História intelectual em perspectiva global: letrados, ideias e redes na América Latina
| Autor | Cairo de Souza Barbosa |
| Cargo | Mestre. Doutorando, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Sociais, Departamento de História, Rio de Janeiro, RJ, Brasil |
| Páginas | 150-156 |
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 149-156, jan./abr. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e67542 150/156
Cairo de Souza Barbosa
No campo das humanidades, em especial na historiograa, os estudos que
envolvem intelectuais e letrados, até pouco tempo, centravam-se em perspectivas
analíticas ligadas à história das ideias ou à história de caráter biográco de
corte sociológico. Nessas abordagens, prezavam-se tanto o conjunto do “pensamento”
produzido por determinadas guras, entendido como corpo intelectual apartado de
dinâmicas e conitos sociais – isto é, como “engenho mental” –, quanto os aspectos
descritivos da vida pessoal ou prossional de determinado personagem. Essas leituras
priorizavam aquilo que é estático, imóvel, constante, acabado em detrimento dos
contatos, das trocas, das interações, dos trânsitos e intercâmbios que dão sentido e
tonalidade a determinados produtos intelectuais.
Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidades dos intelectuais latino-americanos
e as redes transnacionais, lançado em 2018 pela editora Fino Traço, é um livro que
contribui para esses debates. Organizada por Adriane Vidal Costa, professora de
História da América na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Claudio
Maíz, professor de Literatura Hispano-americana Contemporânea na Universidade
Nacional de Cuyo (UNCuyo), esta obra reúne ensaios de importantes estudiosos latino-
-americanos de diversos países do continente. O corte transversal que dá sentido ao
livro é a reunião de textos que se preocupem especialmente com a história da cultura
– tanto com os próprios discursos intelectuais como com os aspectos sociológicos
ligados à organização e ao intercâmbio entre letrados e intelectuais. Em termos gerais,
os artigos são estruturados a partir de quatro grandes eixos: epistolários, exílios,
revistas e instituições. O cenário de fundo são as amplas transformações políticas,
econômicas e sociais pelas quais passou a América Latina, especialmente no nal do
século XIX e ao longo de todo o século XX.
Entretanto, para além da dualidade discurso-biograa, o livro foi concebido na
esteira das novas possibilidades de pesquisa abertas no campo da história intelectual,
em sua interface com algumas perspectivas ligadas aos estudos de história global, que
têm determinado e promovido uma série de transformações estruturais e densas nas
abordagens relacionadas às práticas letradas e intelectuais. As mudanças passam,
sobretudo, por um olhar que extrapola as fronteiras nacionais, afastando-se dos
pressupostos fundacionais da disciplina que, ao menos desde o século XIX, faziam
com que o Estado-nação fosse o objeto primário de estudos. Esse novo momento da
historiograa parece coincidir, em grande termo, com o que David Armitage (2015)
chama de “giro internacional” da história intelectual, a partir do qual passaram a ser
examinados com mais anco processos, movimentos e instituições que vão além das
fronteiras territoriais rigidamente denidas. São exemplos de estudos as questões
relacionadas ao meio ambiente, ao crime organizado, às epidemias, às corporações,
às religiões e, poderíamos acrescentar, à produção de pensamento e aos discursos
intelectuais, tema geral da coletânea.
Em certa medida, alguns traços dessa possível “virada global”, em especial no
caso da história intelectual latino-americana, já estavam esboçados na própria gênese
desse campo de estudos no nal do século XX, sobretudo a partir da importância
basilar exercida por Transculturación narrativa en América Latina (1982), de Ángel
Rama. A obra do crítico uruguaio procura pensar a formação da cultura do continente
a partir da noção de transculturação, que implica, no plano discursivo, um jogo de
apropriação, reelaboração e transformação de conceitos, palavras, vocabulários e
termos. Nesse caso, já estava lançada a percepção de que as ideias eram tecidas
a partir de dinâmicas de trocas e disputas intelectuais, não com base em relações
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO