A humanização e a formação dos médicos e dos profissionais da saúde

AutorValdir Cimino
Páginas127-154
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS
MÉDICOS E PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Diante de um tema de tamanha importância para todos os profissionais
da área de saúde, a sua formação profissional, que, aliás, cumpre dizer, segue
atualizando-se por toda a vida, permitimo-nos iniciar estas linhas com as
palavras empreendidas pelo Dr. Adail Almeida Rollo, que discorreu sobre
o tema “O Futuro da Política de Humanização Brasileira” enquanto um de
nossos convidados nos debates organizados pelo Programa Conexão Médica
em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver.66
Ao expor sobre a progressão do pensamento humano diante das
mudanças dos paradigmas científicos, o Dr. Adail nos lembra que foi ao
final do Renascimento que o homem separou o estudo da filosofia do
método científico, fazendo com que, consequentemente, se separassem
razão e emoção. O médico deixa de ser um médico atento aos temas
filosóficos e matemáticos, entre outros, que sempre o possibilitaram
expandir a forma como seus pensamentos se desenvolviam, tanto quanto
a compreensão que tinha do mundo.
66 VIVA HUMANIZAÇÃO. O futuro da política de humanização brasileira. Palestrante: Dr.
Adail Almeida Rollo. Vídeo (01:07:18s). Disponível em:
watch?v=7ooT2vS2IGc>. Acesso em: 14 dez. 2014.
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VALDIR CIMINO
O profissional passa, a partir de então, a separar a emoção do
corpo, como se este vivesse em separado daquela. Hoje, sabemos, a
emoção entre tantos outros aspectos subjetivos que formam o humano
influencia sobremaneira seu estado de saúde. Ato contínuo, o Dr. Adail
seguiu expondo que do ponto de vista do processo cartesiano de pes-
quisa, passou a haver uma espécie, pode-se assim dizer, de fragmentação
do corpo humano, justamente para se aprofundar o conhecimento e,
por essa premissa, segue perdendo a dimensão do todo, em especial a
dimensão do afeto que efetivamente move o ser humano.
Daí que o nosso convidado conclui dizendo que o homem não é
só razão, e também não é só emoção: é razão e emoção conjuntamente
formando o todo, em que pese diante da realidade se verificar que sejam
tratadas de forma dicotômica. Nesse momento o debate trouxe à tona
em nossa colação as experiências que temos tido à frente da Associação
Viva e Deixe Viver, em especial quando vivenciadas com os residentes
de medicina, em que se torna clara a necessidade de se olhar para o ser
humano como um ser integral.
Convém pensarmos na atualidade e percebermos o quanto, mesmo
nas faculdades, o jovem está muito ligado ao sistema cartesiano, à
especialidade em si, não aventando nem mesmo em hipótese ter sua
formação acrescida de conhecimentos voltados para o universo
humanista. Abro um parêntese para afirmar que o exemplo a esse
respeito refere-se às faculdades de comunicação; que dirá se tivermos
que lançar âncoras para se conhecer alguma formação nesse sentido
junto à área biomédica.
É preciso compreender, mesmo em tempos de tecnologia avan-
çada (e diríamos mesmo, sobretudo), a necessidade de se obter em dois
ou mais semestres formação humanista, em especial aqui, onde encon-
tram-se candidatos a profissionais que por excelência se propõem a
cuidar de vidas humanas. Sim, de vidas humanas e não de um número
ou de um prontuário apenas, pois o foco do trabalho deve encontrar
esteio no ser humano, com todas as peculiaridades que o constituem e
que possam ter influenciado a causa da doença ou da preocupação que
o fez procurar os serviços do sistema de saúde.
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
Essa parece não ser ainda a realidade com que nos deparamos
nas organizações de saúde. Contudo, é preciso mudar esse paradigma,
pois não há como o homem avançar na atualidade sem se permitir
adentrar no universo desse conhecimento que o capacita, também,
a experimentar sua profissão pelo viés humanista. Os testemunhos,
as experiências e as conclusões que a Associação Viva e Deixe Viver
tem tido nos fóruns de Humanização da Saúde são justamente nesse
sentido: para que se repense os rumos da formação do profissional
de saúde.
Ao testemunhar a experiência profissional, o Dr. Adail Rollo
certifica que atualmente há dois campos de competência para os quais a
formação médica volta sua atenção – o teórico, que abrange os concei-
tos, as ferramentas e os métodos que a humanidade criou até aqui, e a
questão da habilidade psicomotora, que significa dizer a prática dos mais
diversos procedimentos que vão desde uma sutura a um ato cirúrgico
complexo. Nesse diapasão, não se inclui a dimensão psicoafetiva, o que
leva o profissional a perder uma importante parte do conhecimento
humano, pois o afeto é um aspecto próprio do homem.
Ao mencionar essa realidade, tenta explicar, sobretudo, a relação
necessária entre médico e paciente, que deve acontecer especialmente
pela boa comunicação, afinal, por ela influências hão de surgir e se es-
pera que sejam positivas, do contrário podem ocasionar um afastamen-
to do doente que já se encontra em um estado de fragilidade.
Por fim, conclui que o ensino na atualidade procura trabalhar
também com a inclusão de uma terceira dimensão – psicoafetiva – em
conjunto aos dois outros campos do conhecimento já existentes, quais
sejam, teórico e prático. Esse é o desafio do processo de formação atual,
haja vista demonstrar-se incompleto o profissional que não se atém à
busca dessa vertente.
Para exemplificar alguns casos que têm demonstrado sucesso ao
implantar essa metodologia, cita o Hospital Sírio-Libanês, a Faculdade de
Enfermagem de Marília, também a de Londrina, entre outras. E mais:
afirma que o MEC, com a reforma curricular, a partir de 2001 reviu todas
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as diretrizes curriculares e aos cursos da área de saúde foi apresentada a
área de humanidades para que se juntasse às demais disciplinas que com-
põem suas grades de conhecimento.
Contudo, cumpriu-nos concluir – e aqui reiteramos –, que os
resultados dessa inclusão não são imediatos. Há muito caminho a ser
trilhado. Afinal, consciências precisam se transformar.
A Dra. Ana Cláudia Arantes, médica especializada em geriatria e
medicina paliativa, uma das participantes do Programa para o debate da
Humanização em Saúde, patrocinado pela Conexão Médica em parce-
ria com a Associação Viva e Deixe Viver, ao dividir a mesa com a Dra.
Linamara Rizzo Battistella, professora associada da Faculdade de Medi-
cina da Universidade de São Paulo, afirma que um dos grandes proble-
mas do profissional de saúde é lidar com o sofrimento humano.67
O profissional da área de saúde é bem preparado no que diz
respeito ao conhecimento teórico e às habilidades técnicas que adquire.
No entanto, quando se defronta com os limites da vida que confrontam
todo o seu preparo e o arcabouço tecnológico de que dispõe, enxerga
a fragilidade humana, tanto sua quanto do paciente, atingindo-o sobre-
maneira, a demonstrar o quanto pode ser impotente para lidar com si-
tuações para as quais não foi preparado.
Neste momento, o que lhe resta é adotar procedimentos que
propiciem qualidade de vida ao paciente. Esse é o ponto mais impor-
tante a ser considerado no momento. Contudo, pergunte-se: o profis-
sional está preparado para liderar sua equipe nesse caminho? Antes,
responda à pergunta da Dra. Ana Claudia Arantes: o que é qualidade de
vida? Ela aponta um ponto de partida para a resposta ao afirmar ser o
que se consegue tirar de melhor daquilo que se está vivendo.
O preparo se mostra no momento em que o profissional precise
lidar com o sofrimento do paciente. Aí, como dissemos anteriormente,
67 VIVA HUMANIZAÇÃO. A visão humanística na formação do profissional da saúde.
Palestrantes: Dra. Ana Claudia Arantes; Dra. Linamara Batistella. Vídeo (53:36s). Disponível
em: . Acesso em: 26 dez. 2014.
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
reside um dos principais limitadores da capacitação do profissional de
saúde. Ele não recebe essa orientação de forma aprofundada na faculdade,
até porque não há como padronizar formas de tratamento ao sofrimento.
O que se pode fazer é instruir-se da melhor maneira possível mediante
experiências de sucesso que se movimentam pelas diretrizes da PNH. A
comunicação interdisciplinar é um caminho. Aliás, a comunicação que
demonstra aproximação e compreensão é a humanização da saúde.
É preciso, portanto, em claras palavras, humanizar o profissional,
sobretudo. Torná-lo mais capacitado ainda para lidar com pessoas, dei-
xando para trás o estigma de que seja preparado apenas para tratar a
doença, e tão somente ela. É preciso contextualizá-lo a esse universo
da clínica ampliada, em que transversalidades se comuniquem, em que
enfermeiros ou usuários sejam ouvidos, em que funcionários participem
para sugerir métodos eficazes e, dessa forma, entre outras, avançar e
desenvolver novas diretrizes que deem eficiência ao sistema de saúde.
É torná-lo um novo profissional; para um novo tempo; para novas
necessidades.
A Dra. Arantes faz para esse contexto de aprendizado uma separa-
ção didática no mínimo interessante: a diferença entre doença e sofri-
mento. Doença, como ela apropriadamente afirma, é uma situação
universal. Um diabético é o seu exemplo. Apresentará os mesmos sin-
tomas em qualquer lugar do mundo. O sofrimento, por sua vez, é um
processo individual de como o doente reage à doença, mesmo que sem
dor. Fundamental neste momento é encararmos que os profissionais
estão preparados apenas para lidar com a doença e isso deve ser modifi-
cado, pois como dissemos ainda nas páginas iniciais, são seres humanos
cuidando de seres humanos.
O sentido de humanizar os cuidados com o paciente, sugestão
que surgiu durante o debate com a Dra. Arantes, pode ser tomado por
diversos pontos de vista. A priori é uma forma de expressar a emoção
sem julgamentos, acolhendo e sendo acolhido, explica-nos a especia-
lista. A outra resposta encontra-se na empatia, ou seja, a capacidade
de se colocar no lugar do outro. Permanecer insensível, sem saber o
que fazer, pode tornar o sofrimento uma via de mão dupla. Outras
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respostas que emprestam sentido encontram na linguagem corporal um
lenitivo adequado para situações de sofrimento. Tratam-se de atitudes
como um sorriso, um toque.
Essa preocupação quanto à formação é importante para o profis-
sional e precisa ser reconhecida ainda nos bancos das faculdades, afinal,
a maioria dos médicos e profissionais de saúde não ficam totalmente
indiferentes à situação de morte, de perda do paciente. Há, pode-se
afirmar, um sentimento de frustração, inclusive quando não se alcança
sucesso com o tratamento que não atinge a cura esperada.
Outro aspecto importante nesse novo processo de aprendizado na
formação profissional é o de saber lidar com a comunicação, afinal, será
por ela que se estabelecerá o melhor liame para, em conjunto com o
próprio paciente, determinar os rumos do tratamento. Conforme am-
plamente afirmado em ocasiões anteriores, cabe também ao paciente um
papel ativo no processo terapêutico. Ele é parte integrante da equipe,
como já dissemos em diversas passagens deste estudo, apoiados por es-
pecialistas das mais diversas áreas. Este é um dos conceitos da Política
Nacional de Humanização para que o processo de humanizar a saúde
seja alcançado.
O profissional, portanto, precisa saber ouvir. Saber ouvir é muitas
vezes ir além do simples processo de entender e quantificar medicamen-
tos e tecnologia. Em muitas ocasiões o que se precisa é compreender
que o paciente necessita sobretudo de atenção. Somente obtendo a
clara compreensão do universo que caracteriza o ser humano, de seu
contexto cultural e social, é possível entender de forma mais fácil o que
se passa com o paciente, alcançando-o de maneira mais produtiva. Não
se trata apenas de diagnosticar e receitar.
Por ocasião do debate “Formação, aprimoramento profissional e
empreendedorismo na área da saúde”, a Dra. Regina Célia Turola Pas-
sos Juliani, que na ocasião era diretora de fisioterapia do Instituto da
Criança, na Faculdade de Medicina da USP, chegou ao entendimento
de que a globalização é responsável por disseminar um grande número
de informações a cada dia. Contudo, a ética e o conteúdo são questio-
nados na mesma medida.
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
Pensemos a partir do seguinte ponto de vista: sabe-se que o
conhecimento disseminado nas faculdades da área da saúde é, em sua
maioria, responsável e de boa qualidade. No entanto, se tomarmos de
empréstimo a premissa do cuidado humanizador nas relações de saúde,
hoje devidamente reconhecidas, tanto quanto o tratamento ao doente
e não à doença e no preparo para se lidar com o sofrimento, é notório
que há uma lacuna a ser preenchida.
O trabalhar em equipe, comunicando-se uns com os outros,
reconhecer os meandros de outras especialidades, ouvir os pacientes,
partilhar corresponsabilidades, enfim, este é o caminho para se alcan-
çar um sistema de saúde humanizado, eficiente e eficaz. É preciso
explorar esse campo do conhecimento ainda na época da formação,
sobretudo ao tempo da residência, quando já se haverá debatido à
exaustão procedimentos que alcancem a justaposição da integração
entre a equipe.
Esclarece-nos a Dra. Turola que no dia a dia com um paciente,
no momento em que se percebe a necessidade em compreender o que
se passa com ele, o acolhimento é realizado de maneira eficaz por meio
de uma consciência profissional humanizadora. Será por meio do co-
nhecimento adquirido através da comunicação com o paciente que o
profissional saberá das particularidades sociais que melhor adequarão suas
respostas e seu encaminhamento.
Saber se o paciente poderá ser tratado em casa, por exemplo, e
qual a realidade que o cerca quando se trata de higiene, de alimentação
e mesmo da atenção familiar são meios que devem ser discutidos a todo
tempo para o êxito dos tratamentos.
A necessidade de especialização é notória, contudo se faz mais
premente ainda ir além, do que apenas pensar em uma carreira que dê
dinheiro, ato legítimo, diga-se de passagem. No entanto, as habilidades
podem ser um diferencial, a melhor adaptação à especialidade pode criar
um profissional de tal qualidade que o dinheiro não será problema.
Portanto, é preciso refletir desde já qual de fato será o caminho a ser
buscado pelo profissional.
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Atualmente, os grandes hospitais não têm um plano de carreira
definido. Entretanto, é através dos treinamentos, dos cursos de especia-
lização e atualização, dos congressos e simpósios que o profissional pode
alcançar benefícios à sua carreira. Explica-nos a Dra. Turola que há
cursos das mais diversas cargas horárias, com estudos práticos do que se
encontra no dia a dia da profissão, reconhecidos e chancelados pelos
conselhos das profissões na área de saúde.
A formação, portanto, não deve se restringir aos ensinamentos
colhidos na faculdade e ao tempo da residência. Deve-se ir além sempre,
buscando o aprimoramento sobretudo do atendimento, pois é median-
te um serviço humanizado que se pode alcançar reconhecimento e
gestão eficiente do problema. Quando se tem uma equipe conscienti-
zada do viés humanizador, a gestão pode alcançar custos mais baixos na
prestação do serviço e o resultado se espelha em um paciente mais feliz
até mesmo pelo pouco tempo que precisou ficar internado.
Dizemos isso, pois não se pode esquecer que a área da saúde é
também um negócio, que visa também o lucro. Quanto a isso não
há nenhum problema, desde que se faça com qualidade e, por se tratar
de um ser humano que chega fragilizado, requer um tratamento o
mais humanizado possível, no qual o paciente sinta o mínimo de dor
ao longo das intervenções, se possível nenhuma, e que seja atendido
de forma acolhedora, para que possa nesse processo, inclusive,
produzir saúde.
As organizações de saúde são empresas e seu empreendedorismo
é composto por profissionais que estão sempre se renovando, amplian-
do seu conhecimento para que melhor representem a instituição. Con-
tudo, sabe-se também, precisam sobreviver nesse sistema que não raro
se apresenta caótico e desorganizado, e que remunera seus profissionais
de maneira depreciativa a todo o conhecimento que obtiveram ao lon-
go de árduos anos de estudo e dedicação.
Dizemos isso pois cabe parcela de responsabilidade também à
cadeia do sistema de saúde pela ausência de possibilidade de o profissional
se reciclar, fazer novos cursos, atualizar-se sempre. Isso se dá no mo-
mento em que o bem remunera, mas também enquanto se reorganiza
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
administrativamente para oferecer através desses mesmos profissionais
um serviço de qualidade, onde a perda de tempo é algo descartado,
sobretudo, por tornar exígua a saúde de todos os envolvidos, tanto
quanto ocasiona desperdício de recursos importantes, muitas vezes
escassos.
Valorizar o trabalhador da área de saúde é notoriamente investir
na qualidade da produção de saúde. Ao preocupar-se, por exemplo, com
os termos da ambiência, como cores empregadas às paredes, som am-
biente que proporcione relaxamento e mobiliário acolhedor, tratar
usuários e trabalhadores com acolhimento e respeito, tanto quanto a
disponibilidade de tecnologia demonstra preocupação com a precisão a
serviço da saúde.
Também deve ser uma gestão que proporciona ao trabalhador
exercer o seu ofício com horas intercaladas com tempo suficiente de
descanso e investimentos em cursos que reciclem e atualizem o seu
conhecimento. É o testemunho de atitudes que demonstram respeito
ao ser humano e a disposição em humanizar o sistema de saúde, voltado
para a produção de saúde de qualidade que se esmera a cada dia para
encontrar o caminho mais da prevenção do que propriamente dos gastos
com a cura. A comunicação em todos os setores e entre todos os atores
é a chave para esse sucesso.
Por isso, à medida que este estudo se desenvolveu até aqui, em
que pese as máximas de Humanizar e Comunicar se misturarem e serem
um só caminho, sustentando-se ora a um, ora a outro, ousamos dizer
que a premissa Humanizar para Comunicar é a que se faz necessária no
momento, pois o caminho, acreditamos nisso, haverá um dia em que se
desdobrará em frutos de qualidade na produção de saúde enquanto
mantido pelo lema Comunicar para Humanizar.
Para corroborar essa necessidade premente, tomamos de emprés-
timo a opinião da Dra. Graziela Moreto, médica de família e à época
em que participou do debate promovido pela Conexão Médica e Asso-
ciação Viva e Deixe Viver, exercia a função de diretora da Sociedade
Brasileira de Medicina da Família. Meditando a partir do tema “O novo
perfil do profissional de saúde a organização do trabalho” a especialista
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afirma que seu foco em medicina é a importância do humanismo na
formação do profissional.68
Seu testemunho é importante na medida em que esclarece haver a
possibilidade de recursos didáticos ao alcance dos orientadores a fim de
estimular o estudante de medicina a perceber a importância do humanis-
mo no relacionamento médico-paciente, tanto quanto seja necessário em
seu relacionamento com seus pares, assim como se espera que aconteça
nas relações sociais, em que cordialidade, atenção, educação e respeito
fazem toda a diferença enquanto se espera viver em um mundo melhor.
Um exemplo de sucesso desses recursos didáticos são os filmes
disponibilizados aos estudantes de medicina em sala de aula, em que os
episódios apresentam uma diversidade de comportamentos do profissio-
nal em seu dia a dia com o paciente e com seus pares, proporcionando
o debate a partir de suas impressões, avaliando condutas e concluindo
pela real importância de se conhecer o paciente. De outra forma, também
são apresentados recursos mediante literatura e música, entre outras
modalidades, para que se desenvolva nos futuros profissionais o lado
humanístico.
Falando como médica de família, a Dra. Moreto testemunha a
importância dessa formação humanística, tendo em vista ser um reflexo
do sucesso alcançado pelos antigos médicos de família, que conheciam
as particularidades de cada paciente sob sua responsabilidade, fruto de
uma comunicação que se caracterizava, sobretudo, em favor do aco-
lhimento. Afirma ainda que a Sociedade Brasileira de Medicina de
Família preocupa-se, sobremaneira, com a inclusão desses programas
de educação, que reciclam a informação e visam melhorar a relação
médico-paciente.
A medicina de família, afirma a Dra. Moreto, encontra-se susten-
tada em quatro importantes apoios, sendo eles o humanismo, a atenção
primária, a educação médica e a formação de lideranças. Perceba aqui a
68 VIVA HUMANIZAÇÃO. O perfil do profissional atual e a organização do trabalho.
Palestrantes: Dra. Graziela Moreto; Dr. Eduardo Juan Troster. Vídeo (54:20s). Disponível
em: . Acesso em: 26 dez. 2014.
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
consonância com a opinião do Dr. Almeida Rollo a que mencionamos
anteriormente. Ao tempo em que se faz necessário o aprendizado e
atualização da parte científica da doença, importa ao profissional com-
preender o contexto em que vive o paciente, como ele vê a doença e
como a administra, e, segundo sabemos, é corresponsável no processo
de produção de saúde.
Ao demonstrar a suprema importância a que se deve atribuir a
esse procedimento humanístico, a Dra. Graziela Moreto nos traz o
exemplo do que se tem produzido entre os médicos nos Estados Unidos,
a partir da diferença entre os termos disease e illness. Disease é a doença
propriamente dita, como a pressão alta, o diabetes, a tuberculose, entre
outros. O Illness, por sua vez, traduz-se pela forma como o paciente
reage e se sente em face da doença. Isso é conhecido somente median-
te a comunicação que aproxima médico e paciente.
O Dr. Eduardo Juan Troster, pediatra e coordenador do CTI
pediátrico do Hospital Albert Einstein e do Hospital das Clínicas, que
participou da mesa de debates em companhia da Dra. Graziela Moreto,
comunga da opinião que a formação do profissional na atualidade se
volta quase totalmente à preocupação com o aspecto biológico do pa-
ciente. Ao se deparar com um quadro clínico, por exemplo, de pneu-
monia, o profissional volta toda a sua atenção para o encontro do anti-
biótico correto, e por se concentrar em uma gama de informações,
acaba por esquecer do aspecto humano do paciente.69
Esse aspecto humano do paciente a que ele se refere encontra
paralelo em tudo o que se tem dito até o momento, tanto por especia-
listas quanto pelas diretrizes da PNH, ou seja, deve ser levado em con-
ta o contexto espiritual, emocional e social do paciente. O homem é
constituído por esse todo e, mais uma vez lançando mão das lições do
Dr. Almeida Rollo, houve um tempo em que esses aspectos foram
desprezados em favor da ciência cartesiana.
69 VIVA HUMANIZAÇÃO. O perfil do profissional atual e a organização do trabalho.
Palestrantes: Dra. Graziela Moreto; Dr. Eduardo Juan Troster. Vídeo (54:20s). Disponível
em: . Acesso em: 26 dez. 2014.
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Os resultados podem ter apresentado algum benefício por um
lado, contudo não se mostraram profícuos a ponto de permanecerem,
enquanto desprezam o homem como um todo diante do universo que
o constitui e o caracteriza. Devemos cada vez mais nos voltarmos às
antigas e vitoriosas diretrizes empregadas pelos médicos de família, a
exemplo das lições e testemunhos que exercem essa especialidade, a
exemplo da Dra. Graziela Moreto.
A dimensão dessa importância pode ser traduzida nesta simples
conclusão do Dr. Eduardo Juan Troster quando afirma que tão importante
quanto o profissional adquirir sólido conhecimento técnico-científico,
é no mesmo diapasão, que se qualifique também em saber a importância
de estar tratando uma pessoa. Não existem doenças, existem doentes,
sentencia o Dr. Troster, afinal, cada doente reage de forma diversa
no sentido emocional quando o que está em jogo é a sua perspectiva
de vida.
O Dr. Eduardo nos esclarece ainda que o próprio Conselho
Regional de Medicina em São Paulo tratou de criar uma apostila que
visa a melhora do relacionamento médico-paciente. Relacionamento
que se traduz literalmente pelo ato de se olhar olho no olho, de
conhecer o nome do paciente tanto quanto de se mostrar interessado
em saber qual o contexto em que vive o indivíduo que esteja sob seus
cuidados.
São atitudes simples e que fazem toda a diferença no trato da
relação humana, quanto mais no que concerne à relação com alguém
que esteja doente. No Hospital Albert Einstein, afirma o especialista
mencionado, esse procedimento é regra consolidada entre os profissio-
nais. Ao testemunhar seu dia a dia no trato das crianças, afirma que
mediante esses atos, muitas vezes desprezados, as angústias diminuem
consideravelmente.
Quando se está diante de uma doença é comum presenciar a
desestrutura emocional do paciente, ainda mais quando é uma criança,
o que desconstrói emocionalmente toda a família. Isso é um fato e o
profissional precisa estar consciente de sua formação também para lidar
com tais situações.
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A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
Em consonância com esse aspecto da formação profissional,
encontra-se a edição de Lei n. 10.241, promulgada em 17 de março
de 1999 pelo Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, de
autoria do Deputado Roberto Gouveia, e que dispõe sobre os direitos
dos usuários dos serviços de saúde. Por esta lei, o paciente pode con-
sentir ou recusar livremente os procedimentos que a ele sejam pro-
postos, desde que esclarecidas todas as vertentes que envolvam sua
doença e o tratamento proposto.
A referida lei instrui os médicos quanto à possibilidade de sus-
penderem os tratamentos que visem prolongar a vida de pacientes
terminais, desde que expressamente autorizados pela família. São casos
em que o nível de estresse atrelado às decisões são bastante altos, justi-
ficando-se, sobremaneira, o cuidado que a organização responsável deve
ter com o profissional.
Não é uma atitude fácil, tampouco pacífica quando comparada à
eutanásia. Contudo, sem adentrar às considerações desse campo da
bioética, importa salientar que, para tanto, necessita o profissional estar
preparado para ser um importante instrumento de humanização para
esse desiderato. Há que se considerar, sobretudo, uma gama de valores
humanos, tão frágil e sólida ao mesmo tempo que carrega subjetividade,
que só mesmo o preparo funcional no sentido humanístico é capaz de
exercê-los.
Uma vez que fora mencionada a bioética, enquanto apontamos
a celeuma em torno de técnicas que se comparam à eutanásia, permiti-
mo-nos um instante de digressão quanto a esses aspectos, posto que
necessário seu entendimento no quadro de formação profissional. É
preciso ter em mente que o profissional médico não pode usar todas as
possibilidades que diante dele se apresentem, posto que está limitado
pelo conhecimento técnico ainda não alcançado pela medicina, pela
própria circunstância biológica da doença que não permite ser revertida
ou mesmo por princípios bioéticos.
Por esses motivos que se chama a atenção para que a educação
volte-se para o paciente, sobretudo; especialmente em detrimento do
ultrapassado método que tem foco somente na cura da doença. Se a
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isso insistir, o médico se torna alvo de doença emocional só sobreposta
pela qual o paciente experimenta. A necessidade da educação continua-
da, da participação em congressos, da busca de artigos que visem suprir
essa demanda humanística, deve ser incentivada pelos hospitais, valori-
zando o profissional já tão exposto a situações de grande complexidade
quando se reconhece as decisões que precisam ser tomadas.
Lidar com a morte, tendo que decidir por esse caminho em
conjunto com a família ou mesmo ao paciente, não é nem de perto
uma tarefa simples, requerendo do profissional um preparo humanísti-
co, para não dizer emocional, que normalmente ele não recebe na fa-
culdade. Quais as consequências para o profissional quando tem que
decidir, por exemplo, pela distanásia? Esta que é o prolongamento da
morte do paciente, utilizando-se de técnicas que, sabe-se perfeitamente,
não trazem qualquer benefício ao paciente, a não ser o contrário, que
se traduz em sofrimento.
O mesmo se questiona em relação à ortotanásia, que se pre-
ceitua pelo respeito ao final da vida, traduzido comumente pela boa
morte, natural, sem qualquer sofrimento. As orientações didáticas
recomendam, por exemplo, que se deva intervir apenas nas situações
em que esteja presente um benefício provável pelo resultado desse
processo de reversão. Por todos esses motivos, um tanto distantes das
orientações acadêmicas, o diálogo entre os profissionais e os familia-
res é fundamental.
Nos desperta atenção a lição do Dr. Eduardo Juan Troster, ainda
por ocasião do debate a que muito nos honrou com suas experiências
em favor do processo humanizador a ser empregado no sistema de saú-
de, quando sentencia fato conhecido por toda a classe médica. À medi-
da em que se viu crescer a tecnologia em favor da medicina, em menor
possibilidade o humanismo acompanhou tal avanço. Testemunha o Dr.
Troster, a medicina se tornou estanque enquanto restrita a departamen-
tos, o clínico geral, segundo ele, perdeu em importância, e inexiste uma
disciplina acadêmica de medicina de família nas universidades.
Hoje a medicina, a formação médica, deve voltar-se a preparar o
médico para os vários diagnósticos que visam a saúde global do paciente.
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Isso só pode ser alcançado pela comunicação que busca os caminhos que
levaram ao problema com o qual se lida efetivamente, a exemplo de
uma criança que esteja com pneumonia. No entanto, percebe-se, é obesa.
Se não voltar suas instruções para os hábitos alimentares, ou que a incentive
à pratica de esportes, em pouco tempo estará contribuindo como persona-
gem fundamental para auxiliar na produção de saúde que é a medicina.
Outra contribuição igualmente importante que o Programa de
debates patrocinado pela Conexão Médica e pela Associação Viva e
Deixe Viver traz ao conhecimento deste estudo é a do Dr. Marcos
Boulos, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo
(USP) e professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e
Parasitárias da mesma faculdade. Seu tema desenvolveu-se no que con-
cerne à preocupação com a formação do profissional de saúde, focando
o conflito do que se ensina e do que efetivamente se pratica.
Como diretor, além de responsável pela parte técnica, acadêmica
e de pesquisa da Faculdade de Medicina, o Dr. Boulos é também pre-
sidente do Hospital das Clínicas, do conselho deliberativo do Hospital
Universitário; membro presidente do conselho curador da Fundação
Faculdade de Medicina, da Fundação Hemocentro e membro curador
da Fundação Zerbini.
Quando questionado sobre como vê a educação, a formação do
profissional de saúde e a relação entre a tecnologia e atendimento hu-
manizado, Dr. Marcos Boulos posicionou-se através de um entendi-
mento que é conhecido por todos na área de saúde: que a medicina
ainda segue parâmetros do início do século 20, ocasião em que pouco
ou quase nada se discutia a respeito das lições que tanto esclarecem sobre
a essência de teorias como o da relatividade, da mecânica, da quântica,
da interação do observador conquistar o observado. Todas elas contêm
ensinamentos que, se incorporados ao sistema educacional e não apenas
médico, por certo nos fariam compreender melhor a razão dessa inte-
ração entre os seres humanos, sobretudo a do médico-paciente, e não
estaríamos aqui discutindo os óbvios motivos da humanização.
O Dr. Marcos Boulos traz à baila o argumento aqui tantas vezes
exposto, quanto à responsabilidade dessa separação entre o que é
142
VALDIR CIMINO
científico do que é humano, discutido anteriormente com a opinião
do Dr. Adail Almeida Rollo. Responsabilidade essa atribuída ao
sistema cartesiano, desenvolvido por Descartes no século XVII. Pre-
cisaram passar alguns séculos para confirmar todas as perdas substan-
ciais que esse sistema influenciou no que se refere ao trato das relações
humanas.
Foi mediante a supressão da alma – que alguns preferem denominar
mente –, aspecto antes considerado a outra parte constituinte do ser
humano como um todo, que hoje temos a necessidade de reexplicar
fundamentos básicos como a humanização, posto que ausentes os seus
preceitos nas escolas de medicina, como disciplina que vise a formar o
futuro profissional também mediante tal instrumento cognitivo, impres-
cindível ao cabedal médico.
Há, de fato, uma dificuldade institucionalizada para se aceitar o
termo Humanização, tendo em vista essa lacuna no aprendizado ao
longo de séculos de ensino fracionado, que só diminuiu o entendimen-
to do homem como ser completo, ainda que falível e incompleto,
sempre a se completar mediante novas lições e aprendizados. Se assim,
quando acrescido do aspecto emocional e tudo o mais que o complete
enquanto inserido em meio ambiente cultural, imagine o estrago reali-
zado ao torná-lo fracionado.
O Dr. Boulos testemunha suas experiências com relação a essa
resistência, apontando a falha da educação desde os primórdios do nas-
cimento como responsável pela atitude que temos em relação ao termo.
Dizem seus alunos: por que falar em humanização? E ele responde:
“Porque nós não ensinamos desde o início, desde a época escolar, que
o humano é uma interação”. E continua a dizer que o que nos diferen-
cia dos animais é mais do que o tamanho do cérebro, pois é na capaci-
dade que temos para expressar segundo nossa linguagem, e a possibili-
dade dos desígnios com que traçamos o discernimento, que nos faz
pensar e produzir coisas.
Se entendermos isso, ainda que minimamente, conseguiremos
compreender o que se passa com os sentimentos alheios, descobrindo a
143
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
melhor maneira de agirmos ou reagirmos a partir deles, interagindo com
nosso semelhante. A física quântica, explica o Dr. Boulos, mostra isso
quando demonstra que ao interagir é possível modificar os fatos, tanto
fora quanto dentro de cada um de nós.
Ao comentar sobre suas experiências com os alunos, sustenta que
há mais de dez anos tem por hábito reunir os estudantes que entram no
quinto ano de medicina e que iniciarão a lidar com pacientes portadores
de moléstias infecciosas, tais como hepatites graves e AIDS. Repartiu
conosco sua surpresa quando deparou-se há décadas com estudantes
desesperados porque achavam que a escolha de um procedimento po-
deria fazê-los instrumento de salvação ou de morte.
Dessa forma, afirma o Dr. Boulos, eles por vezes se desestabiliza-
vam emocionalmente, o que o levou a realizar reuniões para debater
sobre como pontuar a questão do que é a morte, tanto quanto de as-
suntos que trazem reflexão sobre o que somos, se mortais ou imortais,
qual é o resultado dessa relação originada pelo pensamento e qual é o
papel do médico em todo esse contexto, preferencialmente renovado
por nova inteligência, por nova perspectiva, por novo paradigma que
se permita pensá-lo. Decerto, pois, trata-se de poder permitir-se tamanha
abertura.
A possibilidade de se alterar e modificar o mecanismo de funcio-
namento do corpo humano é fato inconteste. Apenas não se coloca em
prática o aprendizado dessa inteligência, especialmente no meio acadê-
mico. Se estamos, por exemplo, estressados ou angustiados, logo o or-
ganismo se manifesta a partir de algumas disfunções, levando-nos muitas
vezes a enfermidades. Do contrário, se estamos bem, felizes, sorrindo, o
corpo se manifesta com altos níveis de reparação ou prevenção.
Esses são desafios sugeridos aos alunos, mesmo pertencentes ao
quarto ou quinto ano, colocados em prática quando em contato com
pacientes. São desafiados a enxergar o que há por trás da doença, e não
apenas detectá-la, diagnosticá-la e assim buscar o melhor procedimento
para reverter o quadro apresentado. O incrível dessas experiências rela-
tadas pelo também educador Dr. Marcos Boulos, se dá quando ouvimos
exemplificar os resultados dos casos concretos.
144
VALDIR CIMINO
Testemunha que, terminado o internato, os meses, enfim, em
que passam em sua companhia, pergunta ao paciente quem é o mé-
dico que o está tratando. E a resposta, altamente positiva sob o
ponto de vista do aprendizado humanístico é presenciar o paciente
apontar para o interno, e não para o residente, para o assistente, ou
para o chefe de grupo. Aí você pergunta, mas por que isso aconte-
ce? Simples, diz o educador, porque é ele aquele que o escuta, que
interage com ele.
O testemunho de suas experiências não para por aí, pois tem
havido um avanço mediante esforços por parte dos docentes da facul-
dade de medicina da USP, no sentido de incorporar a interdisciplinari-
dade e a transdisciplinaridade no processo educativo. Isso tem sido feito
mediante a união das faculdades que trabalham com a medicina, como
a de ciências biomédicas e de química.
Além disso, afirma o Dr. Boulos, a adaptação do currículo médi-
co já se encontra em fase de modernização enquanto incorpora novos
conhecimentos relacionados à questão da humanização. Dessa forma,
demonstram aos estudantes iniciantes o quanto é necessário olhar para
o ser humano e não apenas entender sobre anatomia, afinal, ao se escolher
a área médica, impossível dissociar a escolha do pensamento de querer
ajudar às pessoas.
