Greve de fome como pressão popular

AutorJosé Comblin
Páginas98-100
GREVE DE FOME COMO PRESSÃO POPULAR
JOSÉ COMBLIN *
O que há no Evangelho que pode nos iluminar a propósito dessa atitude?
Jesus disse: Quem quiser salvar sua vida perdê-la-á; mas quem perder sua
vida por causa de mim e do Evangelho salva-la-á” (Mc 8,35). E mais: “Se
alguém quer vir em meu seguimento, renuncia a si mesmo, tome sua cruz e
siga-me” (Mc 8, 34). O que é a cruz? A cruz é a morte. Com a sua cruz, Jesus
vai para a morte. Seguir Jesus é caminhar atrás dele no mesmo caminho: “Se
alguém vier a mim sem me preferir ao seu pai, à sua mãe, à sua mulher, aos
seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser
meu discípulo” (Lc 14, 26).
Estas palavras dizem que há valores mais importantes do que a vida e que a
vida não pode salvar-se a qualquer preço, como se fosse o valor absoluto. O
próprio Jesus mostrou isso na sua vida. Na véspera da sua paixão, ele podia
muito bem ter fugido, seguindo os conselhos dos seus discípulos. Bastavam
alguns poucos dias de marcha e ele estava fora do alcance daqueles que o
queriam matar. Ele teve que escolher: fugir ou morrer. Os próprios Evangelhos
dizem que a tentação foi forte e a luta foi dura, mas ele resolveu ir ao encontro
da morte. Sabia que iam matá-lo, e assim mesmo foi ao encontro da morte.
Dom Oscar Romero sabia, tinha a certeza de que iam matá-lo. No entanto, era
fácil evitar a morte. Bastava tomar o avião e afastar-se do país. Assim o
suplicavam os padres, os agentes de pastoral e até as autoridades
eclesiásticas. Era muito fácil. Morreu porque quis. Ficou em San Salvador, sem
se esconder. Ele se ofereceu à bala do atirador. Por quê? Por causa do
Evangelho.
E quantos outros na história? Claro que, na mesma situação, a grande maioria
faz a outra opção e foge. Já foi assim nos primeiro séculos. A grande maioria
fugiu, se escondeu e escapou. Outros quiseram ficar e oferecer-se à cruz.
Claro está que a opção de Jesus é livre. A opção de seguir Jesus
também. Cada pessoa pode e deve escolher. Como é que se apresenta a
necessidade de fazer uma opção? Não há regras. Não existe um código do
martírio. Tudo é pessoal e as circunstâncias históricas variam. Onde e quando
se pode dizer que a causa do Evangelho está comprometida?
Dom Oscar Romero achou que na matança e na opressão do seu povo o
Evangelho estava comprometido e que a fidelidade a Jesus exigia dele que
tomasse a sua cruz. Ele a tomou. Não ia ao encontro de um risco de morte.
Era uma certeza. Assim como os primeiros cristãos que se negavam a oferecer
incenso à imagem do imperador sabiam que isso era a morte. As
circunstâncias mudam. Hoje em dia, em lugar nenhum se pede incenso para o
presidente da república. No entanto, o grande ídolo atual é o dinheiro. Baixar a
cabeça diante dos grandes bancos mundiais é idolatria. Com certeza vão
aparecer mártires da luta contra o deus dinheiro.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT