Histórias conectadas da idade média: abordagens globais antes de 1600

AutorCláudia Regina Bovo/Adrien Bayard
CargoDoutora. Professora Adjunta, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História, Uberaba, MG, Brasil/Doutor. Maître de Conférence, Université d'Artois, Centre de Recherche et d'Études - Histoire et Sociétés, Arras, France
Páginas11-16
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 10-16, jan./abr. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e71225
Histórias conectadas da Idade Média
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As últimas décadas do século XX foram marcadas por mudanças estruturais
rápidas no cenário mundial. Seja pelas transformações geopolíticas provocadas
com a descolonização da África e da Ásia (1960-1970) ou pelo m da Guerra
fria (1990), seja pelo avanço da globalização e da expansão do desenvolvimento
tecnológico, uma demanda por histórias transnacionais emergiu enquanto fruto de
um mundo cada vez mais interdependente. A partir da consolidação de associações
econômicas, políticas e culturais, os limites impostos por visões de mundo nacionalistas
e abordagens acadêmicas eurocêntricas trouxeram à tona provocações importantes
sobre a necessidade de novas maneiras de interpretar e explicar as experiências
históricas a partir do viés global.
Novas abordagens historiográcas surgiram dessa seara, que apesar de ter na
década de 1990 o momento de constituição formal do campo, com institucionalização
efetiva de associações (World History Association) e periódicos, encontrou o germe
de sua essência na ousadia de enfoques historiográcos anteriores (BLOCH, 1930;
BRAUDEL, 1949; MCNEILL, 1963). A chamada Global History aparece em diversas
ramicações, as quais, ao se construírem enquanto abordagem historiográca,
colocam à prova os melhores meios para sua realização. Como armou Diego Olstein
(2015), apesar das sobreposições historiográcas, essas múltiplas tendências à
história global compartilham características comuns e estão todas dedicadas a pensar
a história por meio do que se identica como os 4 “Ces”: a conexão, a comparação, a
conceituação e a contextualização.
Da história global à transnacional, as histórias conectadas estão dispostas a
estabelecer abordagens sobre os cruzamentos históricos a partir da longa duração, da
longa distância, da análise em múltipla escala e da transdisciplinaridade. É, justamente,
nessa perspectiva que os debates em torno das conexões históricas pré-modernas
se tornam necessários. Como já demonstrou Sanjay Subrahmanyam (2017), há
tradições antigas e medievais de escrita da história que analisaram outras sociedades,
privilegiando o estudo das interações em múltiplos espaços e tempos, bem como em
diversas escalas. Temos muito a aprender com essas narrativas, sobretudo, o modo
de olhar o outro abstraído do horizonte de expectativas de conceituações modernas,
como aquelas sentenciadas pelos ideais oitocentistas de “povo” e “nação”.
Além disso, diante de um momento histórico que encara com pessimismo o
legado eurocêntrico do Ocidente, estudos que abordam a perspectiva das Histórias
conectadas da Idade Média encontram espaço auspicioso para seu desenvolvimento
por algumas razões. A primeira delas está em qualicar essa temporalidade,
tradicionalmente atribuída à Europa ocidental, a partir do estudo de comunidades
conectadas em escala suprarregional e supracontinental, incluindo abordagens em
perspectiva eurasiana e africana. Essas novas abordagens buscam demonstrar a
prosperidade de análises sobre a movimentação de pessoas, a circulação de ideias
e materiais, bem como as intersecções de procedimentos de governança e regulação
no enfrentamento de conitos sociais e intempéries naturais comuns às diversas
comunidades anteriores às grandes navegações atlânticas.
A periodização da Idade Média surge como uma categoria temporal
exclusivamente europeia, de origem seiscentista, cimentada em referenciais de
linearidade e progressão evolutiva da história que explicavam a consolidação atlântica
das monarquias cristãs europeias (BOVO, 2017). Como armaram Katheleen Davis
e Michael Puett (2015, p. 1), trata-se de “um processo que, em grande medida,
possibilitou a ideia da Europa como uma entidade unicada e, ao mesmo tempo,

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