Homossexualidade: psicanálise, religião e educação
Autor | Eliseu Roque do Espirito Santo |
Cargo | Doutor em Teologia na área Religião e Educação pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo |
Páginas | 88-103 |
10.5007/1807-1384.2017v14n3p88
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.3, p.88-103 Set.-Dez. 2017
HOMOSSEXUALIDADE: PSICANÁLISE, RELIGIÃO E EDUCAÇÃO
Eliseu Roque do Espirito Santo
1
Resumo:
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a homossexualidade. Destina-se a verificar
os esforços da psicanálise clássica para entender e definir o fenômeno da
homossexualidade, que para muitos até hoje ainda é cercado por mistério, e entender
como o tema é tratado dentro das igrejas cristãs e da escola. O autor conclui que os
esforços iniciais da psicanálise clássica para entender o fenômeno da
homossexualidade foram destinados a aliviar o sofrimento daqueles que enfrentaram
o problema e procuraram ajuda terapêutica. Atualmente, a psicanálise/psicologia
tende a ver a homossexualidade como um mero resultado de uma construção social,
a fim de classificar os indivíduos. Na esfera religiosa, as igrejas cristãs
especificamente, a homossexualidade é vista como pecado e transgressão da lei
divina e da natureza. No entanto, os princípios de amor, justiça e graça, juntamente
com as necessidades práticas das igrejas tendem a mudar no futuro a perspectiva de
igrejas sobre o assunto. A escola é outro espaço na sociedade onde a
homossexualidade manifesta-se, seja nos corpos dos sujeitos ou em materiais
educativos. Observa-se no Brasil um esforço para tornar a escola um espaço para a
discussão de questões de sexualidade e gênero, bem como de reconhecimento da
identidade de gênero.
Palavras-chave: Homossexualidade. Psicanálise. Religião. Educação. Políticas.
1 INTRODUÇÃO
Um maniqueísmo teórico/jurídico domina a cena de debate da
homossexualidade no Brasil, a lógica perversa de defender o direito próprio negando
o do outro. O caminho adotado por teóricos, políticos e movimentos gays e/ou
semelhantes tem sido de desconstruir o ideário heterossexual, ou seja, separar ou
retirar a sexualidade do âmbito do biológico e da natureza humana2 (CECCARELLI,
2015). Por outro lado, outros se mantêm firmes numa visão exclusivista de
heterossexualidade (ex. Igreja, alas conservadoras dos partidos políticos, Movimento
Escola Sem partido, entre outros), ignoram e se opõem em reconhecer o fenômeno
1 Doutor em Teologia na área Religião e Educação pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo,
São Leopoldo, RS. Professor no curso de Teologia da Universidade do Grande Rio e de Educação no
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
eliseu.roque@gmail.com
2 Michel Foucault é sem dúvida o grande teórico que propõe a desnaturalização da sexualidade ao
afirmar a norma sexual como um discurso socialmente construído, provavelmente com a função de
reproduzir a força de trabalho e as relações sociais (cf. FOUCAULT, 1988).
89
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.3, p.88-103 Set.-Dez. 2017
da homossexualidade, e, como consequência, seus direitos
3. Não haveria espaço
para as duas normas? Uma sociedade democrática, livre e plural não deveria ter
espaço tanto para heterossexuais como homossexuais?
Na questão da sexualidade, a opção do uso da categoria “gênero” ao invés de
sexo se deu por motivo da necessidade de uma abordagem para além do biológico e
da categorização macho e fêmea (SECAD/MEC,2007). A categoria gênero considera
construções históricas, culturais e políticas que configuram identidades. Sua
importância se dá pelo fato de considerar o ser humano muito mais que um ser
biológico, um ser que se auto recria, se configura.
O ser humano é tanto objeto como sujeito da construção de sua identidade.
Ao mesmo tempo em que é formado pelo meio social e físico em que vive, é capaz
de transcendê-lo. Visões estáticas do ser humano, que o vê como ser acabado,
negam, nas palavras de Freire, a “vocação ontológica do ser humano de ser mais”
(1987, p. 106).
Este artigo pretende analisar como o fenômeno da homossexualidade tem sido
tratado no âmbito da psicologia/psicanálise, religião e educação. Em primeiro lugar,
é apresentada a discussão e seus desdobramentos nos campos da
psicologia/psicanálise. Em segundo lugar é apresenta a compreensão religiosa das
igrejas cristãs (católica e evangélica). Por último, são apresentadas e discutidas
iniciativas no âmbito educacional.
2 O FENÔMENO DA HOMOSSEXUALIDADE: A PERSPECTIVA DA PSICANÁLISE
A homossexualidade é tão antiga como a humanidade. Ela surge como
problema na sociedade moderna e se intensifica na sociedade pós-moderna junto
com o clamor de minorias de diversos matizes em busca de um “lugar ao sol” a partir
do ideal de sociedades democráticas, livres e pluralistas. Apesar de antiga, a
homossexualidade é um fenômeno pouco compreendido na maioria das sociedades.
Enquanto na atualidade o debate sobre a homossexualidade, no Brasil, é mais
frequente no âmbito jurídico e político, nas primeiras décadas do século vinte foi um
3 Richard Von Kraff-Ebing (1840-1902), psiquiatra alemão, com sua obra “Psychopathia Sexualis” é a
inspiração para aqueles e aquelas que desejam apontar a homossexualidade como uma patologia.
Para Kraff-Ebing a homossexualidade era uma perversão, uma doença (DAMETTO; SCHMIDT, 2015).
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO