Governança e regulações da Internet: uma apresentação crítica

AutorLuca Belli
Páginas73-90
43
2 Governança e regulações da Internet: uma
apresentação crítica
Luca Belli
Desde a sua popularização nos anos 90, a Internet tornou-se
parte integrante da vida de todos os indivíduos conectados e
uma ferramenta essencial para a formação de nossas opiniões
e para nos permitir aprender, comunicar, socializar, ter acesso
a serviços públicos e empreender, espalhando livremente os
frutos da nossa criatividade online. A Internet e as tecnologias
de informação e comunicação (TIC) estão cada vez mais oni-
presentes, inexoravelmente ligadas às nossas atividades diárias
e relacionadas à nossa vida democrática, econômica e social.
Uma parcela cada vez maior das oportunidades que podemos
obter no decorrer de nossas vidas depende da possibilidade de
acessar a Internet, enquanto a possibilidade de evitar uma quan-
tidade cada vez maior de riscos depende da nossa capacidade
de entender como a Internet funciona e como podemos usá-la
de forma segura, produtiva e sustentável.
Neste contexto, deve-se notar que, se a informação é o oxigê-
nio da era moderna, então a Internet pode ser considerada como
o aparelho respiratório da humanidade contemporânea, que
precisa ser cuidado permanentemente para salvaguardar uma
estrutura saudável e robusta e evitar as evoluções que possam
prejudicar nosso bem-estar.
Assim, as formas de governança e regulação de um fenômeno
tão poderoso e essencial para nossas vidas deixaram de ser
um assunto para especialistas e tornaram-se questões discuti-
das diariamente entre o público, e influenciadas por um fluxo
contínuo de propostas legislativas, bem como por decisões
de atores privados, cujas dimensões econômicas podem exce-
der as da maioria dos estados existentes. Assim, bem como no
meio ambiente as decisões das autoridades públicas e empre-
sas podem determinar externalidades positivas e negativas para
todos os componentes do ecossistema, no ambiente digital as
decisões dos atores públicos e privados podem estender seus
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Governança e regulações da Internet na América Latina
Análise sobre infraestrutura, privacidade, cibersegurança e evoluções tecnológicas em
homenagem aos dez anos da South School on Internet Governance
efeitos para muito além das fronteiras nacionais ou do uso de
produtos e serviços específicos3.
O reconhecimento da complexidade da Internet e a interdepen-
dência dos elementos que a compõem é o ponto de partida deste
livro, que não pretende analisar exaustivamente a evolução e o
impacto da Internet na América Latina, mas sim oferecer os ele-
mentos necessários para entender e questionar várias das facetas
que compõem o prisma da governança da Internet e analisar criti-
camente várias das ferramentas regulatórias que influenciam sua
evolução na região. Somente compreendendo a existência, a inter-
conexão e, frequentemente, o contraste de interesses particulares
e instrumentos regulatórios que moldam a evolução da Internet,
o leitor será capaz de compreender a utilidade dos processos de
governança abertos à participação dos diversos stakeholders4 que
elaboram e implementar os instrumentos de regulação setorial que
definem o presente e o futuro da Internet.
Assim, este trabalho adota uma abordagem multissetorial no sen-
tido de incluir uma série de análises muito heterogêneas, escritas
por alguns dos mais reconhecidos especialistas da região, do
mundo acadêmico, dos setores público e privado, da socie-
dade civil e da comunidade técnica. Este livro é particularmente
relevante não só porque celebra dez anos de debates multis-
takeholder no campo da South School on Internet Governance
(SSIG), mas também porque é o único trabalho na região que
comprova com fatos e com conteúdos concretos a utilidade das
análises multistakeholders para conhecer e ponderar cuidadosa-
mente a variedade de pontos de vista e interesses que estão em
jogo cada vez que um aspecto da Internet é considerado.
A maior riqueza de qualquer exercício multissetorial é – ou, pelo
menos, deveria ser – a heterogeneidade das opiniões apresentadas
3 Por exemplo, um programa de vigilância nacional pode ter consequências globais e a conduta
anticompetitiva de uma empresa localizada em um Estado especifico pode determinar efeitos
diretos sobre consumidores e outras empresas localizados em outros países. Para uma discussão
a esse respeito, veja Belli (2016:312-323).
4 O termo inglês stakeholder define qualquer pessoa física ou jurídica envolvida nos processos
deliberativos e de tomada de decisão que ocorrem nos níveis internacional, nacional ou local. A
participação das partes interessadas é justificada por seu interesse ou stake em um determinado
processo. Neste artigo, vamos considerar o termo “interesse” como “a motivação econômica ou
política, ou o valor moral, que desperta a atenção de um indivíduo ou de uma organização em
um processo, o que leva ao investimento de recursos específicos para influenciar o resultado do
processo”. Veja Belli (2015).

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