Anotações sobre a evolução histórica da tutela coletiva no direito brasileiro

AutorMauricio Vasconcelos Galvão Filho.
Páginas371-546

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Introdução

"No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra."1Carlos Drummond de Andrade, 1928.

"Se a significação de um sistema de direito depende da concepção que se tem do indivíduo e da sociedade, é natural que a mudança operada no plano das relações civis seja objeto de esmerado estudo por parte de quantos cuidam da ordem jurídica. (...)

Se é pacífico, hoje em dia, que a interpretação das normas legais deve ser feita de maneira sistemática, isto é, no contexto unitário do ordenamento, tal entendimento cresce de ponto quando se opera a mudança do sistema em função de princípios considerados essenciais às exigências de nosso tempo."2 Miguel Reale, 05 de julho de 2005.

Dezembro de 2007.

O ser humano se depara com dimensões da organização social nunca antes existentes, como, por exemplo, uma população mundial que beira os sete bilhões de habitantes num planeta que vem sendo exaurido em ritmo acelerado, colocando em risco a própria preservação do mesmo, fauna, flora e da raça humana.

Prova incontestável deste panorama foi noticiado nas últimas semanas quanto ao "Encontro de Bali", promovido pela Organização das Nações Unidas, no qual se pretendia fixar entre os países presentes metas para a manutenção do Mundo e conseqüentemente da própria humanidade.

E ao término do "Encontro de Bali" verificam-se relatos que guardam relação com o objeto de estudo a seguir desenvolvido, como por exemplo o "choque" entre a necessidade de preservação do Meio Ambiente e a vontade de determinadas Nações manterem um processo desenvolvimentista predatório e nocivo ao Meio e à coletividade.

Ou seja, no cenário internacional verifica-se claramente a oposição entre direitos e deveres coletivos entre Países, o que só reafirma a seriedade e a urgência do desenvolvimento científico de meios para a solução das controvérsias, ou ainda a "planificação" das técnicas existentes e sua utilização efetiva para tais fins.

Tendo por base paradigmas que guardam relação com o acima noticiado, o estudo que a seguir se desenvolverá encontrar-se-á limitado a objeto de estudo e local determinado, pois sob a perspectiva da complexidade das relações humanas, parece oportuno analisar a evolução histórica da tutela coletiva num País que segundo as estatísticas oficiais possui cerca de 183.000.000 (cento e oitenta e três milhões de habitantes) e que diante de uma extensão territorial continentalPage 372apresenta uma pluralidade de interpretações possíveis para determinados atos e fatos jurídicos.

E ainda, necessário fixar, mesmo que de forma incipiente um panorama do estado passado, atual e próximo da matéria do estudo, de modo a que em momento futuro possa se examinar a influência do indivíduo3, da sociedade ou outros sobre a história da tutela coletiva no Direito brasileiro, e a autonomia desta.

Vale mencionar, para fins de um estudo histórico do Direito, os pressupostos assentados a título de "uma breve idéia das soluções"4 por Franz Wieacker, na doutrina jurídica alemã desenvolvida no pós Segunda Guerra Mundial no ano de 1967, sobre quais "as determinações da justiça vinculativas num plano supra-histórico que se mantiveram, nos vários projectos do direito natural e da moral jurídica, com uma estabilidade constante perante o pensamento histórico e crítico"5, quais sejam:

"a) se a questão do fundamento transcendente de uma vigência supra-positiva e incondicionalmente vinculativa do direito para todos os homens tiver que ser respondida, este fundamento de uma ordem jurídico-social que queira vincular intimamente homens que partilhem de todas as concepções fundamentais possíveis não pode ser encontrado nas verdades eternas; nem na vontade criadora infundamentada de uma revelação sobrenatural (por muito que ele seja determinante do comportamento jurídico dos crentes) nem na verdade lógica geral de um acto de conhecimento; nem por fim, numa autoridade política ou tradição pessoal histórico-cultural; mas tão só num apelo da consciência pessoal (potencialmente) ao alcance de todos e que a todos pura e simplesmente crie obrigações. Após a destruição das antigas convicções religiosas, das autoridades e das tradições comuns a todos, a justiça não aparece como valor imanente senão no plano da consciência que cada um tem do direito."6

"b) assim, a justiça apenas é compreensível como o respeito de um dever supra-pessoal pelo indivíduo em cuja experiência pessoal ela aparece como uma visão sobre o valor do direito."7

"c) a consciência como visão dos deveres relativos ao comportamento externo na convivência inter-humana constitui a consciência jurídica; a consciência jurídica é experimentada como categorialmente autônoma dos outros actos do conhecimento moral. Esta autonomia da experiência jurídica fundamenta a autonomia da justiça: logo que a questão do dever ser jurídico é, como tal, colocada, deixa de existir qualquer outro valor mais elevado no qual a justiça acabe por ficar absorvida (tal como a >, a > ou a caridade) ou a preeminência axiológica dum valor desse tipo."8

"d) o comando da consciência jurídica é transcendente e, por isso, incondicionado. Este carácter incondicionado inclui precisamente o condicionamento da situação, i.e., o carácter necessariamente referencialPage 373do comando jurídico em relação à historicidade da nossa existência e à situação de uma certa pessoa numa determinada situação."9

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Delimitação do objeto do estudo

"A visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está se fundindo com uma concepção social coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos "direitos públicos" relativos a interesses difusos."10 – Mauro Cappelletti e Bryant Garth, 1978.

O objeto deste estudo é a coleta de dados que permitam que seja traçada uma síntese da evolução histórica da tutela coletiva no Direito brasileiro.

Para tanto, faz-se necessário a delimitação do que se entenderá por tutela coletiva para os fins pretendidos.

Por “tutela coletiva” propõe-se que seja compreendido, em sentido amplo, o fenômeno jurídico da espécie processual através do qual se busca a prevenção ou solução de controvérsias ou litígios, seja através da imposição de decisão heterocompositiva por órgão jurisdicional, seja através da aceitação contratada de decisão heterocompositiva apresentada por órgão arbitral, seja através da composição das partes em decorrência das atividades de terceiro que aplicou ato ou procedimento específico à situação (v.g.: negociação, conciliação ou mediação), ou, por fim, diante da autocomposição não influenciada por terceiros, implementada pelas próprias partes quando admitida pelo ordenamento jurídico; sendo certo que o resultado alcançado constituirá a tutela, a qual poderá se referir, seja ao tratamento de direitos que se encontrem, no tempo e espaço, na qualidade de coletivos em sentido estrito (difusos e coletivos em sentido estrito) – tutela de direitos coletivos –, seja dos direitos individuais homogêneos ou heterogêneos que se qualificam pela pluralidade de partes envolvidas, pluralidade esta que inviabiliza ou desaconselha a utilização do instituto do litisconsórcio – tutela coletiva de direitos individuais –, ou, qualificados pela existência do interesse comum.

Entretanto, adverte-se o leitor que o estudo que ora se apresenta é um início, pelo que desculpas já são apresentadas por qualquer omissão ou erro, e ainda aguardam-se os comentários e críticas, sempre bem-vindos, os quais poderão ser encaminhados ao Autor através da Revista Eletrônica de Direito Processual.

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Algumas notas sobre a evolução do direito brasileiro

A realização de um estudo histórico demanda a fixação do objeto, do espaço e do período, não obstante as outras variantes que poderão acarretar alteração do resultado almejado.

Adotando-se as lições encartadas no clássico Introdução Histórica ao Direito de John Gilissen11, pode-se apresentar a seguinte proposta de sistematização histórica:

[CONSULTE A TABELA NO PDF ANEXADO]

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Na perspectiva científica acima apresentada, o Direito brasileiro se encontra atrelado a espécie "direitos europeus medievais e modernos"12, na subespécie "direitos romanistas fora da Europa"13, na modalidade "direito romanista puro", pois:

"A colonização de vastos territórios por países europeus desde o século XVI favoreceu a difusão dos sistemas jurídicos destes países fora da Europa.

A Espanha e Portugal levaram o seu direito para as suas colônias da América Central e Meridional; universidades de tipo europeu foram então criadas a partir de meados do século XVI (México, Lima). Quando no começo do século XIX aí se formam Estados independentes, estes conservam a tradição jurídica da antiga mãe-pátria.

...

Na realidade, podem distinguir-se fora da...

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