A ICANN e a regulamentação dos nomes de domínio
Autor | Luciana Batista Esteves |
Páginas | 148-170 |
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ccTLD - Country Code Top Levei Domain
DARPA - Defense Advanced Projects Research Agency
ERDRP - Eligibility Requirements Dispute Resolution Policy
gTLD - Generic Top Levei Domain
IANA - Internet Assigned Numbers Authority
ICANN - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
IP - Internet Protocol
MoU - Memorandum of Understanding
OMPI - Organização Mundial da Propriedade Intelectual
UDRP - Política Uniforme de Resolução de Litígios
No presente estudo pretendemos decifrar um ponto que consideramos essencial para a análise do direito e da sociedade da informação: o sistema de nomes de domínio.
Ao analisar a origem e estrutura dos nomes de domínio, seremos capazes de compreender grande parte do fenómeno da Internet e das matrizes que formam essa nova concepção social, na medida em que, nas palavras da Profa. Maria Eduarda Gonçalves, o surgimento da sociedade da informação relaciona-se decisivamente com o desenvolvimento do computador1.
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Sob um enfoque global, buscaremos esclarecer a intrincada composição e formação da rede mundial de computadores através do sistema de nomes de domínio, delimitando a atuação do ICANN - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers e a legitimidade de suas regras perante a comunidade internacional.
Veremos também o funcionamento do sistema de nomes de domínio, suas particularidades e importância. Adicionalmente, analisaremos as disputas envolvendo a aplicação das regras editadas pela ICANN e solucionadas por meio de seus órgãos credenciados.
Deste modo, no presente estudo, em primeiro plano, vamos delimitar a parte estrutural do sistema de nomes de domínio, bem como a sua relação com a própria Internet. De outro lado, nos deteremos ao registro desses nomes de domínio pelos utilizadores da Internet e da aplicação das regras que visam solucionar os conflitos daí resultantes.
A Internet tem sua origem por volta de 1960, quando os grandes centros militares norte-americanos tinham seus computadores interligados por um sistema chamado ARPANET (Advanced Research Pro-jects Agency), desenvolvido pela Agência de Pesquisa e Projetos Avançados do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, cuja sigla em inglês é DARPA, em conjunto com a University of Califórnia at Los Angeles (UCLA), sob comando do Dr. Jon Postei, responsável pela manutenção e desenvolvimento da rede.
Aproximadamente 10 anos após o ARPANET, quando outras agências do governo americano, universidades e centros de pesquisa também estavam conectados, criou-se um novo sistema de comunicação de computadores chamado Transmission
Control Protocol/Internet Protocol (TCP/ IP), no qual cada computador conectado recebe uma identificação numérica separada por pontos, que permite sua localização pelos demais.
Esse novo sistema também foi mantido e desenvolvido pelo Dr. Jon Postei, nessa altura estabelecido na University of Southern Califórnia (USC). Desse núcleo nasceu a IANA, ou Internet Assigned Numbers Authority, a primeira "organização" da Internet, responsável pela gerência e manutenção da rede, cuja existência era muito mais uma consequência da criação da Internet do que um órgão formalmente constituído.
Não obstante ser eficaz para computadores, o sistema IP não é amigável para os utilizadores. Daí porque, por volta de 1980, criou-se o Sistema de Nomes de Domínio, no qual os endereços numéricos dos computadores são decodificados para um endereço alfanumérico, como usamos hoje.
Em 1992, o Congresso norte-america-no permitiu que a rede fosse também usada para fins não militares e em 1993 surge a chamada www-world-wide web, que utiliza hipertextos na navegação.
Com o crescimento do número de computadores conectados, e tendo a Internet alcançado um número muito grande de utilizadores, o presidente norte-americano Bill Clinton determinou que o Departamento de Comércio norte-americano privati-zasse a gerência de todo o sistema, em um documento denominado A Framework for Global Electronic Commerce,2 em 1997.
Em obediência à ordem presidencial, o mencionado Departamento firmou um acordo chamado Memorandum of Under-standing (MoU), segundo o qual o sistema de nomes de domínio e o IP seriam geren-ciados por uma organização sem fins lucrativos denominada Internet Corporation
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for Assigned Names and Numbers (doravante ICANN).
Em 1999, transcorrido o período de transição necessário para sua composição, a ICANN e a University of Southern Califórnia assinaram um acordo efetivando a transferência das funções, e esclarecendo que a Universidade tinha operado a IANA como um projeto de pesquisa sobre o uso de tecnologia concedida pela agência americana DARPA (Defense Advanced Pro-jects Research Agency).
Assim, temos as raízes históricas da formação do sistema de nomes de domínio, e de certa forma com Internet tal qual utilizamos hoje, como passamos a verificar.3
A Internet pode ser definida como a "rede das redes". Isto significa que estamos tratando de um conjunto de computadores interligados em uma rede mundial, em contraponto às redes locais, normalmente denominadas intranets.
É no âmbito desta rede de computadores conectados pelo mundo que se trava a troca de informações no seu sentido mais amplo. E, por isso, ela é também conhecida como ciberespaço.
Conforme Pierry Levy, o ciberespaço, o que ele também chama de rede, é o novo meio de comunicação que surge da interco-nexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo4.
Em outras palavras, o ciberespaço, de que a Internet é a principal expressão, constitui o novo meio de comunicação que emerge da interconexão mundial dos computadores.5
Ocorre que essa comunicação entre os computadores conectados à Internet só é possível na medida em que cada um deles é plenamente identificado.6
Atualmente, conforme referenciado acima, o elemento que faz essa identificação é o IP (Internet Protocol), que nada mais é que um conjunto de números separados por pontos.
Como esse caráter numérico do IP não facilita o seu emprego pelas pessoas, dada a dificuldade de memorização, foi criado o chamado sistema de nomes de domínio,7 que transforma caracteres alfanuméricos, especialmente palavras, em números correspondentes ao IP dos computadores. O sistema de nomes de domínio se sobrepõe ao IP.8
Deste modo, em termos estruturais, temos que a Internet, tal como utilizamos hoje, só existe porque os computadores localizados nas diversas partes do mundo conseguem se encontrar, seja pelo nome de domínio, seja pelo próprio IP.9
O nome Internet vem de internetwork-ing (ligação entre redes). Embora seja geralmente pensada como sendo uma rede, a Internet na verdade é o conjunto de todas as redes e gateways que usam protocolos TCP/IP. Note-se que a Internet é o conjunto de meios físicos (linhas digitais de alta
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capacidade, computadores, roteadores, etc.) e programas (protocolo TCP/IP) usados para o transporte da informação.10
Daí podemos concluir que aquele que gerência estes sistemas, controla, em termos estruturais, a Internet. Por exemplo, se A é responsável pela atribuição dos IPs e dos nomes de domínio aos utilizadores, A pode determinar quais os computadores podem integrar a rede; por exemplo, se não disponibilizar à um IP ou nome de domínio, B poderá até acessar a rede, mas não conseguirá ter um site.
Na realidade, costuma-se afirmar que a Internet não tem dono e, nas palavras do Prof. Coutinho de Abreu, foram precisamente a ausência de proprietário da rede e a sua natureza descentralizada que contribuíram para o renascer do sonho de uma comunidade harmoniosa à escala planetária11
Mas a verdade é que essa harmonia não teve longa duração: percebeu-se logo uma vasta gama de conflitos envolvendo a grande rede, tais como violações à privacidade, aos direitos intelectuais, derivados do comércio on-line, etc. Hoje, a liberdade, auto-regulação ou heterorregulação é tema bastante discutido12 no meio académico.
Isto porque a Internet tem umproprie-tário. Ou melhor, a parte estrutural da Internet, sua gerência e delimitações, tem comando, tem dono: os Estados Unidos da América. Vejamos.
Conforme visto acima, o sistema de nomes de domínio e o IP são as formas pelas quais os computadores se localizam na Internet; eles são sua parte estrutural. Tanto um quanto o outro são coordenados por um conjunto de entidades, todas sob a tutela da ICANN, que, por sua vez, está sob o comando dos Estados Unidos da América.
A ICANN é uma empresa sem fins lucrativos constituída segundo a legislação norte-americana, e é hoje responsável, entre outras funções,13 pela implementação e gerência dos endereços IP e do sistema de nomes de domínio, inclusive no que tange a delegação de funções aos Registros e Agentes de Registros, Providers, adoção de políticas...
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