Homossexualidade e direito à identidade sexual: um estudo à luz dos direitos da personalidade

AutorWellington Soares da Costa
CargoPós-Graduado em "Gestão e Desenvolvimento de Seres Humanos"
Páginas297-305

Wellington Soares da Costa1

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1 Introdução

Pesquisar a sexualidade é querer desvendar uma das grandes incógnitas da existência humana, querer decifrar uma das mais instigantes realidades, atrever-se a sondar um palpitante universo.

Segundo Moser (2001, p. 41), além das dimensões sociocultural, afetiva, político-ideológica, religiosa e espiritual da sexualidade existe a dimensão psicológica, "que nos faz perceber melhor o que se denomina de identidade sexual, que poderia ser avaliada a partir de ao menos quatro aspectos: o biológico, o do gênero, o da orientação sexual e o dos valores".

O presente artigo atém-se prioritariamente às ponderações de cunho jurídico-axiológico, dentre os desdobramentos e as interfaces apresentados pela sexualidade, expondo o tema à luz dos direitos da personalidade, inerentes à pessoa humana, com enfoque na homossexualidade e não uniões homossexuais, sabendo-se que:

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Sem igualdade, não há liberdade. A democracia deixa de existir na práxis. O Estado Democrático de Direito torna-se um sonho a ser concretizado. O castelo de árduas e louváveis conquistas humanas rui fragorosamente, graças às selvagerias perpetradas contra aqueles que historicamente têm sido as vítimas. O Direito é carcomido pela hipocrisia. A Justiça é apunhalada e agoniza. A humanidade sente vergonha de seus próprios atos. Narciso aterroriza-se com sua fealdade. As relações sociais necessitam de mais humanização (COSTA, 2006, p. 51).

2 Direitos da personalidade e direito à identidade sexual

Os direitos da personalidade2 são intrínsecos ao homem e condição imprescindível à vida com dignidade3. São direitos absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis, ilimitados, impenhoráveis, inexpropriáveis, extrapatrimoniais, vitalícios e necessários. Classificam-se quanto à integridade física, intelectual e moral, nessa última inserindo-se o direito à identidade sexual.

Nas palavras de Carlos Fernandez Sessarrego apud Santos (1999, p. 195), o direito à identidade sexual:

[...] é um dos direitos fundamentais da pessoa humana. Esta específica situação jurídica, subjetiva, faculta ao sujeito a ser socialmente reconhecido tal como ele é, e, co-relativamente, a imputar aos demais o dever de não alterar a projeção comunitária de sua personalidade. A identidade pessoal é a maneira de ser, como a pessoa se realiza em sociedade, com seus atributos e defeitos, com suas características e aspirações, com sua bagagem cultural e ideológica; é o direito que tem todo sujeito de ser ele mesmo. E, assim, prossegue dizendo o mais importante: a identidade sexual, considerada como um dos aspectos mais importantes e complexos, compreendidos dentro da identidade pessoal, forma-se em estreita conexão com uma pluralidade de direitos, como são aqueles atinentes ao livre desenvolvimento da personalidade [...]

O direito à identidade sexual faculta ao indivíduo livremente expressar a orientação sexual, que independe do chamado sexo biológico e, segundo a Psicologia e a Psicanálise, forma-se no inconsciente. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]" é o que reza o caput do Art. 5º da Carta Política de 1988, cabendo às pessoas violentadas em seu direito de vivenciar a própria sexualidade recorrer ao Poder Judiciário para a defesa que lhes é devida, pois "A garantia da cidadania passa pela garantia da expressão da sexualidade, e a liberdade de orientação sexual insere-se como uma afirmação dos direitos humanos" (DIAS, 2000, p. 16) e "Um Estado Democrático de Direito, que valoriza a dignidade da pessoa humana, não pode chancelar distinções baseadas em características individuais" (DIAS, 2000, p. 147).

A legislação internacional protege o direito à identidade sexual4, ao preceituar que:

1) Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948:

o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [1º Considerando]

o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum [2º Considerando]

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade [Art. 1º]

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito [...] à realização [...] dos direitos [...] sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade [Art. 22]

2) Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de abril de 1948:

[...] os povos americanos dignificaram a pessoa humana e que suas Constituições nacionais reconhecem que as instituições jurídicas e políticas, que regem a vida em sociedade, têm como finalidade principal a proteção dos direitos essenciais do homem e a criação de circunstâncias que lhe permitam progredir espiritual e materialmente e alcançar a felicidade; [1º Considerando]

Toda pessoa tem direito a constituir família, elemento fundamental da sociedade e a receber proteção para ela [Art. 6]Page 299

Os direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem-estar geral e do desenvolvimento democrático [Art. 28]

3) Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos:

os Estados signatários têm como propósito, 'dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem' [Preâmbulo];

ARTIGO 1 - Obrigação de Respeitar os Direitos. 1. Os estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecendo e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

ARTIGO 5 - Direito à Integridade Pessoal. 1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a [...] tratos cruéis, desumanos ou degradantes. [...]

ARTIGO 11 - Proteção da Honra e da Dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. [...]

4) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966:

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana,

Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado, a menos que se criem as condições que permitam a cada um gozar de seus direitos civis e políticas, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais,

Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana,

Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto, [...] [Preâmbulo]

5) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966:

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Reconhecendo que esses direitos decorrem da dignidade inerente à pessoa humana,

Reconhecendo que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos que se criem as condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos,

Considerando que a Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana,

Compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto, [...] [Preâmbulo]

A Declaração dos Direitos Sexuais (WAS, 2005) enumera dez direitos que guardam pertinência com a sexualidade: autonomia sexual, integridade sexual e segurança do corpo sexual; educação sexual compreensiva; escolha reprodutiva livre e responsável; expressão sexual; informação baseada no conhecimento científico; liberdade sexual sem discriminações (independente de orientaçãoPage 300 sexual, inclusive); livre associação sexual; prazer sexual; privacidade sexual; saúde sexual.

A propósito do direito à identidade sexual, o Estado de Minas Gerais, através da Lei nº 14.170/ 2002, regulamentada no Decreto nº 43.683/2003, comina sanções às pessoas jurídicas de direito privado e direito público que cometem atos que "discriminem, coajam ou atentem contra os direitos da pessoa em...

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