira. Ob. cit., p. 15-16.
(107) GRAZIA, Sebastián de. Ob. cit., p. 128.
(108) COSTA, Pietro. Cittadinaza sociale e diritto del lavoro nell’Italia republicana. In: BALANDI, Gian Guido; CAZZETA, Giovanni. Diritti
e lavoro nell’Itália republicana. Materiali dall’incontro di studio Ferrara, 24 ottobre 2008. Milão: Giuffrè, 2009. p. 30.
(109) SAINZ, Cristina García; DÍEZ, Susana García. Para una valoración del trabajo más allá de su equivalente monetario. In: Cuadernos
de Relaciones Laborales, Madrid, n. 17, p. 51, 2000. Neste mesmo artigo as autoras destacam a valorização social que deve ser dada
mesmo ao trabalho não remunerado.
(110) Ibidem, p. 57.
(111) BENCOMO, E.; TANIA, Z. El trabajo visto desde una perspectiva social y jurídica. In: Revista Latinoamericano de Derecho Social,
México, n. 7, p. 31, 2008.
(112) GONZALEZ, Felix de Las Cuevas. Derechos fundamentales y relaciones laborales. In: LORENTE, Juan Antonio Linares (Dir.).
Jornadas sobre derecho del trabajo y Constitución. Madrid: IELSS, 1985. p. 265.
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si, na sua objetividade”(113), já que há o “envolvimento integral da personalidade do trabalhador no vínculo
laboral”(114), ou seja, “não existe o trabalho, senão o homem que trabalha”(115). Daí por que o direito do tra-
balho não se restringe apenas ao direito dos trabalhadores subordinados, tanto que se inclui em seu bojo as
regras de promoção do emprego e formação profissional(116).
O trabalho humano estabelece conexões entre pessoas que transcendem ao interesse meramente
individual, daí por que ele deve se submeter aos princípios considerados essenciais em respeito à pessoa
humana, qualidade esta, aliás, suficiente para tal exigência(117). Tudo isso conduziu a elevação do trabalho ao
status constitucional e, como tal, ele “determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas
já explicitadas: social e econômica. Pretende-se, assim, evitar os abusos cometidos no passado e buscar a
construção de uma sociedade mais justa, fraterna, tal como é o objetivo das democracias contemporâneas”(118).
A constitucionalização do direito do trabalho, pois, acabou por ser um fenômeno paralelo e em consonância
com a valorização do trabalho(119).
Neste sentido, é preciso destacar que a noção de trabalho e sua valorização possuem um momento
anterior ao da sua constitucionalização. A lei apenas serviu para formalizar aquilo que já era aceito na sociedade.
Nisso, a lei nada inventou. Ela apenas veio a reconhecer que, numa relação de trabalho, o “trabalhador não
promete prestações objetivas, mas sim a si mesmo. Ele não deve prestações de trabalho singulares, mas antes
cede a disposição sobre a sua força de trabalho. A lei não tem de regular uma relação de troca entre trabalho
e remuneração, mas sim as condições nas quais um cidadão pode ocupar um outro ao seu serviço”(120).
Isso porque o ponto de partida do direito do trabalho é a força de trabalho que não pode ser entendida
como mera mercadoria, já que ele está intimamente ligado à pessoa humana, “sendo uma peça da própria
personalidade”(121). A relação de emprego, assim, não pode ser encarada como uma relação de propriedade,
de troca de dívidas, mas como uma relação social(122).
Os valores, por sua vez, não são criações arbitrárias ou de indivíduos isolados. Na realidade, eles surgem
a partir das relações mantidas pelos homens, que buscam conviver com aqueles com quem mantêm uma
afinidade de pensamentos, de valores que são aprendidos e respeitados por terem uma qualidade perante a
qual não podemos ser indiferentes. Eles não existem apenas para um homem ou por obra celestial. Eles, em
verdade, surgem e estão em conexão entre um sujeito em face de outro(123).
O sistema de valores, é “um fenômeno social, produto de uma sociedade”(124). A valorização do trabalho,
surge neste contexto social de conscientização de que o labor é algo que deve ser valorizado numa sociedade
que busca o bem-estar de todos.
Valorizar o trabalho humano, é “defender condições humanas de trabalho, além de preconizar por justa
remuneração e defender o trabalhador de abusos que o capital possa desarrazoadamente proporcionar”(125).
(113) PINTO, Mário. Direito do trabalho. Lisboa: Universidade Católica, 2006. p. 84.
(114) RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Contrato de trabalho e direitos fundamentais da pessoa. In: RAMOS, Rui Manoel de Moura
et al. Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Coimbra: Almedina, 2002. v. II, p. 394.
(115) CAPÓN FILAS, Rodolfo. Protección constitucional del trabajo. Disponível em:
Protecci%c3%33n%20constitucional%20del%20trabajo.htm>.
(116) PINTO, Mário. Ob. cit., p. 93-94.
(117) GONZÁLEZ, Félix de las Cuevas. Ob. cit., p. 265.
(118) BOCORNY, Leonardo Raupp. Ob. cit., p. 72.
(119) VADILLO, Enrique Ruiz. Derechos fundamentales y liberdades públicas. In: LORENTE, Juan Antonio Linares (Dir.). Jornadas sobre
derecho del trabajo y Constitución. Madrid: IELSS, 1985. p. 296.
(120) CORDEIRO, António Menezes. Da situação jurídica laboral: perspectivas dogmáticas do direito do trabalho. Lisboa: Ordem dos
Advogados Portugueses, 1982. p. 16.
(121) CORDEIRO, António Menezes. Ob. cit., p. 50.
(122) POTTHOFF, Hugo. Ist das Arbeitsverhältnis ein Schuldverhältnis? In: POTTHOFF, Heinz; SINZHEIMER, Hugo; MEISSINGER,
Hermann. Arbeitsrecht: Zeitschrift für das gesamte Dienstrecht der Arbeiter, Angestellten und Beamten. Stuttgart, v. IX, J. Hess. 1922,
p. 267-303. p. 275.
(123) LASTRA, José Manuel. El trabajo: ¿valor supremo de la vida social? In: Estudios Jurídicos en homenaje a Don Santiago Barajas
Montes de Oca. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Estudios doutrinales, n. 179. México: Universidad Nacional Autónoma de
México, 1995. p. 173-175.
(124) DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho (público y privado). Trad. Adolfo Posada e Ramón Jaén. Buenos Aires: Heliasta,
1975. p. 178.
(125) BOCORNY, Leonardo Raupp. Ob. cit., p. 73.
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Tal princípio, “satisfaz, segundo ótica da integridade do Direito, a um anseio democrático e demonstra que
ele, dentre outros, representa no ordenamento o que há de mais importante em termos de harmonia e
convivência social”(126).
Esclarecendo esse ponto, José Afonso da Silva leciona: “A Constituição declara que a ordem econômica
é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar
quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista,
pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora
capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores
da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de
orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao
lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República
Federativa do Brasil (art. 1º, IV)”(127).
Eros Roberto Grau também destaca que, na Constituição brasileira, “no art. 170, caput, afirma-se dever
estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho e na livre-iniciativa. Note-se, assim, que esta é
então tomada singelamente e aquele — o trabalho humano — é consagrado como objeto a ser valorizado. É
nesse sentido que assiste razão a José Afonso da Silva, ao sustentar que a ordem econômica dá prioridade aos
valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado”(128).
É preciso, assim, não se esquecer de que o trabalho deve ser encarado, não como mais um fator de
produção, mas, sim, que ele “diz respeito mesmo à dignidade da pessoa humana, merecendo, por essa razão,
ser adequadamente compendiado”(129). Ele se apresenta, verdadeiramente, como elemento concretizador
da dignidade da pessoa humana(130). O trabalho constitui, assim, um meio necessário para a afirmação e
desenvolvimento da personalidade, ao lado do progresso material e espiritual da sociedade. “No trabalho
se realiza, portanto, a síntese entre o princípio personalístico (que implica na pretensão ao exercício de uma
atividade laboral) e no solidarista (que confere a tal atividade uma característica de dever)”(131). E mais, o
trabalho é identificado como “um fator necessário à reconstrução de uma nova unidade espiritual, requerendo
um processo de progressiva homogeneização da base social, pressuposto para surgir uma correspondente
estrutura organizativa, de um novo tipo de coligação entre comunidade e Estado”(132).
Tudo isso porque, em verdade, o direito ao trabalho assume um papel relevantíssimo na concretização
dos direitos fundamentais, especialmente por se constituir o emprego o principal instrumento para satisfação
de outros bens jurídicos, a exemplo, da saúde, da educação etc.(133). Por meio dele, portanto, não apenas se
assegura a subsistência do trabalhador mediante a renda obtida, mas, também, por trabalho se desenvolve a
própria personalidade da pessoa humana, em sua integralidade física e moral. É pelo trabalho que o homem se
completa, se realiza, em toda a sua plenitude, “de modo a satisfazer a exigência de liberação da personalidade
na integralidade de todos os seus interesses”(134).
O contrato de trabalho, por sua vez, assume importante papel, pois tem por objeto uma prestação
personalíssima por parte do trabalhador, já que a pessoa do trabalhador está intrinsecamente envolvida
na troca contratual. Em suma, no fundo do direito do trabalho, está a pessoa e não uma coisa(135). Daí
(126) Ibidem, p. 73-74.
(127) SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 764.
(128) GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 222.
(129) PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica. O significado e o alcance do art. 170 da Constituição
Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 153.
(130) GOMES, Fábio Rodrigues. O direito fundamental ao trabalho. Perspectivas histórica, filosófica e dogmático-analítica. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 61-67.
(131) MORTATI, Costantino. Art. 1º. In: BRANCA, Giuseppe (Dir). Commentario della Costituzione. Principi fondamentali. Bologna/
Roma: Zanichelli/Foro Italiano, 1975. p. 12.
(132) Ibidem, p. 10.
(133) NIN DE CARDONA, José María. Sobre los derechos humanos (El derecho al trabajo y su problemática). Revista de Estudios
Políticos, Madrid, n. 176, p. 139, mar./jun. 1971.
(134) MORTATI, Costantino. Il lavoro nella costituzione, p. 42.
(135) GUANTER, Salvador del Rey. Contrato de trabajo y derechos fundamentales en la doctrina del Tribunal Constitucional. In:
CARACUEL, Manuel Ramón Alarcón (Coord.). Constituición y derecho del trabajo: 1891-1991 (análisis de diez años de jurisprudencia
constitucional). Madrid: Marcial Pons, 1992. p. 32.
27
por que, “numa perspectiva constitucional, o contrato de trabalho se caracteriza por implicar, potencial ou
efetivamente, importantes condicionamentos a numerosos direitos fundamentais. Condicionamento este que
deriva do caráter permanente e intenso que a atividade laboral tem para a maioria das pessoas, que lhe vai
afetar decididamente durante toda sua vida em aspectos essenciais de sua existência”(136).
O trabalho, assim, assume especial importância e proteção por várias razões. Entre elas: i) a própria
relevância quantitativa e temporal do trabalho na vida de toda pessoa; ii) a posição débil do trabalhador numa
relação subordinada, que propicia os abusos empresariais que limitam direitos fundamentais; e iii) o caráter
personalíssimo da atividade desenvolvida pelo trabalhador, além de continuado e em regime de subordinação
e dependência do empregador(137).
Tem-se, assim, que inúmeros direitos fundamentais, e até a vida com dignidade, dependem do trabalho,
pois sem a renda que lhe é proporcionada, numa sociedade capitalista, dificilmente o indivíduo alcança
satisfatoriamente a realização dos seus direitos mínimos. O trabalho, portanto, está a serviço da dignidade
humana(138).
Daí sustentar Rafael da Silva Marques que “é por isso que o trabalho, elemento que efetivamente
garante a parte econômica da vida em sociedade, deve ser protegido e valorizado na máxima potência, pois
detém a responsabilidade de garantir uma sociedade mais justa, voltada à redução das desigualdades sociais
e, por consequência, ampliando e garantindo maior dignidade a todas as pessoas”(139).
Nesta trilha, não podemos deixar de ressaltar que, no mundo contemporâneo, o direito do trabalho se
entrelaça de tal forma em nossa vida que não se pode deixar de concluir que ele está intimamente ligado ao
sistema econômico e ao regime político adotado pela comunidade jurídica, mas ao mesmo tempo deslocado.
É certo que o direito-valor do trabalho surge a partir de um modelo politicamente “liberal”(140), no sentido
da consagração de uma maior liberdade, tendo em vista a constitucionalização da liberdade de emprego,
da liberdade sindical e da autonomia coletiva. Porém, o que se verifica é que o direito do trabalho está
intimamente vinculado à cultura (e ele é fruto da cultura da dignificação do trabalho), daí por que sua
valorização tornou-se independente das flutuações políticas(141). Seja num regime econômico de economia
estatal, seja no regime liberal, seja num regime democrático, seja no regime autoritário, o certo é que o
trabalho é consagrado em todos eles.
O direito-valor do trabalho, pois, deslocou-se dos regimes econômicos e políticos, tendo relevância em
qualquer que seja a opção político-econômica da ordem jurídica.
Em suma, o direito do trabalho, enquanto ciência, acaba por sobreviver mesmo quando diante de
“mutações constitucionais por vezes de monta, embora não as ignore”(142), ou seja, o trabalho não pode
ser visto apenas em seu aspecto meramente formal-jurídico. A mudança da legislação, por certo, não fará
transformar em papel de embrulho bibliotecas inteiras dedicadas ao direito do trabalho. Isso porque, mais do
que mero valor formal-jurídico, o trabalho está incrustado em nossa cultura e, enquanto elemento da ciência
do direito, podemos até afirmar que ele se constitui em verdadeiro “direito natural” da contemporaneidade. O
trabalho pertence à “condição humana, à liberdade pessoal e à dignidade dos direitos humanos (liberdade de
trabalhar como ‘desenvolvimento da personalidade’)”(143), até porque o “trabalho é uma condição existencial
fundamental da prática do ser humano em sociedade”(144).
(136) Ibidem, p. 32-33.
(137) MÁRQUEZ, María Dolores Carrillo. 25 años de Constitución para el derecho del trabajo. Icade: Revista de Las Facultades de
Derecho y Ciencias Económicas y Empresariales, Madrid, n. 58 (Ejemplar dedicado a XXV aniversário de la Constitución Española), p.
264-265, 2003.
(138) DA CRUZ, Efrén Borrajo. Los supuestos ideológicos del derecho del trabajo. Revista de Política Social, Madrid, n. 57, p. 19, 1963.
(139) MARQUES, Rafael da Silva. Valor social do trabalho na ordem econômica, na Constituição brasileira de 1988. São Paulo: LTr,
2007. p. 104.
(140) Ainda que não economicamente. Cf. CORDEIRO, António Menezes. Manual de direito do trabalho, p. 150.
(141) Ibidem, p. 159.
(142) Ibidem, p. 160.
(143) HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Trad. Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Autónoma de México, 2001, reimp. 2003.
p. 254.
(144) Ibidem, p. 257.
28
O valor do trabalho, pois, está incrustado na cultura jurídica moderna(145) e, como tal, condiciona a
liberdade de empresa. E, mais, o trabalho se revela como instrumento de promoção social(146).
3.3. O princípio da valorização do trabalho na Constituição brasileira
O valor social do trabalho(147) e a valorização do trabalho humano(148) comportam, no entanto, diversos
desdobramentos na ordem jurídica(149).
Ricardo Antônio Lucas Camargo aponta, pelo menos, quatro consequências jurídicas em face desses
valores constitucionais. A primeira seria o descarte de interpretações infraconstitucionais que desprezam as
formas de ganho com o trabalho, ou seja, que valorizam o não trabalho(150). Não à toa, a própria Constituição
brasileira estabelece a necessidade de criação de programas de integração social dos portadores de necessidades
especiais (art. 227, § 1º, II), a profissionalização das crianças e adolescentes (art. 227, caput) e a qualificação
para o trabalho como meta da educação (art. 205, caput).
Nesta mesma trilha, vê-se a valorização do trabalho na própria Carta Magna, quando esta assegura a
usucapião especial (pro labore) de propriedade rural quando esta é produtiva pelo trabalho de seu possuidor ou
de sua família (art. 191) ou, ainda, quando descumpre a função social da propriedade quando seu proprietário
desrespeita as disposições que regulam as relações de trabalho (art. 186, IV).
A segunda consequência referida por Ricardo Antônio Lucas Camargo seria o descarte de “interpretações
conducentes a considerar as verbas pecuniárias decorrentes do esforço físico e/ou intelectual do trabalhador
como caridade que se faz a quem, quando e como se quer”(151). Tal consequência impede o labor gratuito (que
desvaloriza o trabalho na medida em que não o remunera), assegura a igualdade salarial e a consideração,
enquanto regra geral, que as vantagens percebidas são pro labore faciendo, isto é, decorrente do labor
prestado e não uma “liberalidade” ou fruto de caridade do tomador dos serviços.
É a partir do princípio do valor social do trabalho que se chega à interpretação, por exemplo, de que o
adicional de insalubridade visa a remunerar o trabalho desenvolvido em condições insalubres e não indenizar
o trabalhador pelos danos sofridos à sua saúde por trabalhar em tais condições.
Ricardo Antônio Lucas Camargo aponta, outrossim, como exemplo de valorização do trabalho humano,
o entendimento de incorporação das gratificações de chefia quando a função respectiva é exercida depois do
certo período laboral(152), entendimento este já consagrado pela Súmula n. 372, I, do TST(153), mas superado
em face do § 2º do art. 468 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 13.467/17(154).
A partir do princípio da valorização do trabalho, alcançamos, ainda, o entendimento de que devem ser
descartadas “quaisquer exegeses que fomentem o agravamento das desigualdades no seio da sociedade
brasileira”(155). Seria esta a terceira consequência referida por Ricardo Antônio Lucas Camargo. Esse
(145) LANDA ZAPIRAIN, Juan Pablo. Constitución y futuro del modelo español del derecho del trabajo del próximo siglo. Lan
Harremanak. Revista de Relaciones Laborales, Leioa (Espanha), n. 2, p. 157, 2000.
(146) DESPAX, Michel. O direito do trabalho. Trad. Yolanda Steidel de Toledo. São Paulo: Difusão Europeia, 1968. p. 20.
(147) Trabalho aqui tratado objetivamente, em si próprio.
(148) Trabalho aqui tratado subjetivamente, como expressão da pessoa humana.
(149) Interessante destacar que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia inovou na classificação dos direitos em categorias
de valores. Ao invés dos tradicionais direitos civis e políticos ou sociais e econômicos, por exemplo, preferiu agrupar os direitos em
valores fundamentais: dignidade, liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. Tal revela, pois, a importância dos estudos
dos valores agasalhados pelo mundo jurídico.
(150) CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Ob. cit., p. 55.
(151) Ibidem, p. 57
(152) Ibidem, p. 63.
(153) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 372. Res. 129/2005. Brasília, 20, 22 e 25 abr. 2005. Diário de Justiça. Disponível
em: . Acesso em: 4 out. 2017.
(154) BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.
5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de
1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial, Brasília, 2017. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 28 ago. 2017.
(155) Ibidem, p. 58.
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entendimento, aliás, decorreria do princípio da valorização do trabalho humano em sua vertente impeditiva
do retrocesso social, ao lado dos objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade justa
e solidária e livre de desigualdades sociais e da pobreza (art. 3º, I e III, da CF/88).
Por fim, a quarta consequência mencionada por Ricardo Antônio Lucas Camargo é a da desautorização
de medidas que “estimulem o aumento do exército de desempregados”(156). Tal decorreria, inclusive, do
princípio econômico da busca do pleno emprego (art. 170, VII, da CF).
Nesta mesma trilha, conforme doutrina, podemos mencionar que valorizar o trabalho humano é estabelecer
uma política para que haja mais trabalho (mais emprego) e melhor trabalho, inserindo nesta expressão “todas
as alterações fáticas que repercutam positivamente na própria pessoa do trabalhador (e. g., o trabalho exercido
com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com mais liberdade etc.)”(157).
Daí por que, concretamente, a partir do realce constitucional de proteção ao trabalho, é difícil compreender
até que ponto a tendência de flexibilização das leis trabalhistas “conduziria ao escopo da valorização do
trabalho humano”(158).
Não podemos, ainda, nos esquecer de que valorizar o trabalho humano, num sentido material, é retribuir
com dignidade o labor. E, como afirma Celso Ribeiro Bastos, o trabalho prestado mediante pagamento vil beira
ou tangencia à servidão, não sendo compatível com o atual estágio de desenvolvimento socioeconômico(159).
Enquanto valor superior do ordenamento, tal princípio, pois, obriga que o trabalho humano seja
merecedor de um tratamento regulador que garanta à pessoa física uma tutela básica ou essencial em sua
relação de trabalho.
Contudo, preferimos adotar as lições de Robert Alexy de modo a extrair do princípio constitucional
do valor social do trabalho humano (assim como de qualquer outro princípio constitucional, de um modo
geral) dois grandes grupos de direitos: os direitos de defesa (direitos a omissões) e os direitos a prestações
(comportamento positivo), tal como já delineados no capítulo anterior. E, relembrando, os direitos de defesa
(direitos a omissões) subdividem-se em: a) direitos a que não se impeça ou obstaculize determinadas ações do
titular do direito; b) direitos a que não se afete determinadas propriedades ou situações do titular respectivo;
e c) direitos a que não se elimine determinadas posições jurídicas do titular. Já os direitos a prestações
(comportamento positivo) dividem-se em: a) direitos à proteção; b) direitos à organização e procedimentos; e
c) direitos a prestações em sentido estrito (direitos a prestações fáticas)(160).
Ressalte-se, ainda, que os direitos à organização e procedimentos (alínea b) são subdivididos em: 1)
competências de direito privado; 2) procedimentos judiciais e administrativos (procedimentos em sentido
estrito); 3) organização em sentido estrito; e 4) formação da vontade estatal. Já a subcategoria organização
em sentido estrito (subitem 3) divide-se em: a) direito a uma legislação; b) direito a atos administrativos
perante o Poder Executivo; e c) direito perante o Poder Judiciário(161).
Pois bem. A partir dessa classificação, tendo em vista o princípio da valorização do trabalho humano
e o direito a que não se impeça ou obstaculize determinadas ações do titular do direito, pode-se dizer que
alguém tem ante outrem um direito a que este não dificulte a tutela de seu bem jurídico trabalho. Esta ação
de intervenção, por exemplo, poderia ser feita pelo estabelecimento de requisitos inapropriados para acesso
ao trabalho, por parte do Estado ou mesmo pelos órgãos profissionais respectivos (OAB, CFM etc.). Nestas
hipóteses, quando abusivos os requisitos, ter-se-á como ferido o princípio da valorização do trabalho ao se
criar obstáculos a determinadas ações do titular do direito a ser protegido ou valorizado.
(156) Ibidem, p. 68.
(157) PETTER, Lafayete Josué. Ob. cit., p. 154.
(158) Ibidem, p. 159.
(159) BASTOS, Celso Ribeiro. Direito econômico brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 75.
(160) ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales (CEPC), 2002.
(161) ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales (CEPC), 2002.
30
Da mesma forma, tendo em vista os direitos a que não se afete determinadas propriedades ou situações
do titular respectivo, pode-se afirmar, por exemplo, referindo-se ao emprego de uma pessoa, que esta tem o
direito a que o Estado não afete a sua condição de empregado; em outras palavras, alguém tem o direito a
que o Estado não pratique qualquer ato que, de alguma forma, afete o seu emprego.
Igualmente, ainda perante o direito de defesa, temos aqueles relacionados à não eliminação de determi-
nadas posições jurídicas do titular. Neste caso, pode-se citar o seguinte exemplo hipotético: a Lei n. 8.036/90
veio a regulamentar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e, pelas suas disposições, percebe-se a nítida
vocação para dar concretude ao direito social da moradia. No seu art. 20, V, estabeleceu-se, como possibilida-
de de movimentar a conta vinculada, entre as outras hipóteses previstas nos demais incisos, o “pagamento de
parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro
de Habitação — SFH, [...]”, de acordo com as condições ali traçadas. Outra possibilidade foi prevista no art.
20, VII, “para pagamento total ou parcial de preço da aquisição de moradia própria, [...]”, observadas as con-
dições ali mencionadas(162). Imagine-se, então, que o Estado venha a revogar estes dois dispositivos, ficando,
assim, o empregado impossibilitado de movimentar a sua conta vinculada para pagar prestações do Sistema
Financeiro de Habitação ou para adquirir moradia própria.
Neste exemplo, estar-se-ia diante de uma hipótese de inconstitucionalidade do ato estatal que eliminou
uma faculdade que tinha o empregado com relação à conta vinculada de FGTS e que terminou por afetar o
seu direito social fundamental da moradia. Mas não só o direito à moradia. Pode-se, ainda, afirmar que se
houver alguma alteração para pior, estar-se-á agindo de modo contrário à valorização do trabalho.
Já quanto aos direitos a prestações (comportamento positivo), temos, inicialmente, o direito à proteção,
isto é, os direitos subjetivos dos cidadãos a exigirem do Estado providências normativas, administrativas e
materiais para salvaguardar os empregados da atuação lesiva de terceiros. É o que a ocorreu com a Lei n.
13.429/17(163), ao dar nova redação ao art. 10, § 7º, da Lei n. 6.019/74(164), para estabelecer a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços pelo pagamento dos créditos do trabalhador terceirizado(165).
Outrossim, pode-se relembrar, inclusive por ser norma constitucional, que cabe ao Estado fiscalizar
a aplicação da legislação do trabalho (art. 21, inciso XXIV, da CF). Esse dispositivo, pois, gera o direito a
providências normativas, administrativas e materiais para salvaguardá-los da atuação lesiva de terceiros.
Em relação aos direitos à organização e procedimentos, relembremos que eles se dividem em: 1)
competências de direito privado; 2) procedimentos judiciais e administrativos (procedimentos em sentido
estrito); 3) organização em sentido estrito; e 4) formação da vontade estatal.
Quanto à competência de direito privado, estes são os direitos perante o Estado para que este formule
normas que são constitutivas para as ações jurídicas de direito privado. Isso porque há numerosos direitos
fundamentais que pressupõem a existência de institutos jurídicos de direito privado. Assim, por exemplo, tendo
em vista o princípio da valorização do trabalho humano, formula-se a seguinte indagação: de que adianta um
direito fundamental ao trabalho se não existem normas que possibilitem ter acesso ao emprego como por
meio de regras que incentivem a contratação de empregados, que desonerem a folha de pagamento etc.?
Quanto aos procedimentos judiciais e administrativos (procedimentos em sentido estrito), pode-se
mencionar o direito de defesa quando ao empregado é imputado um ato faltoso. Aqui se pode falar, inclusive,
na aplicação do princípio do devido processo legal nos atos relacionados à despedida do empregado.
(162) BRASIL. Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências.
Diário Oficial, Brasília, 1990. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2017.
(163) BRASIL. Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação
de serviços a terceiros. Diário Oficial, Brasília, 2017. Disponível em:
L13429.htm>. Acesso em: 4 out. 2017.
(164) BRASIL. Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras
Providências. Diário Oficial, Brasília, 1974. Disponível em: . Acesso em: 26 set.
2017.
(165) BRASIL. Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação
de serviços a terceiros. Disponível em: . Acesso em: 4
out. 2017.
31
No que se refere aos direitos à organização em sentido estrito, cabe relembrar que estes se dividem em:
a) direito a uma legislação; b) direito a atos administrativos perante o Poder Executivo; e c) direito perante o
Poder Judiciário.
Aqui se pode falar no direito à legislação reguladora de diversos direitos sociais do trabalho elencados no
art. 7º da CF, de modo a se valorizar o trabalho humano.
Pode-se citar o direito de exigir do Estado o estabelecimento de providências administrativas para a busca
do pleno emprego, valorizando-se o trabalho, ou mesmo se exigir que o Poder Judiciário faça valer o princípio
do valor social do trabalho humano, seja no exercício de sua atividade substitutiva, sanando omissões das
pessoas obrigadas, seja interpretando as normas de forma a prevalecer o valor maior em comento.
Temos, ainda, o direito à formação da vontade estatal. Tais direitos dizem respeito à obrigação do
Estado, por meio da legislação ordinária, de criar facilidades procedimentais para que se possibilitem uma
participação na vontade estatal. Em suma, de que adianta o direito de votar se não há normas e organizações
que possibilitem o exercício do direito de voto?
No Brasil, pode-se lembrar do disposto no art. 10 da Constituição Federal, que assegura a participação
dos trabalhadores e empregadores nos colegiados de órgãos públicos em que seus interesses sejam objeto de
discussão e deliberação. Logo, há o direito para assegurar essa participação de modo a se poder participar da
formação da vontade estatal quando da discussão e deliberação sobre interesses que afetam os trabalhadores.
E, em assim agindo-se, estar-se-á valorizando o trabalho humano. E é o que veio a ocorrer nos termos da Lei
n. 13.467/17, ao acrescentar os arts. 510-A a 510-D na CLT(166).
Por fim, quanto aos direitos a prestações em sentido estrito (direitos a prestações fáticas), temos o direito
de satisfação material do bem trabalho protegido constitucionalmente, a exemplo, do direito à percepção
do seguro-desemprego (ainda que não haja lei regulamentando esse benefício), do direito ao aviso-prévio
proporcional (ainda que não regulamentado em lei) etc.
Aliás, neste sentido, cabe mencionar que o STF, de há muito, no Mandado de Injunção n. 721, suprimindo
a omissão legislativa e reconhecendo o direito subjetivo que decorre do texto constitucional, acolheu o pedido
formulado na referida ação, para, de forma mandamental, adotando o sistema do Regime Geral de Previdência
Social (Lei n. 8.213/91, art. 57), assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial de que trata o § 4º
Na espécie, a impetrante, auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora
a que se refere o art. 40, § 4º, da Constituição Federal, a fim de possibilitar o exercício do seu direito à
aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade considerada insalubre.
Salientando o caráter mandamental e não simplesmente declaratório do mandado de injunção, decidiu-se
que cabe ao Judiciário, por força do disposto no art. 5º, LXXI, e seu § 1º da CF, não apenas emitir certidão de
omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando
as consequências da inércia do legislador.
Tal decisão, pois, consagra o entendimento de que da Constituição Federal decorrem direitos subjetivos
que, quando não satisfeitos pelos sujeitos obrigados (inclusive pelo Legislador omisso), devem ser efetivados
por atuação do Poder Judiciário.
(166) BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.
5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de
1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial, Brasília, 2017. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 28 ago. 2017.
(167) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 721. Rel. Min. Marco Aurélio. Diário de Justiça, Brasília, 30 ago.
2007. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2017.

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