Hermenêutica, analítica e argumentação: distintas visões sobre a discricionariedade judicial

AutorLenio Luiz Streck
CargoMestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas371-387
DISPONÍVEL EM: www.univali.br/periodicos
DOI: 10.14210/nej.v25n2.p371-387
NovosEstudos Jurídicos
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HERMENÊUTICA, ANALÍTICA E
ARGUMENTAÇÃO: DISTINTAS VISÕES SOBRE A
DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL
HERMENEUTICS, ANALYTICS AND ARGUMENTATION: DIFFERENT VIEWS ON
JUDICIAL DISCRETION
HERMENÉUTICA, ANALÍTICA Y ARGUMENTACIÓN: DISTINTAS VISIONES SOBRE LA
DISCRECIONALIDAD JUDICIAL
Lenio Luiz Streck1
.
Palavras-chave: Hermenêutica; Analítica; Argumentação; Discricionariedade judicial.
Abstract: The crisis that aects juridical hermeneutics is directly related to the discussion of the crisis
of knowledge and the problem of establishing a legal framework, typical of the beginning of the Twentieth
century. This work notes the various attempts to establish rules or canons for the process of interpretation
based on the predominance of objectivity or subjectivity, or even to combine the subjectivity of the interpreter
with the objectivity of the text. Despite the Copernican revolution produced by the linguistic-hermeneutical turn
of events, it is possible to clearly detect its non-reception by legal hermeneutics practiced in law schools and
courts, where the method still predominates, albeit genetically modied by discursive theories.
Keywords: Hermeneutics; Analytical; Argumentation; Judicial discretion.
Resumen: La crisis que atraviesa la hermenéutica jurídica posee una relación directa con la discusión
acerca de la crisis del conocimiento y del problema de la fundamentación, propia del inicio del siglo XX. Se
1 Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Professor titular do Programa
de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UNISINOS e da UNESA-RJ; Professor visitante da Universidade Javeriana-Bogotá;
Membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional ABDConst; Coordenador do DASEIN Núcleo de Estudos Hermenêuticos.
Ex-Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Advogado.
Resumo:A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com
a discussão acerca da crise do conhecimento e do problema da fundamentação, própria do
início do século XX. Observam-se as várias tentativas de estabelecer regras ou cânones
para o processo interpretativo a partir do predomínio da objetividade ou da subjetividade
ou, até mesmo, de conjugar a subjetividade do intérprete com a objetividade do texto.
Apesar da revolução copernicana produzida pela viravolta linguístico-hermenêutica, é
possível detectar nitidamente a sua não recepção pela hermenêutica jurídica praticada
nas escolas de direito e nos tribunais, onde ainda predomina o método, mesmo que
geneticamente modicado pelas teorias discursivas.
DOI: 10.14210/nej.v25n2.p371-387
REVISTA NOVOS ESTUDOS JURÍDICOS - ELETRÔNICA, VOL. 25 - N. 2 - MAI - AGO 2020
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observan varios intentos de establecer reglas o cánones para el proceso interpretativo a partir del predominio
de la objetividad o de la subjetividad o, hasta mismo, de conjugar la subjetividad del intérprete con la
objetividad del texto. A pesar de la revolución copernicana producida por el giro linguístico hermenéutico,
es posible detectar nítidamente su no recepción por la hermenéutica jurídica practicada en las escuelas de
derecho y en los tribunales, donde todavia predomina eltodo, mismo que genéticamente modicado por
las teorías discursivas.
Palabras clave: Hermenéutica; Analítica; Argumentación; Discrecionalidad judicial.
INTRODUÇÃO
Na história moderna, tanto na hermenêutica teológica como na hermenêutica jurídica a
expressão tem sido entendida como arte ou técnica (método), com efeito diretivo sobre a lei divina
e a lei humana. Johann Conrad Dannhauer, teólogo de Estrasburgo, introduziu, em 1564, o termo
“hermenêutica” para substituir a “hermenêutica como ars interpretandi2.
Importa lembrar que o ponto comum entre a hermenêutica jurídica e a hermenêutica teológica
reside no fato de que, em ambas, sempre houve uma tensão entre o texto proposto e o sentido que
alcança a sua aplicação na situação concreta, seja em um processo judicial ou em uma pregação
religiosa. Essa tensão entre o texto e o sentido a ser atribuído ao texto coloca a hermenêutica diante
de vários caminhos, todos ligados, no entanto, às condições de acesso do homem ao conhecimento
acerca das coisas.
Assim, ou se demonstra que é possível colocar regras que possam guiar o hermeneuta no
ato interpretativo, mediante a criação, v.g., de uma teoria geral da interpretação; ou se reconhece
que a pretensa cisão entre o ato do conhecimento do sentido de um texto e a sua aplicação a
um determinado caso concreto não são de fato atos separados; ou se reconhece, nalmente,
que as tentativas de colocar o problema hermenêutico a partir do predomínio da subjetividade
do intérprete ou da objetividade do texto não passa(ra)m de falsas contraposições fundadas no
metafísico esquema sujeito-objeto.
A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com a discussão
acerca da crise do conhecimento e do problema da fundamentação, própria do início do século XX.
Hermenêutica foi sendo transformada em um termo “da moda”, quase um enunciado performativo.
Sua simples invocação já lembra, para os juristas imersos no senso comum teórico, uma espécie
de “libertação das amarras do positivismo exegético”, ignorando, inclusive, as diversas formas de
positivismo pós-exegético que se formaram pós-Hart3. Efetivamente, é possível dizer que o termo
2 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica losóca. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
3 Veja-se, sobretudo, o verbete sobre positivismo: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do
Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017.

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