Human Rights of Capital: Law Reflection and Command of the Labour Force/Direitos humanos do capital: reflexo juridico e comando da forca de trabalho.

AutorCunha, Elcemir Paco
  1. Introducao

    Propomos no texto a discussao sobre a relacao entre os direitos humanos e a contradicao entre capital e trabalho na producao do valor. A questao mais ampla que move nossa discussao e determinar, ainda que provisoriamente, a medida do tensionamento provocado pelas reivindicacoes em torno dos direitos humanos no complexo da producao das mercadorias como pauta da luta do trabalho contra o capital. Nao se chega a bom termo nessa questao sem uma compreensao apurada das complexas reciprocidades entre direito e economia e das lutas travadas no interior e por meio delas.

    Consideraveis elementos dessas reivindicacoes fazem parte da luta historica entre as classes implicadas no relacionamento entre o trabalho e o capital. Tanto as lutas pela protecao da infancia das garras de impeto compulsivo do capital quanto pela limitacao da jornada de trabalho, sem falar das condicoes de trabalho e de outros direitos trabalhistas. Por esse motivo, qualquer discussao sobre direitos humanos precisa partir de uma compreensao historica da luta de classes nos diferentes estagios de desenvolvimento do capitalismo. Essa propria historia se encarrega de revelar as razoes decisivas pelas quais os direitos do homem passam a ser postos inadvertidamente como o limite teorico-pratico da luta emancipatoria do trabalho evidentemente perspectivada a partir dos interesses adversos a classe trabalhadora.

    Isso implica o reconhecimento de que os movimentos reivindicatorios em torno dos direitos humanos no complexo imediato da producao deixam intactos os pilares de sustentacao da propria producao capitalista, ao passo que nao pode deixar de ser uma pauta importante no processo de luta da classe do trabalho. A proposito de avaliar o potencial dos direitos humanos na luta contra o capital, e condicao sine qua non especificar os seus limites teorico-praticos.

    Para especificar tais questoes, recorremos a analise do "objeto ideologico" materializado pela Carta Internacional dos Direitos Humanos (Art. 23, 24 e 25) de 1948 e pela Declaracao dos principios e direitos fundamentais no trabalho (1. Liberdade de associacao e reconhecimento efetivo do direto de negociacao coletiva; 2. A eliminacao de todas as formas de trabalho forcado ou compulsorio) de 1998. Igualmente se procedeu numa analise da expressao da efetivacao dos direitos humanos pela Elektro (eleita, em 2014, a melhor empresa para se trabalhar no Brasil e, em 2015, a melhor na America Latina) a partir de seu Codigo de etica e seu Relatorio de sustentabilidade 2013. Foi tambem considerada a Vale (empresa de mineracao) a partir de seu Guia de direitos humanos apenas como expressao da conversao dos direitos humanos em tecnica de gestao. Para os diferentes tipos de materiais, tratou-se de realizar uma analise imanente. Destaca-se a "dependencia genetica das forcas motrizes de ordem primaria":

    Por analise imanente nao se compreende o estudo que confere ao produto ideologico explicito, origem e desenvolvimento imanente ao proprio campo das ideologias. O que vale dizer que as ideologias, como todas as manifestacoes superestruturais, nao possuem uma historia autonoma, mas esta sua condicao de dependencia genetica das forcas motrizes de ordem primaria nao implica que elas nao se constituam em entidades especificas, com caracteristicas proprias em cada caso, que cabe descrever numa investigacao concreta que respeite a trama interna de suas articulacoes, de modo que fique revelado objetivamente seu perfil de conteudos e a forma pela qual eles se estruturam e afirmam (CHASIN, 1978, p. 77).

    Nossa analise segue a determinacao segundo a qual "o direito nunca pode ultrapassar a forma economica e o desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade" (Marx, 2012, p. 31). E, ainda, que "as relacoes economicas" nao "sao reguladas por conceitos juridicos", mas que, "ao contrario, sao as relacoes juridicas que derivam das relacoes economicas" (Marx, 2012, p. 27) e se mantem em constante e complexas reciprocidades (Marx, 1986, p. 251-2). Com as devidas ressalvas acerca das complexas relacoes entre a forma juridica, as condicoes materiais do capitalismo e as formas historicas ("homem abstrato", pessoa juridica), a analise mostra que os conteudos concretos se expressam ou deixam de se expressar na forma juridica e, por outro lado, mostra tambem os resultados concretos com a efetivacao dos direitos humanos por empresa reconhecidamente progressista neste campo tangente ao trabalho, no caso, a Elektro. Nossa analise sugere uma ligacao reciprocamente historica entre os direitos humanos tangentes ao trabalho e o comando da forca de trabalho no capitalismo. Fazer a critica dessa reciprocidade e condicao fundamental para situar os direitos humanos em meio a luta de classes, sem cair na ilusao, sustentada por alguns homens da politica, de que "a luta" por tais direitos "e a essencia da nova luta de classes" (1).

