O Princípio da Soberania dos Estados Face ao Direito Internacional do Ambiente

AutorSilvana Colombo
CargoFaculdade Dom Alberto (UNOESC), Faculdade da Serra Gaucha (FSG)
Páginas5-11

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1 Introdução

Os Tratados de Paz de Westfália documentaram a existência de um novo tipo de Estado - o Estado Moderno - cuja nota característica essencial é a soberania. No final da Idade Média, os príncipes soberanos ou monarcas já eram detentores de um poder centralizado, não sujeito a qualquer tipo de restrição. O que se verifica é que a afirmação de um poder soberano no sentido de supremo e absoluto se constituiu na base de formação do Estado Moderno.

O conceito de soberania e, portanto, da qualificação de soberano dada ao Estado desempenha um papel decisivo na solidificação do Princípio da Territorialidade, assim como o da centralização do poder. A partir do uso da força sobre um determinado território e população e do monopólio do direito, estrutura-se uma forma de organização do poder centrada numa autoridade legal suprema, detentora do poder originário, livre de intervenção interna ou externa.

Deste ponto de vista, a soberania é utilizada para definir e distinguir o poder Estado no plano interno do poder de outras autoridades e para identificá-lo como único centro de comando, capaz de impor normas aos membros da sociedade. Deu também condições, no plano externo, de o Estado assegurar sua independência absoluta em relação às potências estrangeiras, já que é detentor de um ordenamento próprio.

A dificuldade de tratar questões como a interdependência econômica, social e política a partir da soberania é latente na sociedade internacional. Isto ocorre em razão da ambigüidade e imprecisão do conceito de soberania e também pela impossibilidade de o Estado apresentar-se como único centro de poder. Por isso, a importância de estudar a soberania num primeiro momento enquanto força definidora e legitimadora do poder estatal.

2 O Princípio da Soberania dos Estados

A construção sistemática do conceito de soberania e principalmente a idéia de absolutização e perpetuidade desta é atribuída a Jean Bodin. A teoria da soberania do jurista francês teve sua formulação inicial na obra Método para Fácil Compreensão da História (1566), sendo claramente esboçada em Seis Livros da República (1576).

O primeiro aspecto importante a considerar é o que se refere ao termo República, utilizada por Bodin na obra acima referida, muito embora a palavra Estado já se fazia presente no século XVI na literatura política/jurídica. Para Jean Bodin, o termo República significava um reto governo, de várias famílias, e do que lhe é comum, com poder soberano (BODIN, 1992).

A par disso, República possui sentido de Estado e/ou de sociedade politicamente organizada, necessariamente submissa a uma mesma autoridade soberana. A soberania assegura a unidade e coesão desta sociedade e seu detentor deve estar acima das leis civis, o que

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implica na liberdade destas leis de acordo com a vontade do soberano. Define-se, então, a soberania como poder perpétuo e absoluto de uma República.

O significado teórico da obra de Bodin para o direito político moderno não é outro senão de atribuir um caráter sistemático na discussão sobre Estado, o que se concretiza pela recuperação do processo de desenvolvimento, dos fundamentos teóricos e dos princípios que deram sustentação para a existência da soberania como elemento indispensável à organização da sociedade política.

A soberania atribuída ao Estado apresenta dupla significação na teoria bodiana. Uma noção normativa, no sentido de que este poder soberano inclui o monopólio da força, o direito de legislar e aplicar a lei, ou seja, ele designa as aspirações do poder do Estado. É também um conceito descritivo, usado como elemento caracterizador do poder estatal.

Tudo isto esclarece que a soberania está ligada a uma concepção de poder, a "um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência" (REALE, 2002). O que se verifica é que a soberania como expressão da unidade de uma ordem ou como uma qualidade essencial do Estado adquire contornos definidos na teoria de Bodin, ou seja, a soberania é um poder superior, incondicionado e ilimitado.

A afirmação da soberania enquanto poder absoluto e perpétuo é um dos fundamentos do Estado moderno. Enquanto poder perpétuo o exercício da soberania não está submetido a um tempo determinado, ou seja, não sofre restrição de ordem cronológica. Deste modo, estabelecido que o caráter perpétuo da soberania signifique a continuidade do poder no tempo, pode-se inferir que tal adjetivo está intrinsecamente ligado ao poder público, independentemente de quem o assume.

Quanto ao adjetivo absoluto, significa um poder ilimitado no tempo, que não sofre restrições nem pelo cargo e nem por outro poder. Assim, conceito de soberania, enquanto poder absoluto indica que ao poder soberano são atribuídas as seguintes notas características: superior, independente, ilimitado e incondicionado.

Em primeiro lugar, diferentemente do poder subordinado, a soberania é independente, porque o seu possuidor tem total liberdade para agir no campo do direito positivo.

Assim como o papa não tem suas mãos atadas, como dizem os canonistas, tampouco o príncipe soberano pode ter suas mãos atadas, mesmo se o desejar (BODIN, 1992, p. 192).

Deve-se ter presente, em segundo lugar, que o poder soberano é superior porque quem detém o poder supremo encontra-se numa posição de superioridade ou não está em condições de igualdade em relação aos demais poderes. E, como afirma Bodin (1992, p.191) "é preciso que os soberanos não estejam submetidos aos comandos de outrem".

Em decorrência desse poder absoluto e perpétuo do Estado, emanam direitos de ordem exclusiva do soberano (ou soberania), que somente podem ser exercidos por seu titular ou possuidor. Assim, decorre da soberania o direito de declarar a guerra ou negociar a paz; o direito de instituir moedas; o direito de julgamento em última instância; o direito de conceder graças ao condenado e o direito de instituir e também de cobrar impostos.

Entretanto, Bodin (1992) não descarta os limites de ação do soberano, o que isto significa dizer que seu detentor não possui um poder arbitrário. Se por um lado, o soberano não se sujeita às limitações das leis civis, que resultam da sua vontade, por outro lado, diante da lei divina não pode transgredi-la, porque enquanto expressão da vontade de Deus, ela é superior e fundamenta o poder soberano.

Um aspecto importante a ser mencionado é o que se refere à justificação e titularidade da soberania. A explicação da origem do poder soberano e a justificação do sujeito do direito de soberania no Estado têm como aporte teórico duas teorias: as teorias teocrática e democrática.

As teorias teocráticas predominaram no fim da Idade Média, no momento em que se esboçava a soberania como elemento essencial do Estado Moderno. Elas têm como base em comum a afirmação de que todo o poder vem de Deus.

Já as teorias democráticas sustentam que a soberania origina-se do povo. Apresentam três variações: na primeira, o titular da soberania é o povo, situado fora do e Estado. Num segundo momento, a partir da Revolução Francesa, é atribuída à nação a titularidade da soberania. E, por último, a consolidação do Estado como titular do poder soberano.

A doutrina da soberania popular encontra em Hobbes e Rousseau seus defensores. A referida doutrina tem como fundamento o princípio democrático, a igualdade política e o sufrágio universal. Cada indivíduo detém uma parcela da soberania, que o permite participar ativamente na escolha de seus representantes, tanto que Rousseau afirma se o Estado é composto de dez mil cidadãos, cada um terá a décima milésima parte da autoridade soberana (ROSSEAU, 2003).

No período da Revolução Francesa (1789), a doutrina democrática fez prevalecer a doutrina da soberania nacional, ou seja, o indivíduo como titular de uma fração da soberania cede espaço para a Nação, titular exclusiva do poder soberano. Isto é, a nação enquanto detentora da soberania a exerce por meio de seus representantes1.

Assim, a significação da...

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