Em meio ao debate abordamos o papel das intervenções dos
palhaços, da inclusão de músicas, de contadores de história, o que de
pronto foi recepcionado pela opinião do Dr. Boulos como um ins-
trumento incluído pela transdisciplinaridade, afinal, têm uma inter-
ferência sobremaneira benéfica no resultado final do tratamento,
diminuindo inclusive o tempo de internação. Esse tipo de interven-
ção, também a seus olhos, é o que há de mais produtivo no sistema
de saúde.
Dr. Boulos nos proporciona profícuas lições enquanto afirma a
necessidade de transmitir valores aos estudantes, questões que algumas
vezes não são discutidas dentro da própria família, tornando-os, não raro,
pessoas insensíveis ou no mínimo indiferentes a problemas sociais que
são tomados por problemas do mundo, impossíveis de ser modificados
145
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
nesse aspecto. Aí reside o erro. Quanto mais cada um puder discutir,
apontar, mais a consciência se instaura e problemas sociais de ordem
comportamental começam a diminuir.
As pessoas ao nosso redor têm direitos que precisam ser reconhe-
cidos, defendidos, pois esse tipo de posicionamento é que muda o con-
texto de uma sociedade desigual e injusta. Países de primeiro mundo
também viveram tempos de miséria nas casas de muitos de seus habi-
tantes e cidadãos, contudo, foi pelo ajuntamento de esforços que esse
quadro se reverteu, fazendo desses países reflexo do que queremos para nós.
Não é raro encontrarmos pessoas que diante de misérias humanas
se mantêm indiferentes. Não por que sejam ruins, longe disso, mas é um
aspecto cultural que envolve uma série de contextos que levaram a isso.
O importante é reconhecermos a necessidade de partir de valores in-
condicionais como respeito, amor e qualidade de vida, para que algo
mude consideravelmente. Não há prosperidade em uma sociedade en-
quanto ela se encontre em algumas poucas casas e ausente em tantas
mais. É um problema a ser revisado por toda a sociedade.
Sem valores a fundamentar a sociedade como um corpo que age
em uníssono, apenas alguns alcançarão qualidade de vida, contudo im-
perfeita, incompleta, haja vista que tudo o mais a sua volta encontra-se
depreciado. A saúde, a educação, entre outros. Nenhum homem é
uma ilha. Todos necessitam de valores para viver em sociedade. As
instituições necessitam deles para sobreviver, para ter voz que possa
soar confiante, ser ouvida.
A voz de uma pessoa em família, nesse sentido, já se mostra o
começo de um encadeamento que proporciona transformações. Os
valores são fundamentais, até para sabermos aonde queremos chegar
e ter a real dimensão de como nos comportarmos em sociedade. As-
sim se dá ao conjunto de uma família, de uma instituição hospitalar
entre outros. Valores são trazidos do seio da família. Não que aquelas
que não os incentivem ou os discutam sejam amorais ou coisa pare-
cida. Não se trata disso, nem de perto. Tratam-se de valores culturais
que estão arraigados no seio da sociedade, que podem e devem ser
alvo de mudança.
146
VALDIR CIMINO
Durante o debate, questionamos o Dr. Boulos quanto ao motivo
que leva o estudante a escolher a medicina como profissão, e se existe
uma interferência grande do fator financeiro. Segundo a sua experiência,
é a primeira pergunta que faz aos estudantes do quinto ano. A resposta
quase esmagadora é que não fazem medicina pelo dinheiro. Buscam e
se mantêm no curso por acreditarem que é possível mudar alguma coi-
sa, fazer a diferença, ajudar a quem precise.
É a partir do quarto ano que os alunos começam a ter uma visão
sobre as relações humanas que a profissão proporciona e exige. A partir
daí é que se inicia o atendimento médico. Segundo o Dr. Boulos quan-
do se inicia a relação humana com os pacientes é que, de fato, começa
a se compreender e lidar com o que é a medicina. Inicia a compreensão
do que é tratar um paciente.
Contudo, segundo seu testemunho como educador, quando se
aproxima o tempo da formatura muitos se desviam daqueles valores e
se voltam para oportunidades de se engajarem na equipe de determi-
nado profissional, pois assim acreditam poder melhor solidificar as bases
da estabilidade. Convenhamos, nada mais legítimo. No entanto, também
manter sólidos os valores que os motivaram por tanto tempo podem
fazer toda a diferença na vida profissional, em especial na influência que
podem ter na busca de um mundo melhor. Cada homem é responsável
pelo que ocorre em seu entorno e isso não pode ser descartado, sob
pena de vivermos em uma sociedade injusta que pode se voltar contra
nós mesmos.
Interagir é a base para mudanças sólidas e permanentes, que se
dispõem a novas modificações quando se faz necessário. Trazer isso
para dentro das instituições é valorizar o trabalhador, é considerá-lo
muito mais do que um simples profissional, afinal, é um ser humano
com os mesmos sentimentos que ocorrem a qualquer paciente. A in-
teração permite o crescimento. O crescimento profissional, que rece-
be e sente a satisfação em retribuir. Sob esse aspecto, cresce a organização
hospitalar.
É um desdobramento natural. Comportamentos humanos que
produzem benefícios aos homens tendem a influenciar sua replicação
147
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
no espírito humano. No entanto, aqueles que produzem valores egoís-
tas, reducionistas, não se desdobram a todos ao redor, pois não é do
homem aceitar-se contra o próprio homem, e estudantes de medicina
são a prova disso quando decidem pela profissão para ajudar outras pes-
soas, mas suas consequências sim desdobram-se de forma exponencial,
disseminando o que se pode conceituar por desumanização.
Exterminar a humanização do meio de saúde é agir contrário à
própria essência de sua proposta profissional. Ensinar a ouvir o paciente,
valorizar o sorriso durante o atendimento, demonstrar valores caros e
perceptíveis a qualquer pessoa, instruída ou não, é algo que não se pode
negar existência. Agir contrariamente a esses processos de atenção é
trazer para si mesmo uma carga de estresse que aumenta em muito o
que se espera que vá vivenciar na profissão médica.
Uma coisa é ter metas financeiras e isso, repetimos, é totalmente
legítimo. Contudo, deixar esvaziar-se de valores essenciais à vida e que
podem muito bem conviver com tais objetivos, é diminuir-se como ser
humano. É abrir mão do prazer de viver de forma real, confundindo-o
com a satisfação que o enriquecimento pode proporcionar. Tornar-se
um profissional de saúde apenas pelo sentido mercantilista possibilita
distorcer toda a essência pela qual ela encontra o seu apoio.
É fundamental que as metas de educação médica alcancem esses
valores, incutindo nas mentes dos alunos a importância de se pensar e
decidir por esse caminho. A construção de valores leva especialmente o
profissional a não se render às instituições de ensino que só pensam em
instruir o básico, a altíssimos custos mensais, tornando a faculdade um
celeiro de pessoas que podem pagar sem que tenham um mínimo de
incentivo para vir a pensar em que bases estão construindo o futuro que
desejam como profissionais.
Alunos que venham a ser incentivados, mediante uma mudança
de grade curricular, a realizarem estágios em unidades básicas, conhe-
cendo os meandros do dia a dia, testemunhando desde cedo o sentimen-
to e os reclames de toda a sorte por parte dos pacientes, serão profissio-
nais humanizados se preparando para a vida. Ao adentrar nos últimos
anos do curso, será capaz de vivenciar seu conhecimento munido de maior
148
VALDIR CIMINO
e melhor maturidade profissional, compreendendo a necessidade que há
em centenas de situações que se apresentem, haja vista tê-las presencia-
do por diversas vezes.
Capacitar um profissional médico, ou mesmo qualquer outro da
área de saúde, com qualidades que estão além da capacidade técnica,
mas que encontram também na seara humanística, a razão pela qual
exercem seu ofício, significa entregar à sociedade seres humanos maduros
sob o ponto de vista da preparação para enfrentar de frente qualquer
situação, tendo sempre algo a dizer, a acrescentar, a devolver. Afinal,
esse é um sustentáculo da existência da humanização: devolver. Devolver
mesmo que não receba. Devolver por acreditar que é possível
transformar.
Todos esses esforços em favor de mudanças que signifiquem o
surgimento de um padrão de excelência que atenda, sobretudo, ao homem
e não à doença, para muitos parece ser tolice, o que é compreensível, pois
suas formações se deram por bases que também formaram o sistema que
hoje está instalado, demonstrando suficientemente sua ineficiência.
Não fosse tão somente pela gestão que assim o comprova, vemos
através de usuários insatisfeitos, que perdem tempo precioso em filas
intermináveis, aguardando por atendimentos, exames e cirurgias que
parecem nunca chegar, pagando com a ausência em família, ou com a
impossibilidade de serem produtivos à sociedade, não raro com a própria
vida, por toda essa ineficiência. Isso é inaceitável. E isso não é respon-
sabilidade apenas dos governos, mas de toda a sociedade constituída,
compreendendo usuários, médicos, universidades, organizações hospi-
talares, conselhos de saúde e governos.
A comunicação é o caminho para a humanização, tornando esta
a referência para que se continue a comunicar e modificar tudo o que
ainda precise ser modificado, a qualquer tempo em que algo se mostre
ultrapassado. É um processo dinâmico. Não esgota ao se encontrar o
procedimento ideal. A vida é dinâmica.
As novas gerações, assim como as novas tecnologias, apresentam
novas demandas, devido a novas lacunas, consequentemente, novos reclames.
149
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
É nesse instante em que se apresenta o profissional devidamente capa-
citado para lidar com o desconhecido. Sua formação humanística dará
o cerne em que se apoiará toda a inevitável espera de que se precise,
proporcionando em conjunto, com especialidades e homens, a busca de
novos rumos.
A preocupação quanto à formação dos profissionais é legítima,
afinal, é comum encontrar médicos que se prestem a um atendimento
apenas baseado em exames laboratoriais e medicamentos que estejam
em voga, eximindo-se da necessidade de uma avaliação clínica, do cui-
dado de examinar o paciente fisicamente. Se a estes simples procedi-
mentos o profissional tem se omitido, o que esperar da comunicação
entre médico e paciente?
Não à toa, ícones da classe médica tem se feito ouvir a esse res-
peito. Afinal, não há como negar a contradição entre o enorme avanço
da medicina e o retrocesso no quesito atendimento humanístico, haja
vista que profissionais se prestam a diagnosticar pacientes apoiados ape-
nas em exames laboratoriais, descartando o contato direto, íntimo, que
pode revelar, sobretudo, o contexto responsável pela doença.
Um exemplo dessa preocupação ativamente manifesta pode se ler
na recente entrevista do Dr. Dario Birolini, professor emérito de Cirur-
gia da Faculdade de Medicina da USP, realizada por Riad Younes para
a CartaCapital.70
Nessa ocasião, o Dr. Dario Birolini afirmou o que temos rei-
terado ao longo deste estudo no que se refere à complexidade do ser
humano. Por esse motivo, ainda que se procure prolongar a vida
humana utilizando-se de tantas técnicas modernas à disposição, caso
não se atente para o universo particular do paciente, diz o professor
da Faculdade de Medicina da USP, não raro se proporcionará a pio-
ra de sua qualidade de vida.
70 BIROLINI, Dario. “A loucura da medicina moderna”. Entrevista concedida a Riad
Younes. Revista CartaCapital, São Paulo, 26 dez. 2014. Disponível em:
cartacapital.com.br/revista/831/a-loucura-da-medicina-moderna-489.html>. Acesso
em: 02 jan. 2015.
150
VALDIR CIMINO
É preciso escutar a voz da experiência, a voz dos corredores dos
hospitais, a voz dos históricos passados que imprimiram medicina hu-
manizada. É preciso fazer medicina novamente. O Dr. Dario Birolini
afirma que devido a uma gama enorme de informações na atualidade o
médico acaba por se voltar à especialização em alguma área, reafirman-
do também a fragmentação do atendimento que mencionamos algumas
vezes ao longo deste estudo, valendo-se assim tão somente do auxílio
ilimitado da tecnologia diagnóstica.
Aliada a esse aspecto, a realidade também se apresenta pelo viés
do paciente ser um “impaciente” que se consulta com a internet, se
autodiagnostica e se automedica, indo ao especialista apenas para exigir
que este cumpra com o roteiro que ele, paciente, acredita ser o melhor
para os seus sintomas; ambas as situações ensejam ao que o Dr. Dario
Birolini denomina “síndrome da fragmentação”. É preciso, portanto,
estar atento a esses fatos, procurando impedir que seu avanço se torne
um procedimento aceito por ambas as partes.
As considerações do Dr. Dario Birolini na entrevista se deram em
ocasião de ter sido ele o responsável pelo prefácio do livro “O Doente
Imaginado”, de Marco Carlo Bobbio, lançado no Brasil há pouco
tempo pela Editora Bamboo. Segundo as conclusões que o Dr. Dario
Birolini lança a partir das luzes do Dr. Marco Bobbio, é necessário que
haja a conscientização quanto ao debate para o aprimoramento da assis-
tência ao paciente. E isto, segundo os especialistas, deve ter início desde
os bancos das escolas de medicina, tanto quanto se faça necessária a sua
discussão em congressos médicos.
Em consonância com o que discorremos anteriormente, o Dr.
Dário Birolini no mesmo diapasão do Dr. Bobbio, acredita que essa de-
ficiência ocorre por desqualificação do corpo docente nas faculdades, não
raras abertas pela seara privada sem qualquer critério, formando profissio-
nais com qualificação questionável. Segundo ele, o despreparo ocasiona,
inevitavelmente, a deterioração na qualidade do atendimento, tanto
quanto proporciona aumento considerável dos custos no sistema de saúde.
Para seguirmos rumo ao fim desta explanação sobre a formação
dos profissionais de saúde, especialmente sob o ponto de vista das lacunas
151
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
e necessidades apresentadas pelo sistema de saúde, que se tornou o foco
da Política Nacional de Humanização com suas propostas de mudanças
efetivas para funcionamento do sistema como um todo, apresentamos o
conhecimento que se mostra como um diferencial em meio a todo esse
processo de transformação, em especial diante de tantas disciplinas téc-
nicas que, sabe-se bem, já abrem espaço às humanísticas.
Trata-se da pragmática humanização realizada pelos homens e
mulheres que levam alegria ao meio hospitalar. Suas considerações prá-
ticas nos trazem às causas e consequências pelas quais encontram sua
razão de continuar o trabalho. Assim como a Associação Viva e Deixe
Viver não mede esforços quando o assunto é levar alegria, leveza e ca-
rinho a pacientes muitas vezes carentes de toda a sorte de atenção,
sentindo-se não raro excluídos pela doença das quais são portadores, um
de nossos debates no Programa da Conexão Médica foi altamente en-
riquecido pela experiência vivenciada pela ONG Doutores da Alegria.
É sobre o apoio desses seres humanos, na melhor acepção do termo, que
queremos discorrer.