    Com efeito, o texto que segue esta dividido em cinco partes. Na primeira, procuramos explicitar os direitos humanos como forma juridica desenvolvida no capitalismo e discutimos o carater heterogeneo desse desenvolvimento. Na segunda e terceira partes, tratamos especificamente do material das declaracoes dos direitos humanos ligados ao trabalho e da efetivacao desses direitos por mediacao da pratica de comando da forca de trabalho no interior das unidades produtivas. Na parte imediatamente consequente, discutimos as reciprocidades entre os direitos humanos tangentes ao trabalho e as praticas de gestao da forca de trabalho, buscando explicitar os movimentos historicos do singular ao universal e do universal ao singular. Na ultima parte, fazemos as consideracoes acerca do potencial dos direitos humanos em meio a luta dos trabalhadores para alem do capital.

  2. Capitalismo e desenvolvimento heterogeneo do reflexo juridico

    Cabe expor alguns poucos pontos muito especificos com relacao ao desenvolvimento heterogeneo do direito no capitalismo. A polemica maior, obviamente, e, por um lado, em relacao a uma completa desvinculacao entre direito e capitalismo, alem de todos os devaneios dai derivados como, por exemplo, tomar o primeiro como o sublime portador da razao, um desenvolvimento autonomo. Por outro lado, e preciso tambem evitar o erro oposto, qual seja, o de derivar mecanicamente o direito do capitalismo estabelecendo uma identidade nao correspondente, muito automatica.

    Nesse segundo caso, que nos interessa mais de perto, e Pachukanis (1988) que forneceu as principais contribuicoes (cf. Paco Cunha, 2014a; Sartori, 2015). Obviamente que e repleto de complicacoes reduzir em absoluto o autor russo a essa posicao de uma derivacao automatica, mas existem tendencias nessa direcao, sobretudo no decisivo texto de 1924. Particularmente a tendencia de estabelecer uma monocausalidade entre o complexo da economia e do direito, o que reduz a apreensao de outros problemas e nexos historicos (a relacao entre "homem abstrato" do cristianismo, a pessoa juridica e o trabalho abstrato no capitalismo, por exemplo, Cf. Paco Cunha, 2015). Temos em mente, mais especificamente, a relacao de nao identidade e de reciprocidade entre os dois complexos supracitados. Ao passo que o direito e, em seu estado mais desenvolvido, reflexo juridico das condicoes sociais presentes, seu desenvolvimento com respeito a tais relacoes reais culmina em formas abstratas por meio de um processo heterogeneo de desdobramento (como sugere Lukacs, 2013), nao sem mediacao de formas historias anteriores (como o "homem abstrato" etc.).

    Sabendo das conexoes, e evitando essas duas posicoes anteriores, o reflexo juridico e melhor determinado pelo enlace de determinacoes. O modo de producao capitalista engendra relacoes juridicas correspondentes, nao sem influencia daquelas formas historicas. No capitalismo, as relacoes juridicas correspondentes desenvolvem as relacoes reais existentes sob um carater homogeneo, em iguais proprietarios de mercadorias. Esse movimento e, ja em si mesmo, replicador da forma aparente da propria realidade uma vez que nessa forma aparente pre-juridica, por assim dizer--instante de genese particular em que o momento juridico ainda nao se constituiu decisivamente--, estao apagadas as relacoes sociais entre homens no resultado social concreto, isto e, as mercadorias.

    Da forma como Marx (2013) pode expressar com relacao ao fetiche das mercadorias, na forma da coisa nao se revela, por exemplo, que a propria producao das mercadorias e ja um modo de distribuicao desigual dos meios de producao dessas coisas. Assim, a desigualdade real e refletida na forma aparente como igualdade, dada pela equiparacao objetiva dos trabalhos como equivalentes, isto e, a abstracao real de suas diferencas--um requisito para as trocas. Assim tambem as relacoes de compra e venda da forca de trabalho nao revelam imediatamente a producao do mais-valor, uma vez que a forma-salario nao expressa o tempo em que o trabalhador trabalha para si e o tempo que trabalha para o capital. Nesse sentido, o comando da forca de trabalho tendencialmente aparece como algo distinto de uma relacao de dominacao; sao amplas as consequencias do fetiche da mercadoria.

    O momento juridico se adiciona ao fetiche da mercadoria e nao constitui fetiche proprio, em si mesmo (Paco Cunha, 2015). Desdobrando tal fetiche da mercadoria e seus pressupostos (as relacoes sociais por traz da forma da coisa) em relacoes juridicas, outras camadas aparentes ganham aderencia. Ja aqui incidem questoes morais diversas etc. Nesse ponto da atuacao do momento juridico, o reflexo nao e autentico na medida mesma em que, sendo tambem camada aparente, nao ultrapassa e nao pode ultrapassar nem a camada imediata da aparencia posta pelo fetiche, num sentido sincronico, nem as condicoes economicas da propria sociedade existente, no sentido diacronico. Em outros termos, o proprio desenvolvimento das relacoes juridicas correspondentes ao capitalismo--tambem por mediacao de formas historicas outras que caem na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT