Holograma cultural e tradições do corpo

AutorAntonio Araújo
Páginas39-42

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Ea cultura humana? Apenas um engenhoso artifício? Estimulante suposição? O perspectivismo de Roy Wagner expôs a invenção da cultura, a partir de seus estudos sobre os Daribi entre 1968 e 1978, na Melanésia:

Um antropólogo experiencia, de um modo ou de outro, seu objeto de estudo; ele o faz através do universo de seus próprios significados, e então se vale dessa experiência carregada de significados para comunicar uma compreensão aos membros de sua própria cultura. Ele só consegue comunicar essa compreensão se o seu relato fizer sentido nos termos de sua cultura. Ainda assim, se suas teorias e descobertas representarem fantasias desenfreadas, como muitas das anedotas de Heródoto ou das histórias de viajantes da Idade Média, dificilmente poderíamos falar de um relacionamento adequado entre culturas. Uma “antropologia” que jamais ultrapasse os limiares de suas próprias convenções, que desdenhe investir sua imaginação num mundo de experiência, sempre haverá de permanecer mais uma ideologia que uma ciência. Assim, nosso entendimento tem necessidade do que lhe é externo, objetivo, seja este a própria técnica, como na arte “não objetiva”, ou objetos de pesquisa palpáveis. Ao forçar a imaginação do cientista ou do artista a seguir por analogia as conformações detalhadas de um objeto externo e imprevisível, sua invenção adquire uma convicção que de

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outra forma não se imporia. O que o pesquisador de campo inventa, portanto, é seu próprio entendimento: as analogias que ele cria são extensões das suas próprias noções e daquelas de sua cultura, transformadas por suas experiências da situação de campo. Ele utiliza essas últimas como uma espécie de “alavanca”, como faz o atleta no salto com vara, para catapultar sua compreensão para além dos limites impostos por pontos de vista prévios. (WAGNER, [1975] 2010, p. 29, 40-41; 1967; 1977; 1981)

Há uma fábula hindu, a dos cegos e o elefante, narrada por John Godfrey Saxe (1881) — poeta de Vermont, EUA. Nela, seis cegos foram apresentados a esse mamífero, animal que não conheciam. Tatearam-no e, ato contínuo, descreveram o elefante com base em suas impressões ao tocar-lhe partes. Seis imagens diferentes afluíram: árvore, muralha, lança, cobra, abanador e corda. Explicaram algo desconhecido por analogia, reinventando o elefante.

Quiçá o elefante tenha sido mais realista em sua temperança, abnegação e serenidade ao toque. Mas como?

Um incansável Viveiros de Castro sistematiza a cosmovisão...

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