A greve dos bóias-frias em São Paulo

AutorCláudio Perani
Páginas82-88
A GREVE DOS BÓIAS-FRIAS EM SÃO PAULO
Cláudio Perani
(Publicado originalmente nos Cadernos do CEAS n.º93, set./out. 1984, p. 17-23)
No dia 15 de maio de 1984, a pequena cidade de Guariba, com 25 mil habitantes, situada na região
da cana de Ribeirão Preto - São Paulo, foi invadida por uma multidão de mais de 1.000 bóias-frias.
Incendiaram e demoliram dois prédios da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo (Sabesp), atearam fogo a três veículos da mesma e saquearam um supermercado. Os
bóias-frias tinham entrado em greve. Os caminhões dos "gatos" foram recolher em vários pontos da
cidade cerca de 10 mil trabalhadores rurais para conduzi-los às usinas, mas os motoristas eram
obrigados a parar por causa dos piquetes. Um dos canaviais da Usina São Carlos foi incendiado.
A Polícia Militar, com cerca de 200 homens, chegou jogando bombas de gás lacrimogêneo; houve
tiroteio com um morto (Amaral Vaz Meloni de 49 anos, aposentado) e 29 feridos. Também a
Polícia Federal esteve presente.
Dois motivos imediatos contribuíram para a revolta dos trabalhadores rurais. O principal foi a
decisão dos usineiros de mudar o sistema de corte de cana de açúcar estabelecendo 7 ruas ao invés
de 5 como era antes. Com isso o trabalhador era obrigado a carregar a cana cortada até os montes,
diminuindo sua produção. Pelo sistema de 5 ruas chegava a colher 150 metros por dia, enquanto
pelo de 7 esse rendimento caía para 90 metros. A outra causa foram os constantes aumentos das
taxas de água. Na véspera da revolta houve novo aumento, totalizando 900% em um ano.
Os bóias-frias reuniram-se em assembléia e apresentaram 21 reivindicações, na maioria atendidas
pelos usineiros depois de três dias de greve. "Foi uma grande vitória de todos os trabalhadores
rurais", conforme explicou muito emocionado o bóia-fria Caetano Faria dos Santos. Clemência Dias
Pereira estava radiante: "Ontem a noite dormi tão tranqüila que cheguei a sonhar". E outro
trabalhador: "Eu não me contive. Chorei de emoção. Era um nó que estava 25 anos na garganta".
A Situação dos Bóias-Frias
Na região de Ribeirão Preto cerca de 110 mil bóias-frias estão empenhados no corte da cana. Muitos
eram pequenos sitiantes, mas acabaram perdendo suas terras e foram se instalar nas periferias das
cidades. Outros vieram de fora - Minas Gerais, outras áreas de São Paulo, Nordeste -, quando em
1975 se instalou o projeto Proálcool.
Grande é o lucro gerado na região de Ribeirão Preto com a produção de açúcar e álcool (em torno
de Cr$ 10 bilhões), mas é apropriado por 4 ou 5 famílias donas das Usinas Silo Martinho - a maior
do Brasil, de propriedade do Grupo Ometto -, Bonfim, São Cados e Santa Adélia. Até os próprios
recursos destinados ao lazer, educação e saúde do empregado da usina (2% do preço do litro do
álcool e I % do valor da saca de açúcar) são aplicados pelos usineiros para construir piscinas e
comprar helicópteros, segundo o deputado Waldir Trigo (PMDB).
Os trabalhadores rurais ficam numa situação de fome.
O trabalho é muito pesado. O bóiafria levanta às 4 da madrugada, depois de ter preparado na
véspera a comida; faz 2 horas de caminhão antes de chegar no lugar de trabalho; corta a cana de 7 às
10, de 11 às 14 e das 15 às 17, tomando nos intervalos a comida fria; volta no fim do dia com mais
2 horas de viagem. Os acidentes são muitos, seja no transporte sem condições (cada semana há
mortos), seja no manejo do facão (15-20 acidentes por mês acontecem numa usina).

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