Direitos humanos e democracia como fundamentos de uma nova ordem internacional

AutorManoela Carneiro Roland
CargoDoutora em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ). Professora adjunta da Faculdade de Direito ? UFJF. Departamento de Direito Público Material ? UFJ
Páginas164-190
Direitos Humanos e Democracia
como Fundamentos de uma
Nova Ordem Internacional
Manoela Carneiro Roland*
1. Introdução
O ponto de partida para a análise aqui proposta é a grande dependên-
cia existente entre a vontade dos Estados, e a constituição, tanto do plano
de produção normativa, como da elaboração das normas internacionais
propriamente ditas. Esta relação tão estreita, e para muitos, contraditoria-
mente1, um dos maiores obstáculos para uma expansão ético-normativa do
Direito Internacional, repousa no princípio da soberania do Estado, com-
preendido como elemento necessário e legitimador do reconhecimento
mútuo entre os principais atores do sistema internacional. Este processo,
oriundo de um fenômeno único para a modernidade ocidental, traz este
ator prodigioso, o Estado-nação, para o foco das transformações em curso
e a própria titularidade das mesmas. Ou seja, a própria subjetividade em
* Doutora em Direito Internacional e da Integração Econômica (UERJ). Professora adjunta da Faculdade de
Direito – UFJF. Departamento de Direito Público Material – UFJ. E-mail: manoelaroland@yahoo.com.br
1 A partir do chamado Direito Internacional Clássico, tendo como marco simbólico a Paz de Westphalia,
estabelecida ao f‌inal da Guerra dos Trinta Anos, em 1648, consagraram-se as bases de expansão do
próprio Direito Internacional, mas, também, os seus limites de transposição éticos e valorativos. Diz-
se “contraditoriamente”, pois a partir da consagração do princípio do voluntarismo estatal, mediante o
estabelecimento do Sistema Europeu de Estados o Direito Internacional se torna possível, entretanto,
segundo o padrão westfaliano, o fundamento de legitimidade das normas passa a ser a vontade dos Estados
e a sua soberania alcança a posição, para muitos autores, de núcleo fundamental, constitucional, da ordem
internacional. Este processo não admitiria grande relativização da vontade estatal, com a imposição de
condutas baseadas nos Direitos Humanos, por exemplo, o que seria capaz de limitar, potencialmente, o
movimento de pura realização do pretenso “interesse nacional”.
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si, como agente de transformação maior da cena pública, seja nacional, in-
ternacional, ou transnacional passa a ser a do padrão exercido pelo Estado-
-nação. A sua relação com os súditos ou cidadãos, por sua vez, também
inaugura, sob o véu da modernidade, a dimensão da individualidade, em
si mesma e em uma dinâmica de contraposição ao Estado.
O tipo de Direito Internacional que se difunde e tem seus pilares prin-
cipais até hoje muito inf‌luentes para as bases de sustentação das insti-
tuições internacionais é o chamado Direito Internacional Clássico, cujas
principais características são: o Estado como principal sujeito de Direito;
ser um direito de coexistência; a guerra como padrão de solução de conf‌li-
tos; sociedade homogênea, plano relacional de produção normativa como
proeminente2. Desta forma, a manifestação mais presente no Direito Inter-
nacional Público, a partir de agora DIP, são as normas dispositivas gerais,
passíveis de revogação por meros acordos particulares. Daí um movimento
presente, hoje, no Direito Internacional, em prol da codif‌icação daque-
les costumes e princípios aceitos como imperativos, transformando-os em
normas cogentes.
Um aspecto a ser salientado é que há questões que devem sempre guar-
dar sua perspectiva regional e local, mas a realidade internacional, hoje,
mais do que nunca, exige uma crescente interação entre esses três níveis, o
local, o internacional e o transnacional, através de mecanismos institucio-
nais que possam formar um f‌luxo de informações e elos participativos e de
representação para uma maior harmonização e reconhecimento do Direito
Internacional.
Assim, para se entender o processo de institucionalização próprio do
Direito Internacional deve-se analisar a relação existente entre as chamadas
estruturas relacional, institucional e comunitária. Essa dinâmica também é
inf‌luenciada pela aparente contradição entre o princípio da soberania e o
da cooperação pacíf‌ica, dispostos na Resolução 2625 (XXV) e que perpas-
sam cada uma dessas estruturas.
Velasco3 descreve a estrutura relacional ou “horizontal” como sendo
a formada pelo núcleo histórico ou originário das relações inter-estatais e
regula coexistência entre esses poderes, isto é, a perspectiva analítica tem
como ponto de partida o Estado e as suas relações. Já a estrutura institu-
2 VELASCO, 1999.
3 VELASCO, 1999, p. 67.

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