Habeas corpus na Justiça do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas547-552

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O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito romano, pelo qual todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada que se chamava interdictum de libero homine exhibendo. Ocorre, porém, que a noção de liberdade da Antiguidade e mesmo da Idade Média em nada se assemelhava com os ideais modernos de igualdade, pois, como salientado por Pontes de Miranda, naquela época os próprios magistrados obrigavam os homens livres a prestar-lhes serviços47.

Alguns autores apontam como lugar de origem do habeas corpus a Inglaterra, na Magna Carta, no ano de 1215 do rei João Sem-Terra. Como destaca André Ramos Tavares48, referindo-se à Carta do Rei João Sem-Terra, assevera que

(...) esta assegurava aos indivíduos garantias, como a do devido processo legal, devendo o acusado ser submetido a um Tribunal competente. Tal proteção evoluiu até que a liberdade de locomoção foi protegida por remédio específico, com o Habeas corpus Amendament Act, de 1.679. Na História jurídica pátria, essa garantia foi prevista originariamente no Código de Processo Criminal do Império de 1832, em seu art. 340. Apenas no art. 72, § 22, da Constituição de 1891 é que alcançou status constitucional.

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Nossa Constituição Federal consagra o habeas corpus no art. 5º, inciso LXVIII, como um direito fundamental e uma garantia que tutela o bem mais caro do ser humano, que é a liberdade. Aduz o referido dispositivo constitucional: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

No nosso sentir, o habeas corpus é um remédio constitucional, exercido por meio de uma ação mandamental que tem por objetivo a tutela da liberdade do ser humano, assegurando-lhe o direito de ir, vir e ficar, contra ato de ilegalidade ou abuso de poder. Pode ser preventivo, quando há iminência da lesão do direito de liberdade, ou repressivo, quando já tolhida a liberdade.

Quanto à natureza jurídica do habeas corpus, em que pese a opinião majoritária da doutrina e jurisprudência em sentido contrário49, não se trata de uma ação criminal50, e sim de um remédio constitucional para tutelar a liberdade de locomoção contra ato ilegal ou de abuso de poder, não sendo exclusivamente uma ação de natureza penal.

Partindo-se da premissa de que o habeas corpus tem natureza de ação penal, parte significativa da jurisprudência anterior à EC n. 45/04 entendia que a Justiça do Trabalho não tinha competência para apreciar o habeas corpus, mesmo que a prisão emanasse de ato de Juiz do Trabalho, devendo a Justiça Federal apreciar o writ.

Nesse sentido, a seguinte ementa:

Sendo o habeas corpus, desenganadamente, uma ação de natureza penal, a competência para seu processamento e julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade do depositário, em execução de sentença. Não possuindo a Justiça do Trabalho, onde se verificou o incidente, competência criminal, impõe-se reconhecer a competência do Tribunal Regional Federal para o feito. (STF-CC 6979-DF - Ac. TP - 15.8.91, rel. Min. Ilmar Galvão)

Após a EC n. 45/04, não há mais dúvidas de que a Justiça do Trabalho tem competência para apreciar o habeas corpus, para as matérias sujeitas a sua jurisdição.

Com efeito, assevera o art. 114, IV, da CF competir à Justiça do Trabalho processar e julgar os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição.

Pela dicção do referido dispositivo legal, cabe o habeas corpus na Justiça do Trabalho toda vez que o ato envolver a jurisdição trabalhista, vale dizer, estiver sujeito à competência material da Justiça do Trabalho.

O eixo central da competência da Justiça do Trabalho, após a EC n. 45/04, encontra suporte na relação de trabalho (inciso I do art. 114 da CF) e também nas demais matérias mencionadas nos incisos I a VIII do art. 114 da CF.

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8.1. Hipóteses de cabimento na Justiça do Trabalho

a) Ato da autoridade judiciária trabalhista

Na Justiça do Trabalho, as hipóteses de prisões determinadas pelo Juiz do Trabalho são em decorrência ou do descumprimento de uma ordem judicial para cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, ou do depositário infiel.

Inegavelmente, a hipótese mais comum da utilização do habeas corpus na Justiça do Trabalho é em decorrência da prisão do depositário infiel, que se dá na fase de execução de sentença trabalhista51.

Como destaca Antonio Lamarca52:

(...) no curso da ação ou execução surgem incidentes que, em princípio, nada tem a ver com a competência constitucional da Justiça do Trabalho. O tema aqui, ao que me parece, é outro: é jurisdicional e não competencial (...). A Justiça do Trabalho, como outros órgãos do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, deve ir até o final da entrega do bem arrematado, sejam quais forem as consequências daí advindas. A Constituição, por exemplo, não prevê que a Justiça do Trabalho possa decretar a prisão de testemunha ou depositário infiel, no entanto, defere-se tranquilamente essa faculdade. Foi-se o tempo do ranço administrativo a que alguns ainda se apegam, hoje a Justiça do Trabalho executa suas próprias decisões; então, ou vai até o final ou é justiça por metade (...).

As prisões determinadas pelo Juiz do Trabalho decorrem do cumprimento das decisões trabalhistas, são de natureza cautelar, e não penal, uma vez que a Justiça do

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Trabalho, em que pesem algumas vozes em contrário53 após a EC n. 45/04, não tem competência...

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