Históricos do acesso à justiça

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CAPÍTULO I

HISTÓRICOS DO ACESSO À JUSTIÇA

1.1 Escorço da evolução

O Brasil vem, há muito tempo, confrontando-se com esta problemática em relação à justiça, qual seja, uma prestação jurisdicional ineficaz e pouco acessível, decorrente do desequilíbrio entre os desiguais, que perdura desde os tempos do descobrimento permanecendo até os dias atuais.

Buscou a colônia junto à metrópole, no âmbito do direito e da justiça, uma legislação de maior proteção social, visando, mesmo que timidamente, a um mínimo de garantia dos direitos sem, contudo, alcançar a aplicação do direito e sua efetividade.

Sob o manto do conformismo e manifesta despreocupação com a população crescente o dilema da metrópole era de prudência exacerbada e uma sensatez em demasia, primando única e exclusivamente pelos interesses econômicos advindos da colônia.

Os excluídos socialmente eram e ainda são os excluídos do Acesso à Justiça. Em 1889, à proclamação da República, trouxe como consequência, um mínimo de eficácia, estabelecendo no seio da sociedade um fio de esperança. É dessa época histórica o marco inicial da relação entre cidadão e o estado em nossa nação.

1.1.1 Na antiga Babilônia

Voltando no tempo, mesmo diante de divergências históricas de toda ordem, sem dúvida, a grande maioria dos historiadores e pesquisadores aponta o século XXI A.C., como sendo a primeira fonte de referência do Acesso à Justiça e

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efetividade jurisdicional, que tinha por objetivo maior evitar obscuridade nos julgamentos apontados no Código de Hammurabi, na antiga Babilônia, primeira metrópole do mundo. Essa referência é, antes de tudo, um convite à reflexão crítica, pois se não enfatiza de forma evidente o Acesso à Justiça para alguns, com certeza evidencia e instrumentaliza um aperfeiçoamento social em linhas gerais. Dentro deste contexto pode-se afirmar que para a humanidade o legado de Hammurabi foi a elaboração de um sistema de normas legais e escritas denominadas ``código´´, de forma ordenada, pois, no tema que se pretende expor, qual seja, o da Democratização e Distribuição da Justiça e suas fases de acesso, pouco se sabe a respeito do período anterior a ele.

Escrito antes de nossa era o “Código de Hammurabi” é incrivelmente atual. Possui 282 artigos reconhecendo institutos de direitos atuais, dentre eles, propriedade, família, sucessão, penhora, além de normas de proteção ao consumidor que, só recentemente, foram inseridas no sistema jurídico do Brasil2.

O rei era considerado um autocrata benevolente e o código por ele instituído regulava, em linhas claras e definitivas, a organização das sociedades por um corpo de leis, arranjadas em grupos ordenados, de modo que nem mesmo um cão que entrasse na cidade podia ser morto sem julgamento. Como forma de fazer justiça a seus governados, em casos específicos, muitos contratos continham uma condição especial, que, dizia: no caso de uma futura disputa das partes, prevaleceria a decisão do rei3.

As reivindicações processuais revestiam-se de peculiaridades e dava-se grande ênfase à produção de evidência escrita. Desde que as partes pudessem estar de acordo com o aludido código, deixava-as livres para firmar contrato como regra.

2ROQUE, Sergio Marcos. Código de Hammurabi. Trad. Leonard William King. São Paulo: Madras, 2005, p. 7 e 8.

3Ibid., p. 13 e 14.

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No caso de um processo, o queixoso preferia defender a si próprio por isso, não há traços de advogados profissionais, mas a defesa devia ser escrita e, sem dúvida, o notário assistia a sua redação.

O juiz via a defesa, chamava as outras partes diante de si e mandava buscar as testemunhas. Se elas não estivessem disponíveis, ele poderia adiar o caso, fixando um prazo de até seis meses. Podiam-se apresentar garantias da produção de uma testemunha em um dia fixo. Os casos mais importantes, especialmente os que envolviam vida e morte, eram julgados por um corpo de juízes. Com os juízes associava-se um corpo de anciãos, que tomava parte na decisão4.

O direito era titularizado pelo imperador, porém, qualquer um do povo tinha acesso à tutela postulada, por tudo isso, e toda a sua formalização de legislar, era aclamado como um sábio legislador, conforme pode ser pesquisado nos registros da época, uma vez ter proclamado publicamente ao seu povo, um corpo de leis devidamente ordenadas, tais como: “Para que o forte não oprima o fraco e para que seja feita justiça à viúva e ao órfão. Que cada homem oprimido compareça diante de mim, como rei que sou da justiça”5.

Consolidando a grande sabedoria do rei Hammurabi e sua grandeza como governante, cabe aqui enfatizar que outras civilizações utilizaram suas fontes para formarem suas leis, tais como: os persas, gregos e muitos outros.

1.1.2 No Império Romano: legado histórico

Para guardar fidelidade ao desenvolvimento histórico em análise, necessário se faz uma célere abordagem da fundação de Roma no século VIII AC, por alguns apontados como origem

4ROQUE, op. cit, p. 35.

5ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1963, p. 43.

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referencial do Acesso à Justiça, tudo com base na organização institucional romana, atribuída a Rômulo.

O cidadão Romano da época aparelhava-se para a guerra ou para a eloquência. É que a força orientadora da sociedade romana era “o idealismo político”, em vista do qual o indivíduo tinha necessidade de formar-se e as condutas particulares tinham o dever de subordinar-se e adaptar-se harmoniosamente.

Este povo essencialmente de agricultores e rústicos trazia em suas origens o instinto criado da ordem jurídica e o gênio político do comando. Simultaneamente com as guerras de conquistas, e projetando-se depois delas, travaram-se as lutas civis em torno do poder pelo povo (evolução democrática) luta esta com a finalidade de participar da direção dos negócios públicos até então confiados à classe patrícia, ou pleiteados pelas correntes políticas (agitação partidária, que se disputara a supremacia), um período de democratização da República6.

O império foi à paz. Assim sendo, conforme Fernando de Azevedo, “a ordem estática, que estabelecendo o poder discricionário, permitiu-se a codificação do direito público e privado, com o gênio Romano” o exame de consciência de sua civilização7.

6AZEVEDO, Fernando de. No tempo de Petrônio, ensaios sobre Antiguidade latina. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930, p. 224-225.

7Ibid., p. 225. Também se percebe na legislação do período de que estamos tratando certa tendência para os sentimentos humanitários e para o progresso. As principais disposições das doze tabuas harmônicas com as leis de Sôlon, denunciavam já esta tendência neste caso estavam o livre direito de associação e a autonomia das corporações constituídas em virtude desse direito, as regras relativas a limitação das heranças, a modificação das penas aplicáveis ao roubo, etc. O direito criminal foi reformado no mesmo sentido, um século depois, pela Lei Poetilia. A livre disposição dos bens, de que o proprietário gozava em vida, segundo o velho Direito Romano, mas que só podia dispor, em caso de morte, com autorização da comunidade, foi dispensada desta dependência, e a lei das

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O casamento civil tornou-se legal, baseado tanto no direito civil como no direito religioso8.

Será citada em primeiro lugar a restrição da alçada judiciária pela mudança do costume em lei e pela obrigação imposta aos juízes de sentenciarem nas causas cíveis e criminais, não segundo as regras variáveis dos costumes, mas segundo o direito escrito. A criação, em 367, de um magistrado particular incumbido da administração da justiça, e a organização simultânea, em Roma e em todas as cidades latinas, de um tribunal especial de policia, foram também importantes progressos. Estes magistrados policiais, os “edis”, logo adquiriram certa jurisdição, tornaram-se os juízes civis ordinários das vendas feitas no mercado público e, mormente das vendas de gado e escravos, bem como juízes de primeira instância para as multas e para os delictos, funções estas que, no Direito Romano, equivaliam as de acusador público9.

Ao desenvolvimento sempre crescente da República juntouse naturalmente no decorrer dos tempos, tanto por considerações pelos juízes como pelos cidadãos, nas localidades afastadas, a instituição de juízes cuja competência abrangia os pleitos civis de pouco valor. Essa instituição foi o principio de uma jurisdição municipal, que se desenvolveu a par da jurisdição perfeitamente romana.

doze taboas, ou sua interpretação deu ao testamento particular o valor que tinha aquele que era feito na cúria: assim se deu um largo passo para aplicação completa da liberdade individual ao direito de propriedade. (CANTU, César. Historia Universal. Livro quarto. Ampliada por Antonio Ennes. Fluminense: Empresa literária, Vol. III, p. 234 e 235).

8Assim o casamento começou a tornar-se obrigação legal quando o Censor Camillo fez decretar o lançamento de um imposto sobre os celibatários (AZEVEDO, op. cit, p. 235). Neste sentido observa-se que a autorização para contrair matrimônio sem consagração canônica preparou o enfraquecimento do poder absoluto do marido que à época era incontestável.Com estas observações assumindo uma atitude critica pode-se enfatizar que a administração da justiça Romana era politicamente mais importante, e por isso, mais estacionaria em geral do que o próprio direito, com esta tendência, sofreu maiores inovações.

9AZEVEDO, op. cit., p. 235.

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Relativamente à administração da justiça cível que, segundo as ideias do tempo compreendia a maior parte das ofensas feitas por um cidadão a outro, introduziu-se na lei escrita, depois da queda da realeza, a prática antiga de dividir a causa e de submeter à questão de direito ao magistrado (jus) e entregar a decisão do pleito a um juiz especial nomeado por...

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