Sobre o governo das memórias: aspectos de um domínio do real

AutorVinícius Nicastro Honesko
CargoProfessor adjunto de História Contemporânea na Universidade Federal do Paraná
Páginas87-102
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 19, n. 31, p. 87-102, 2019|
doi:10.5007/1984-784X.2019v19n31p87 87
SOBRE O GOVERNO DAS MEMÓRIAS
aspectos de um domínio do real
Vinícius Nicastro Honesko
UFPR
RESUMO: A partir de considerações sobre questões relacionadas à teoria da história, o presente en-
saio analisa como a produção de uma narrativa historiográfica contém alguns aspectos que podem
também ser detectados nos atuais modos de gestão de informações e governo político baseados em
padrões da cibernética. Para tanto, num primeiro momento, expõe como as maneiras de operar na
historiografia podem ser compreendidas a partir de uma poética do saber e, num segundo momento,
entrelaça essa dinâmica aos padrões de gestão de probabilidades no âmbito das ciências físicas e
sociais. Por fim, expõe como a produção de um real por meio do controle das probabilidades se
tornou o eixo central para o domínio das experiências humanas em sua amplitude (desde a gestão
das memórias às práticas de governo em sentido estrito).
PALAVRAS-CHAVE: Teoria da história; Cibernética; Poética do saber.
ON A GOVERNMENT OF MEMORIES
aspects of a domain of the real
ABSTRACT: From considerations on issues related to the theory of history, the he present essay anal-
yses how an historiographical narrative production contains some aspects which can also be detected
on the contemporary manners of management of information and political government based on
cybernetic patterns. Therefore, at first it exposes how the ways of operating on historiography can be
comprehended as a poetics of knowledge and, in a second moment, it intertwines this dynamic with
the patterns of management of the probabilities in scope of the physical and social sciences. Lastly, it
exposes how the production of a real by means of the control of the probabilities became the central
axis to the domination of the human experiences in all its breadth (since the management of the
memories until the government practices in the strict sense).
KEYWORDS: Theory of history; Cybernetics; Poetics of knowledge.
Vinícius Nicastro Honesko é professor adjunto de História Contemporânea na Universidade Federal do Paraná.
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 19, n. 31, p. 87-102, 2019|
doi:10.5007/1984-784X.2019v19n31p87 88
SOBRE O GOVERNO DAS MEMÓRIAS
     
Vinícius Nicastro Honesko
As reflexões aqui apresentadas partem de premissas que, mais do que in-
terdisciplinares, procuram carregar certo teor de indisciplinariedade. Desde
essa instância limiar – que, portanto, não está em um campo disciplinar que
possa ser dito próprio – é que são propostas questões que funcionem como
propulsoras a uma reflexão sobre o papel político das análises teóricas (tan-
to de cunho historiográfico quanto teórico-literário; em suma, e de modo
abrangente, no campo das chamadas humanidades) no contemporâneo: é
possível elaborar um pensamento sobre a história que esteja à altura das ur-
gências do presente? Como, ao refletir sobre a memória e a constituição de
um saber sobre o passado, abrir um flanco de batalhas no e para o presente
sem o engessamento de um academicismo? E, de maneira mais genérica,
qual o papel político num presente desagregador – tal como este que se
nos mostra como inexorável – de alguém que se disponha a refletir sobre as
relações entre os modos de constituição da história e o presente (e isso sem
cair no quase solipsismo de área – o historiador que ainda clama por certa
historia magistra vitae)? Aqui, não há pretensão de apresentar respostas,
mas ao menos deixar que as perguntas ecoem e não sejam abafadas pela bal-
búrdia sonora das palavras de ordem que parecem, por todos os lados, nos
impelir à irreflexão e a uma superficial tomada cega de partido neste tecido
de curtidas que parece ter se tornado nosso único mundo possível.
Em 2002, a poeta polonesa Wisalawa Szymborska – nascida em 1923 e
que, portanto, é pertencente à geração entre-guerras na Polônia: e isso quer
dizer, como lembra sua tradutora, Regina Przybycien, que ela teve de lidar
tanto com a experiência traumática da guerra quanto com as quatro déca-
das de comunismo –, publica Instante.1 No livro está incluído um pequeno
poema que pode funcionar, nestas breves considerações, como uma espécie
de mote:
1 PRZYBYCIEN, Regina. A arte de Wislawa Szymborska. In: SZYMBORSKA, Wislawa. Poemas.
Trad. Regina Przybycien. o Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 12.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT