A gratuidade da justiça no processo do trabalho: reflexões à luz do CPC e da Lei n. 13.467/2017

AutorLuiz Ronan Neves Koury e Carolina Silva Silvino Assunção
Páginas49-58

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1. Introdução

A gratuidade da Justiça era um tema pouco explorado na doutrina, mas que ganhou relevância com o seu tratamento em seção específica do Código de Processo Civil.

É natural o espaço normativo dado ao tema no ordenamento processual em função das normas fundamentais positivadas no próprio Código, somado à preocupação do legislador processual em estabelecer um diálogo com o Direito Constitucional e a sua disposição de transcrever parte dos princípios processuais constitucionais, tornando-os objeto de toda ação legislativa subsequente.

Cabe mencionar, em primeiro lugar, o art. 1º do CPC em que o legislador infraconstitucional presta reverência e faz verdadeira profissão de fé em relação aos valores e normas constitucionais. Para o nosso tema de estudo – gratuidade da justiça – tem relevância o valor embutido na norma constitucional, de que o Estado prestará assistência jurídica, integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV da Constituição Federal), como instrumento indispensável para o amplo acesso à justiça.

Muito mais do que uma simples norma, trata-se neste caso de valor positivado na Constituição Federal, de interesse direto da sociedade, com origem nos fundamentos republicanos, representados pela valorização da cidadania, dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III da CF) e da igualdade de todos perante a lei, de forma substancial e não apenas formal, como extensão do direito à jurisdição sem quaisquer privilégios (art. 5º, caput).

Como o caderno processual fixa a previsão de aces-so amplo à justiça nos moldes constitucionais (art. 3º), tornou-se quase uma exigência, de mais básica coerência por parte do legislador, a existência de normas garantidoras de sua concretização por meio da gratuidade da justiça.

Também se inscreve a gratuidade da justiça como extensão do tratamento igualitário atribuído às partes quanto ao exercício de seus direitos, faculdades e ônus no processo (art. 7º), o que só será implementado, em alguns casos, se a justiça gratuita for reconhecida à parte carente.

Na mesma linha têm-se os requisitos para boa aplicação do ordenamento (art. 8º) quando faz expressa referência ao resguardo e preservação da dignidade humana, no início como no curso do processo, o que, também, em muitos casos, só será possível se às partes for garantida isonomia de condições e oportunidades no processo.

Outro aspecto a ser mencionado é de que a referência à gratuidade da justiça aparece em outros artigos do Código além daqueles de sua Seção própria – arts. 98 a 102, a exemplo dos arts. 82 (cabe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo), 95 (quando o custeio da perícia for de responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita) e 105 (poderes especiais para o advogado assinar declaração de hipossuficiência econômica), entre outros.

A gratuidade da justiça é colocada como exceção à onerosidade do processo (art. 82), pois em se tratando de serviço judiciário, espécie de serviço público, faz-se necessária a imposição de um custo na sua utilização, mesmo porque a sua manutenção acarreta um encargo elevado para a sociedade.

A exceção, representada pela justiça gratuita, ganha contornos de interesse público, de forma pontual, quando se garante o pagamento de honorários do perito pelo poder público (art. 95), porquanto neste caso está em jogo a necessidade de remuneração por um trabalho realizado em prol da justiça e também como medida de política judiciária. Previne-se, com esse procedimento, eventual parcialidade no exame da pretensão daquele que é beneficiário da justiça gratuita e não poderá arcar com o ônus representado pelos honorários periciais.

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Os poderes especiais para declarar a hipossuficiência econômica por parte do advogado em relação ao seu cliente devem constar da procuração (art. 105) em razão das consequências que uma declaração falsa pode gerar para a parte representada.

A disposição legal acarretou o cancelamento da OJ 331 do TST, que dizia ser desnecessária a outorga de poderes especiais ao patrono da causa a fim de firmar declaração de insuficiência econômica para concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Como o entendimento contido na OJ 331 se fundamentava no art. 4º da Lei n. 1.060/1950, alterado pela Lei
n. 7.510/1986, que exigia apenas a afirmação na inicial de insuficiência econômica para gozo dos benefícios da assistência judiciária, agora revogado no art. 1072, III, do Código de Processo Civil, é inequívoco o acerto do cancelamento da referida Orientação Jurisprudencial.

Adequando-se à nova ordem processual, o C. TST, em 26.06.2017, editou a Súmula n. 463, estabelecendo a necessidade de o procurador ter poderes específicos para firmar declaração de hipossuficiência. O verbete teve seus efeitos modulados de forma a se exigir a cláusula especial apenas para requerimentos formulados após a data da publicação da Súmula. Apesar de o Tribunal Superior do Trabalho não ter sinalizado, na Instrução Normativa n. 39/2016, sobre a aplicação da norma contida no art. 105 do CPC ao processo do trabalho, observam-se os esforços contínuos da Corte em compatibilizar a jurisprudência laboral ao novo contexto normativo.

Não obstante, cumpre registrar que, em razão das alterações introduzidas no art. 790 da CLT pela Lei
n. 13.647/2017, a previsão legal que permite ao juiz, de ofício, conceder os benefícios da justiça gratuita restou mitigada, haja vista ter limitado a concessão da gratuidade apenas àqueles que recebem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (art. 790, § 3º CLT). Não se pode olvidar, contudo, que a referida norma, que notadamente engloba a grande maioria dos trabalhadores que demandam na Justiça Especializada, servirá, no âmbito do processo do trabalho, para relevar a exigência de poderes especiais prevista na norma processual.

É preciso, portanto, verificar, com a inclusão de seção própria levada a efeito no ordenamento processual, se a sua aplicação se faz de forma automática ao processo do trabalho considerando as suas peculiaridades e a existência de normas tratando do tema na CLT, como se vê dos arts. 790, 790-A e 790-B e 791-A. A análise da medida da compatibilidade ganha ainda maior relevância com o advento da Lei n. 13.467/2017, também conhecida como reforma trabalhista, que trouxe especificidades quanto à responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento dos honorários periciais e advocatícios quando sucumbente na pretensão posta à apreciação do órgão jurisdicional.

Nesse ponto pode até mesmo ser vislumbrada uma eventual inconstitucionalidade no cotejo da norma celetista, que determina o pagamento de honorários periciais ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita, e o dispositivo constitucional (art. 5º, LXXIV CF/88), em que o Estado deve conceder assistência jurídica aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Aliás, a norma contraria até mesmo o acesso à jurisdição, pois tem o condão de inibir o requerimento para produção de provas, funcionando como verdadeiro mecanismo de cerceamento de defesa.

No sentido de sua inconstitucionalidade, cabe mencionar a ADI n. 5766, que suscita a inconstitucionalidade parcial dos arts. 790-B caput e § 4º, 791-A, § 4º e § 2º do art. 844 da CLT, no que se refere ao pagamento dos honorários periciais e advocatícios, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita, bem como o seu pagamento em consequência de parcelas advindas do processo ou de outro processo.

Como cria verdadeira mitigação dos efeitos da gratuidade da justiça nos processos que tramitam perante a Justiça do Trabalho, necessário se faz analisar se a abrangência da justiça gratuita, o seu procedimento e peculiaridades, impugnação ao pedido, os recursos próprios e as consequências do trânsito em julgado na hipótese de revogação da gratuidade, matérias contidas nos arts. 98 a 102 do CPC, podem ser harmonizados às novas regras inseridas no texto celetista.

2. Conceito Abrangência subjetiva e objetiva

Antes mesmo de fixar o conceito de gratuidade da justiça, é necessário, em coro com a melhor doutrina, fazer a distinção entre justiça gratuita, assistência judiciária e assistência jurídica, objetos da Constituição Federal, Leis ns. 1.060/1950 e 5.584/1970.

A assistência jurídica, da qual a assistência judiciária é espécie, é aquela prevista no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, devendo ser a mais ampla possível, judicial e extrajudicialmente, até mesmo em atividades de consultoria e aconselhamento. A assistência jurídica prevista na Constituição é de tal amplitude que engloba a assistência judiciária e a justiça gratuita. (OLIVEIRA, 2016, p. 146)

Para a referida doutrina, apenas será concretizado o comando do preceito constitucional, de assistência jurídica universal e gratuita, se o cidadão tiver assegurada a possibilidade de defender seus interesses em juízo com a isenção das despesas do processo e o patrocínio de um profissional sem qualquer custo, embora reconhecendo a distinção dos institutos da assistência judiciária e da justiça gratuita. (OLIVEIRA, 2016, p. 146)

A assistência judiciária, muitas vezes confundida com a gratuidade de justiça na Lei n. 1.060/1950, é aquela prestada por advogado em determinado processo

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ou mesmo pelo sindicato, de forma gratuita, como se verifica na Lei n. 5.584/1970.

A gratuidade da justiça, de que trata o Código de Processo Civil, com o significado preciso de eximir o seu beneficiário das despesas pelos atos processuais e requerimentos realizados não se refere à assistência por advogado, dizendo respeito apenas ao âmbito da atuação judicial e, ao contrário da legislação anterior, não faz referência à chamada...

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