Homossexualidade e negativa de direitos: análises a partir de alguns discursos

AutorRalei Pereira Matos
Páginas387-428

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Apresentação

Os homossexuais sempre estiveram às voltas com reprovações e condenações de toda sorte, seja de inspiração social, jurídica, política, ideológica, religiosa e/ou econômica. Dada essa constatação, é comum encontrar situações nas quais comparações, imposições de valores e subjugações advindas de argumentos infundados e preconceituosos, baseados quase sempre num poder político hegemônico e na moral religiosa, culminam na exclusão desta parcela social. A discriminação por orientação sexual é uma realidade que desafia o mandamento constitucional da igualdade e, nesse sentido, percebe-se que muitos cidadãos terão negligenciados direitos e garantias constitucionais fundamentais. Este trabalho não pretende estabelecer uma verdade acerca da homossexualidade, tampouco discutir dogmas religiosos, mas se assenta na perspectiva de expor fatos rotineiros que, no mínimo, tentam inviabilizar o acesso a direitos que, independentemente da orientação sexual do cidadão, são sistematicamente violados. Entendendo que a homossexualidade é um evento natural, tenta-se apenas uma discussão que se orienta por essa temática, esforçando-se pela exposição de outros assuntos que lhe permeiam e que, dado seu potencial polêmico, invocam um urgente debate, já que em alguns momentos, e por diversos motivos alegados, os mesmos conflitam com os princípios de proteção da dignidade e da igualdade humana.

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1 Introdução

A partir de sua conscientização política, por diversos motivos a sociedade sempre se uniu para reivindicar direitos e, a partir do diálogo ou do enfrentamento, propor situações que garantam representatividade, dignidade e cidadania, junto aos poderes instituídos. Assim, nota-se a formação de diversos grupos voltados para o questionamento das injustiças sociais, que, dando-lhes publicidade, opõem-se a elas: são os chamados Movimentos Sociais.

Na análise de GOHN1, Movimentos Sociais (MS) podem ser identificados como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas. As causas que defendem são diversas, assim como as formas de articulação que lhes concede espaço, visibilidade e participação nas ações voltadas às mais diversas especificidades. Por meio de suas práticas, fazem um diagnóstico da realidade social, a partir do qual constroem ações coletivas de resistência que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade a partir da prática de pressão/mobilização, opondo-se à exclusão social e quaisquer formas de alijamento social.

Para MONTAÑO e DURIGHETTO2, um Movimento Social, dentre outras determinações, é conformado pelos próprios sujeitos portadores de uma identidade, uma necessidade e uma reivindicação, que se mobilizam para enfrentar determinadas questões. Ainda de acordo com esses autores, ele pode ser considerado como um mecanismo pelo qual os cidadãos reivindicam seus interesses; a partir de direitos negados e/ou não disponibilizados pelo Estado. Além disso, são idealizadores dos processos democráticos das últimas décadas, fazendo-se presença constante em acontecimentos históricos de suma importância, cuja influência pode afetar a (re)organização social e/ou determinar modificações nos parâmetros normativos como um todo.

Revelando carências, processos de exclusão e nominando necessidades sociais, infere-se que são, então, ações coletivas com grande potencial político, organizadas com vistas a determinadas mudanças que levem a uma nova ordem social. Nesse sentido, pode-se afirmar que os MS vão além das denúncias de privações sócio-materiais, pois, a partir de sua associação, retratam as insatisfações e os desejos coletivos; apresentando-se como

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alternativa para a redefinição do papel da democracia, dada por ações coletivas públicas, incitando a organização social, cuja participação deve alcançar mais que a ausência ou a inércia do Estado, trazendo contribuições que se materializem em políticas públicas.

Se existe a necessidade de elaboração de estratégias que rompam com situações de opressão, é porque existe quem oprime e quem é oprimido. É nesse sentido que GOHN3nos mostra que os elementos constitutivos que caracterizam esses movimentos podem ser percebidos na seguinte tríade: uma identidade, um opositor e um projeto de vida e de sociedade.

MONTAÑO e DURIGHETTO4fazem distinção entre movimento social e mobilização social, informando que, enquanto o primeiro caracteriza uma organização com relativo grau de formalidade e de estabilidade, que não se reduz a uma dada atividade ou mobilização; o segundo remete a uma atividade, que se esgota em si mesma quando concluída.

Esse sócio-ativismo, composto por diferentes personagens, faz-se imprescindível e determinante na instituição e manutenção de direitos, bem como na constituição da democracia e para a modificação das convenções e das tentativas de padronização social.

Assim, surgem determinados grupos em busca do reconhecimento de seus direitos, tais como o Movimento LGBTTTI5, cujas ações são o reflexo de um esforço conjunto para a consolidação de espaços públicos materializados a partir de suas demandas e reivindicações; de sua associação e de sua atuação, rumo a novos ordenamentos e políticas públicas que interferem diretamente no exercício de sua cidadania.

2 Homossexualidades6 - breves comentários

Considerando-se que a sexualidade humana carrega em si diversas dimensões, tão complexas como o próprio ser humano, pode-se afirmar

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que ela sempre foi um tabu para toda e qualquer sociedade. Essa afirmativa vai ao encontro do que afirma GREEN7, para quem as questões referentes à sexualidade não se restringem ao âmbito individual, uma vez que é nas relações sociais que se percebem, por exemplo, como a sociedade forma os padrões de relação de gênero, estabelecendo o que homens e mulheres podem ou devem fazer.

Para BORRILLO8, a sexualidade humana manifesta-se pela adoção de padrões culturais historicamente determinados; e uma chamada ordem natural dos sexos determina que o feminino dever ser apenas complementar ao masculino, pelo viés da subordinação psicológica e cultural. Isso impõe uma produção sociocultural que aponta para a vinculação do masculino ao universo exterior e político, enquanto o feminino será vinculado ao privado, ao íntimo, ao doméstico. Constitui-se, assim, uma infinidade de sanções e regulações que atribuem um papel a cada grupo social, que pouco a pouco se torna culturalmente legitimado.

Na maioria das vezes, essas sanções e regulações contribuem fortemente para que se perpetuem formas de agressão, constrangimento e coerção; cujo alcance é mais perceptível em relação à homossexualidade. Afirma-se que sobre ela reina uma tendência à condenação, o que exige a ruptura do silêncio e das diversas formas de violência às quais historicamente se subordinou, expressas em visões impregnadas de preconceitos e estereótipos, engendrado num sistema de humilhação, inferiorização, exclusão e violência.

Em articulação orquestrada sob a cumplicidade científica, religiosa, cultural e institucional, cria-se então cenário que é produto e ao mesmo tempo produtor das hierarquizações e da naturalização das normas de gênero. Dado esse quadro, sugere-se então a supressão dos comportamentos "inadequados", ou, no dizer de GOHN9, indica-se "um modelo ideal de comportamento [...] composto, de um modo geral, pela superação dos chamados vícios ou desvios".

Em relação ao que é a homossexualidade10, desprezando quaisquer alegações que possam supor uma verdade única sob a qual se assenta,

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FRY & MAC RAE11afirmam que: "[...] não há verdade absoluta sobre o que é a homossexualidade e que as ideias e práticas a elas associadas são produzidas historicamente no interior de sociedades concretas, e que são intimamente relacionadas com o todo destas sociedades".

De acordo com NAPHY12, a homossexualidade é um fato histórico constatado e relatado desde os primórdios civilizatórios que desperta os mais controversos sentimentos, desde a tolerância ou aceitação, até mesmo o total repúdio e aversão.

Apesar de na antiguidade a homossexualidade ser encarada com naturalidade e até incentivada13, mesmo sob as normas e regulações vigentes nas diversas culturas, hoje sua aceitação social e a convivência com sua exteriorização se dá em cenários muito distintos. No decorrer da história, depois de aceita e difundida em diversas culturas, a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo passa a ser vista primeiramente como um pecado, até tornar-se um crime social e finalmente alcançar a designação de doença.

Nesse mesmo cenário paradoxal, percebe-se que há uma distinção entre masculinidade e feminilidade, fortemente marcada pela "atividade" ou pela "passividade", posta na execução dos papéis sociais14, o que mostra que o desempenho das ações de cada sexo é forjado socialmente. No ideário social, enquanto o homem é o provedor, é o agente ativo e o representante único do poder decisório, as mulheres estarão sempre às voltas com as questões de menor expressão e pouco poder.

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Quanto aos homossexuais, sua (in)visibilidade oscila e assume diversos estados, numa alternância de significados que, de acordo com MACHADO e PRADO15, varia entre a Grécia antiga onde "[...] era a pederastia que propiciava acesso ao mundo da elite social; era [...] a relação pederasta que transformava o rapaz em um verdadeiro homem [...]" e o mundo atual, onde "[...] os homossexuais muitas vezes ocupam uma posição marginal na sociedade e são normalmente considerados como efeminados [...]".

É assim que, ora seguindo ditames religiosos, ora sofrendo imposições sociais, num estabelecimento de relações de poder16? logo, de submissão ? os...

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