Princípio da dignidade da pessoa humana e liberdade religiosa

AutorClaudia de Cerjat Bernardes
CargoAnalista Judiciário - Bacharel em Direito pela faculdade de Direito de Curitiba especializanda em Direito Constitucional
1. Introdução

Falar do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tema que está sendo tão discutido em todas as áreas do direito pátrio e também do direito internacional, principalmente nos últimos dez anos e que já possui livros de autores renomados a discutir tão somente esse tema, e ter a pretensão de conseguir trazer alguma novidade parece tarefa até um pouco ousada, mas a análise que se pretende fazer a esse princípio é à luz do tema da liberdade religiosa, e quem sabe sob esse recorte ainda exista alguma chance para uma análise nova.

A liberdade religiosa, embora seja uma conquista da modernidade, e esteja prevista em todas as cartas Constitucionais que garantem direitos fundamentais, não possui no direito pátrio, uma discussão doutrinária de peso. Isso talvez se deva ao espaço muito significativo que a Igreja sempre deteve junto às instituições de ensino no país, sendo que na prática, o que se pode observar é que nesse final de século XX e início de século XXI a Academia no Brasil, principalmente no que se refere à área das ciências jurídicas, afastou-se de certa forma das discussões acerca das questões que envolvessem temas relacionados à religião.

Penso que o “fôlego” já foi tomado, o afastamento da temática relacionada à religião já teve seu espaço. As questões relacionadas à liberdade religiosa precisam ser reincluídas nas discussões do direito brasileiro. A isto o presente artigo se propõe.

2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Inicialmente, cumpre salientar que a dignidade é uma característica intrínseca do ser humano, da pessoa humana, e sendo assim, é irrenunciável, e inalienável. Constituindo elemento ontológico, não pode ser postulada; mas pode e deve ser protegida, reconhecida e respeitada, não tendo, entretanto, como ser criada ou retirada, já que faz parte do ser humano.

Um elemento que é essencial à noção de dignidade é a autonomia e o direito de autodeterminação de cada pessoa. Essa noção desde já pode ser extraída do artigo 1º. Da Declaração Universal da ONU de 1948 segundo o qual “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Neste sentido se manifestou o Tribunal Constitucional da Espanha, inspirado na supra-citada declaração “a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais.

Esta liberdade tem que ser considerada em abstrato, pois senão, desde logo, excluiríamos desta noção os absolutamente incapazes, por não conseguirem exprimir sua vontade, o que desvirtuaria a idéia de dignidade, pois se todo ser humano possui dignidade, a questão de sua concretização, embora elemento importante, não pode adquirir caráter de essencialidade, pois seria desde logo um elemento de exclusão, o que sem dúvida desvirtuaria o caráter do instituto.

A dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa para os poderes estatais. Quando discute esta questão SARLET coloca que:2:

Na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, portanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado (este sendo considerado o elemento fixo e imutável da dignidade). Como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente (a dignidade) da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade (este seria, portanto , o elemento mutável da dignidade).

Já temos aqui salientado uma dimensão dúplice da dignidade da pessoa humana, é por um lado uma expressão da autonomia de cada ser individual, mas possui a necessidade de ser protegida pela comunidade ou pelo Estado quando o indivíduo não possui condições de realizá-la por si próprio, ou quando necessita da concorrência do Estado para fazê-la em sua plenitude.

Ocorre que a dignidade da pessoa humana tem um outro aspecto que precisa ser mais detalhadamente observado, com ênfase no objeto de estudo que se faz aqui presente.

Quando se trata da questão da liberdade religiosa, não há como se deixar de analisar a dignidade da pessoa humana sem que se faça uma contextualização histórico-cultural da dignidade em relação a certas especificidades culturais, que embora atentatórias para a maior parte da humanidade, são consideradas legítimas para os sujeitos que as professam

Quando se discute dignidade da pessoa humana sob o recorte histórico cultural, há que se verificar que o mundo hoje possui aspectos culturais diversos, diversidades culturais marcantes.

Não há como se ter um conceito de dignidade como universal, que seja válido para todas as pessoas, em todos os lugares. Como se pode pensar num consenso em termos de dignidade a nível mundial, quando sabemos que há tantas divergências de valores, pensamentos, atos e condutas realizados pelo sujeito ao redor do mundo.

Nessa linha de entendimento situa-se Dworkin, quando sustenta o direito das pessoas de não serem tratadas de forma indigna, mas sim de acordo com suas especifidades culturais, seus padrões de dignidade que variam de acordo com suas convenções, sua época e local. 3

3. A Questão Religiosa- uma primeira aproximação

As questões relacionadas à fé e a religião também precisam ser entendidas dentro de um contexto histórico, dentro da cultura em que se inserem, sob pena de esvaziar-se seu conteúdo fundamental. Há literalmente fenômenos dos mais diversos em termos de práticas relacionadas com temas de fé e religião.

O fenômeno religioso é universal. Em todos os tempos, lugares e povos encontramos tal fenômeno. Esta afirmação é atestada pela etnologia e pela história das religiões. Cícero já dizia “Não há povo tão primitivo, tão bárbaro, que não admita a existência de deuses, ainda que se engane sobre a sua natureza.”4Sendo assim, sempre houve a preocupação com a religiosidade, e com ela, é claro, questões de poder apareceram.

Após anos de envolvimento entre questões políticas e religiosas, num intrincado relacionamento entre o Estado e a Igreja, finalmente, a liberdade religiosa surge como uma das conquistas das liberdades políticas e da construção do Estado moderno...

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