Mediante o tema – Humanização e a universidade – Wellington
Nogueira, o criador e presidente dos Doutores da Alegria, nos apresen-
tou os feitos desse grupo de palhaços que se especializou na atuação em
hospitais, levando alegria às crianças hospitalizadas, cumprindo o impor-
tante e fundamental papel social da arte nesse contexto.71
Há pouco falávamos das relações humanas diante da vida, em face
de necessidades criadas pela sociedade e que em tantas ocasiões se so-
brepõem às verdadeiras necessidades humanas. Inauguro a exposição das
considerações de Wellington Nogueira com um testemunho que nos
deu já quase ao final do debate.
Dizia ele que quando a ONG Doutores da Alegria passou a mar-
ca dos dez anos foi uma satisfação verificar que o propósito continuava
71 VIVA HUMANIZAÇÃO. Educação em Saúde: Humanização e a Universidade.
Palestrante: Wellington Nogueira. Vídeo (59:58s). Disponível em:
youtube.com/watch?v=OfpIKC0COvA>. Acesso em: 28 dez. 2014.
152
VALDIR CIMINO
o mesmo, ileso em seus valores primeiros, sólido rumo ao futuro, mas
o campo de visão que a sua frente apresentava pedia mudanças. Trans-
formações clamavam por ampliação, pois diante de seus propósitos
agora havia a cidade, o entorno, o país como uma criança hospitalizada,
não se podendo mais dizer onde começava e terminava o hospital. Isso
devido ao cultivo da doença estar se alastrando em campos onde se es-
pera receber apenas sementes das relações com a vida.
Para Wellington Nogueira, “enquanto existe vida, existe oportu-
nidade para tudo”. Os Doutores da Alegria iniciaram suas atividades em
1991 e hoje estão em quase todos os hospitais do Brasil, trabalhando
cada vez mais a relação entre a arte e a ciência. Onde termina uma, a
outra assume suas funções, seu posicionamento. Chegam a um ponto
em que se perguntam onde começa o humor, a saúde, o médico ou o
palhaço? Na verdade, integram-se, comunicam-se, e juntos seguem pelo
caminho da humanização, prestando um precioso serviço ao sistema de
saúde como um todo, especialmente aos pacientes.
Wellington nos esclarece que o aparecimento do arquétipo do
palhaço em todas as culturas, em todas as etapas da evolução da socie-
dade, não é um mero acidente e sempre que ele aparece, está ligado à
figura que seria equivalente ao arquétipo do médico, do tratador, do
curador, tamanha é a sua influência na recuperação de estados de ânimo
e mesmo de saúde. Nesse aspecto surge, pode-se dizer, como um edu-
cador, alguém que consegue levar esclarecimentos, e nada melhor
quando isso é feito de forma a descortinar o que, de fato, é importante
nas relações humanas: afeto.
Por isso, afirma Wellington Nogueira, que saúde e educação
devem caminhar juntas. Educação é muito além do que se padroniza
como suficiente. Frequentar instituições de ensino e obter habilidades
e técnicas nas mais diversas áreas do conhecimento. Educação é propor-
cionar a existência da conexão de ideias, de conceitos que sejam com-
preendidos a partir do exercício do raciocínio. É instrução que ensina
renovar-se à medida que se depara com o desconhecido.
A experiência de duas décadas de trabalho confirma para Wellington
que a humanização encontra seu ponto de partida na essencialidade da
153
A HUMANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS MÉDICOS E PROFISSIONAIS...
vida, a saber, na relação humana. A vida de todos é permeada por en-
contros que se transformam em relacionamentos, seja de um médico
com seus pacientes, seja a de qualquer outro profissional ou não diante
das relações que estabelece para si ou que a vida lhes apresente.
O diferencial nessas relações é a qualidade que a elas se emprega.
É uma decisão pessoal, ainda que a resposta do interlocutor seja contrá-
ria. Contudo, vivê-la com qualidade do ponto de vista de ambos os
polos propicia qualidade de vida. Relações humanizadas.
Os Doutores da Alegria realizam seu trabalho mediante o diálogo
(sempre a comunicação fazendo a diferença). É o olho no olho, encon-
trando no emocional da criança o caminho que traduz a sinceridade de
quem fala e de quem escuta. No entanto, seu objetivo não é o de se
apresentar com alguma aspiração terapêutica, mas tão somente alegrar,
pois dessa forma proporciona a abertura para que o profissional de saú-
de se aproxime sem qualquer resistência ou medo por parte do paciente.
É a notória realização da humanização da saúde.
Os resultados são comprovados a olhos vistos, especialmente
quando se depara com os médicos, depois de presenciarem os benefícios
da intervenção dos profissionais da alegria junto ao paciente, pedindo
para participarem igualmente, conhecendo as técnicas que aqueles uti-
lizam para se aproximar. Foi daí que nasceu a primeira oficina “O hos-
pital pelos olhos do palhaço”. E a partir dessa criação surgiu uma relação
com as universidades. É a coerência e a ética proporcionando qualidade
ao instante vivenciado pelo paciente.
Não à toa viu a necessidade de lançar um livro a que intitulou
“Soluções de Palhaços”, escrito por Morgana Maseti, coordenadora do
centro de pesquisa dos Doutores da Alegria, publicado pela Editora
Palas Athena, em São Paulo, para proporcionar ao médico um refinar
aos conhecimentos que tenha sobre seus relacionamentos com os pa-
cientes, as maneiras de se abordar e suas habilidades reacionais. Junta-
mente a este título, foi lançado também pela mesma autora, o livro
intitulado “Boas Misturas”, relançado com o nome “Ética da Alegria no
contexto hospitalar”, pela MMD Editora.
154
VALDIR CIMINO
Como não poderia deixar de ser, contagiante e eficaz como se
mostra com toda a sua simplicidade, tornou-se um meio requerido por
universidades e hospitais, tendo em seu extenso quadro, formandos e
alunos das faculdades de medicina que desejam conhecer o mais simples
e eficiente método de humanização reconhecido. Por toda essa expe-
riência, Wellington Nogueira confirma a necessidade das faculdades
ampliarem seus currículos com disciplinas que tratem especificamente
da formação humana do médico.
Os resultados já são tão reconhecidos no meio médico que não raro
os Doutores da Alegria recebem solicitações dos universitários, por indi-
cação até mesmo dos próprios pacientes, para que se façam acompanhados,
o que o fazem com toda a presteza, acompanhando-os em seus trabalhos
e conclusões, testemunhando o bem estar e a delicadeza das relações entre
os seres humanos, conforme as palavras de Wellington Nogueira.
Uma conclusão que divide conosco é que a área social e o segundo
setor podem se juntar e começar a ver que dentro das duas instituições
existem pessoas que podem unir esforços, conhecimentos e potencialidades
para criar um novo sentido ao lucro, envolvendo-o à dignidade enquanto
proporciona verdadeira responsabilidade social. O produto ou serviço,
segundo Wellington Nogueira, que não tem missão, visão, valores, raiz,
ou não ouve a inquietação do indivíduo está fadado a desaparecer.
Pode-se escolher. Agir assim ou optar por promover alegria que
transforma, mediante ética e foco em qualidade de vida, reestabelecendo
as relações humanas por meio de comunicação clara, honesta e direta,
tanto quanto se disponha a revisar os rumos da gestão, dos currículos uni-
versitários, das mentalidades em favor da humanização do sistema de saúde.
Ambos se apresentam como um caminho sem volta. Pode-se
escolher.

Para continuar a ler

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